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A perda precoce em casos de abandono ou morte dos pais

 
 


 

Rachel Amin de Freitas
Psicanalista
Maître
em Psicopatologia/Universidade René Descartes/Paris V, Sorbonne
Especialista em Teoria Psicanalítica/Universidade Estácio de Sá (UNESA)
Aderente da Escola Brasileira de Psicanálise/RJ
Coordenadora do Projeto de Psicanálise aplicada na IV Vara da Infância, Juventude e Idoso de Teresópolis/R.J.

rachelamin@uol.com.br

 

Resumo

O texto analisa a relação existente entre a perda precoce por morte ou abandono dos pais e a delinqüência e/ou distúrbios de comportamento das crianças atendidas pela Vara da Infância, Juventude e Idosos de Teresópolis/RJ. Focaliza as conseqüências psíquicas da perda conforme as diferenças relativas à conjugação do sexo da criança com o do genitor perdido precocemente, visando teorizar sobre o modo como a particularidade de cada um desses laços determina a resposta psíquica relativa à perda. O axioma freudiano “a psicologia do sujeito faz parte da psicologia do grupo” serve de eixo tanto para averiguar o funcionamento psíquico peculiar à camada carente de nossa população, bem como para apontar as intervenções analíticas adequadas ao atendimento institucionalizado gratuito inscrito no campo da psicanálise aplicada.

Palavras-chave: psicanálise aplicada, perda precoce, sexuação, laço social, sintoma.

 

   
 

 

Early loss in cases of child abandonment or parental death

 

Abstract

The text analyses the relationship between early loss due to death or parental abandonment and delinquency and/or disturbed behavior found in kids under the care of the Vara da Infância, Juventude e Idosos, in Terezópolis, Rio de Janeiro. It focuses its attention on the psychiatric consequences of this loss according the child’s and his parent’s gender, aiming at theorizing on how the specificity of each of these ties determines the psychiatric response to this loss. The Freud axiom “the psychology of the subject takes part of the psychology of the group” is the subject of the culture” is central to the questioning of the psychic behavior of underprivileged citizens as well as to the indication of needed analytical interventions in the institutional clinical work within the area of applied psychoanalysis.

Key words: applied psychoanalysis, early loss, sexuation, social ties, and symptom.

 

 


Introdução:

Nosso projeto de Extensão é fruto da parceria entre a Vara da Infância, Juventude e Idoso, de Teresópolis/RJ com o Núcleo Sephora de Pesquisa sobre o moderno e o contemporâneo, coordenado pela Profa. Dra. Tania Coelho dos Santos. Esse projeto, hoje, se dedica a pensar a relação existente entre a perda precoce dos pais, seja por morte e/ou abandono, e a delinqüência daquelas crianças.

Nossa reflexão terá como baliza a tese freudiana (1921), formulada em “Psicologia de grupo e análise do eu”, que situa a psicologia do sujeito como fazendo parte da psicologia do grupo. Esta orientação nos leva a fazer uma contextualização da inserção sócio-econômica e cultural dos sujeitos aos quais nos dedicamos.

A Vara da Infância e Juventude funciona de modo diverso das outras Varas. Ela tem um caráter sócio-educativo. Recebemos crianças de 8 a 18 anos com distúrbios de comportamento e/ou infratoras que se encontram em estado de risco moral e social, sentenciados com medidas preventivas ou com medidas sócio-educativas de liberdade assistida ou semi-liberdade. Eles são, na sua maioria, de uma camada menos favorecida da população e possuem uma organização e um funcionamento familiar e psíquico bastante peculiar - vivem à margem da legalidade, seja pelos terrenos ocupados nos quais construíram suas casas, pelos “gatos” usados para puxar sua luz, ou pelos laços matrimoniais que dificilmente são legalizados. Nestas comunidades há uma enorme dificuldade de separação entre o público e o privado. A vida privada de cada indivíduo é pública e, por isso, “solidariamente”, todos participam de tudo. No entanto, a responsabilidade pessoal é fraca quanto aos seus laços afetivos e sexuais.

As famílias destas comunidades são, muitas vezes, compostas pela mãe com seus filhos, frutos de parceiros variados, outras, por um pai cuja mulher o deixou sozinho com seus filhos, que acabam vivendo junto aos avós, ou mesmo de filhos abandonados por pai e mãe vivendo sob a tutela de seus avós. São, pois, menores advindos de uma classe da população que é assistida pela rede pública – de saúde ou educacional - onde o comportamento e o equilíbrio psíquico das crianças e adolescentes também é assunto do Ministério público (Coelho dos Santos e Amin de Freitas, 2005).

Para Coelho dos Santos e Amin de Freitas (2005), mesmo que estes sujeitos estejam fora do que se define como "contrato moderno dos direitos e deveres", da acumulação, do projeto e do planejamento do futuro, eles não deixam de participar da sociedade de consumo. Nossa sociedade está regida pelo discurso religioso da fraternidade, da caridade e da igualdade. Notamos que uma importante camada da população está sob o império desta lógica. Assim, grande parte da camada carente de nossa população, os desfavorecidos econômica e socialmente, se encaixam nesta lógica dos desamparados filhos de Deus que devem ser tomados como vítimas da história pessoal ou política deste país. Esta lógica se encaixa bastante bem no que Freud (1916) chama de caráter de exceção.

Ele narra que encontramos no trabalho psicanalítico três tipos básicos de caráter: os que se consideram "exceções", os "fracassados pelo êxito" e os "criminosos devido ao sentimento de culpa". Coelho dos Santos e Azeredo (2005) consideram que os dois últimos tipos de caráter vinculam-se ao sentimento de culpa, ligado a uma sociedade sustentada pela figura de autoridade - do pai - servindo como ideal do eu em sua formação. A autora escreve que a sociedade contemporânea é acompanhada de um avanço na direção da satisfação direta das pulsões, reconhecendo o crescimento do tipo de caráter dos que reivindicam ser tratados como “exceções”. Aquele em que um sujeito, a partir de seu lugar de lesado, acredita não precisar abrir mão de mais nada, não precisando inclusive se responsabilizar e se implicar no que tange a seus laços de inserção na sociedade.

A orientação de nosso trabalho visa à legalização dos lugares de autoridade e a marcação das diferenças sexual e geracional, assim como ao comprometimento do sujeito em seus atos, tentado provocar neles sua divisão e implicação subjetiva em seus atos.

Para Coelho dos Santos (2001) há uma expansão de “laços sintomáticos frouxos que deixam o sujeito mais exposto à invasão de um gozo deslocalizado, ao excesso de angústia e à produção de suplências fora do discurso, fora do laço social”. Assim, quando essas crianças sofrem a perda de um dos pais, essa perda é gravíssima e incita respostas contundentes porque já existe antes dela uma desagregação familiar que provoca um funcionamento psíquico banhado de precariedades.

É a partir deste contexto e de nossas observações que tentamos avançar quanto à especificidade da perda em jogo nestes casos, seja relacionada à precocidade da perda e suas conseqüências, seja na particularidade do laço destas crianças, menino ou menina, ao pai ou à mãe no referido contexto.

 

Teoria

Para Freud (1915), no processo de luto, a retirada de libido do mundo externo pelo sujeito neurótico é condição para que ocorra a subjetivação da perda de uma pessoa amada. Este trabalho por parte do sujeito é a condição para que ele possa reinvestir o mundo e seus objetos. Mas, naquele momento, Freud não se dedica a pensar qual a especificidade do luto em crianças.

Helène Deutsch (1937), em seu artigo sobre a falta de lamento nos lutos infantis, nos ensina a reconhecer o papel central ocupado pela perda de um dos pais na infância. Segundo ela, a partir disso, assistiremos nas crianças a uma produção de sintomas e anomalias de caráter. Elas lançarão mão de mecanismos de defesa narcísicos para subjetivar minimamente a perda em questão. Tais defesas poderão desembocar numa patologia do laço social.

A perda precoce leva os sujeitos ao recurso narcísico, fazendo com que a angústia insuportável da perda e suas conseqüências se localizem no outro e não mais neles próprios ao se fixarem na posição de objeto. É deste modo, que eles se dispensam da responsabilidade por sua enunciação e deixam ao encargo do outro tanto a angústia quanto a impotência diante de tamanho desastre. Esta é a razão pela qual encontramos freqüentemente, entre as crianças que atendemos quadros de estruturas psicóticas, posições psicóticas e/ou delinqüência como respostas diferentes, para meninos e meninas, aos momentos diversos da incidência da perda e segundo a perda seja do pai e/ou da mãe. Quanto mais cedo as perdas se dão, mais estragos são colhidos na vida psíquica dos sujeitos. O retorno ao funcionamento narcísico protege-os do pior quando o recobrimento fálico vacila para um sujeito.

 

O Eu e o narcisismo

Nos anos de 1910-1911, Freud desenvolve duas linhas importantes para pensar a constituição do ego: em seu estatuto pulsional baseado na auto-conservação, e como objeto da libido, primeiro objeto organizador das pulsões.

Freud (1885) escreve que a realidade de pensamento – que vem a ser chamada de realidade psíquica em 1900 - é o trabalho do aparelho psíquico para nos tornarmos humanos. Ele escreve que esta realidade advirá das experiências vividas entre o bebê e seu semelhante (Nebenmensch), ou seja, aquele que cuida com ações especificas das urgências do bebê.

Em 1915, ele nos ensina que a libido vem da assistência alheia desempenhada por aquele que se ocupa do bebê, a mãe. Freud (1921) fala que a identificação é o tipo de laço libidinal mais primitivo do indivíduo baseado em traços de outra pessoa que servem de molde para construção do eu.

A mãe que se ocupa de seu bebê, investirá seu rebento falicizando-o e dando-lhe um corpo tecido por suas palavras e olhares que constituirão este sujeito. Quando Freud fala do investimento pulsional da mãe em seu bebê, ele está se referindo à capacidade de amar da mãe. Este amor provoca a “nova ação psíquica” (Freud, 1914) que retira o bebê do auto-erotismo, convidando-o a amar a si mesmo, ao mundo e a seus objetos. Este passo é necessário ao complexo de Édipo, ao complexo de castração e à sexuação.

Em 1905, Freud estabelece a satisfação auto-erótica das pulsões sexuais. Voltadas para o próprio corpo, constituem as zonas erógenas orientadas pelo princípio do prazer sem a preocupação com sua autopreservação. Há uma dispersão pulsional em que estas pulsões, independentes umas das outras, não promovem a necessidade do bebê buscar um objeto fora de si para sua satisfação. A parcialidade, plasticidade e a satisfação auto-erótica das pulsões sexuais são as características que lhes dão a condição de não se submeterem ao princípio de realidade, mas esta ilusória harmonia tem seus dias contados. O excesso de excitação leva o bebê a ter uma descarga motora que a mãe, no melhor dos casos, tomará como um chamado dirigido a ela. Assim, ao tomar o bebê como seu objeto de cuidado e de amor, investirá seu corpo e o inserirá na história daquela família. Esta ação instaurará a relação com a imagem da unicidade do Eu e fará a passagem da proliferação perverso-polimorfa das pulsões à unificação da imagem à qual o bebê procurará amar e preservar.

O sujeito amará a si mesmo através do semelhante que o cuida, em particular quando este outro se apresenta como um complexo separado dele. Tomar a si mesmo como objeto de amor transporta para si a qualidade das relações eróticas com o primeiro objeto libidinalmente investido, a mãe.

O narcisismo seria, portanto, uma etapa de constituição de um objeto único, o ego que confluiria as pulsões sexuais, parciais e auto-eróticas em si. A libido convergirá em direção ao próprio corpo como objeto de amor e se organizará a partir do primado da imagem, do corpo e da diferença sexual. O investimento pulsional se dá no campo dos objetos e no campo onde o próprio indivíduo se inclui, através de seu corpo, inserindo-se na sexualidade enquanto objeto de amor como todos os outros objetos.

É via identificação com o traço que vem do semelhante (Nebenmensch) que o eu poderá se formar, trazendo consigo uma história que o enquadra numa identificação sexuada a partir da qual ele subjetivará seu destino sexual. Ele se organizará a partir do primado da imagem tomada do outro, do primado do corpo e da diferença sexual - sede da ambivalência do sujeito. A estrutura dinâmica narcísica, portanto, é constituída da formação do Eu e da perda da ilusão da indiferenciação eu/mundo externo. Freud (1923) definirá o Eu como um precipitado de catexias orientadas para o semelhante já marcado pela diferença sexual. Por isso, o Eu pode representar as exigências de um mundo exterior, do pai, da mãe, enfim, das pessoas significativas para aquele sujeito.

O narcisismo será o passo necessário para a entrada no Édipo. O Édipo introduz a necessidade de identificação a um tipo sexual, o que introduz para o sujeito uma perda: a da sua indiferenciação eu/mundo. A relação consigo mesmo marca e se atualiza através da relação com o Complexo paterno.

As identificações secundárias, pertinentes ao desfecho do Édipo e advindas dos efeitos do complexo de castração, se estruturam através do ideal do eu. Ideal este que deverá ser transmitido pelo pai. Sendo aquele que interdita o objeto incestuoso, a mãe, o pai desempenha uma função apaziguadora da rivalidade instalada pela identificação primária. A rivalidade com a figura parental do mesmo sexo no Édipo advém do solo já plantado pelo jogo de vida ou morte encenado pela identificação imaginária.

O ideal implantado pelo pai está, portanto, referido ao narcisismo e nos mostra como a transferência da libido para os objetos constitui o fundamento do laço social. O ideal é aquele que esclarece o funcionamento da constituição e organização do investimento objetal enquanto amplia o alcance da libido sendo tomado na constituição do laço social.

 

Lacan e o eu

Lacan (1949) em seu primeiro ensino dedicou-se à releitura dos textos freudianos. Com este intuito, ele toma Estádio do espelho, uma experiência retirada da biologia comportamental para explicar o que Freud chamou de construção do eu e da realidade psíquica, pela via dos efeitos psíquicos da imagem no espelho nos bebês.

Lacan descreve (1949, p. 94) a experiência do estádio do espelho dizendo que a partir da idade de 6 meses, mesmo antes de conseguir ficar ereto, notamos o júbilo do bebê diante de uma imagem antecipatória de unidade corporal diante do espelho, que será tomada para si pelo bebê a partir do olhar e da fala do Outro materno que lhe designa enquanto tal. Lacan escreve que, para que esta apropriação do que se vê se dê na medida satisfatória, é preciso que este sujeito esteja posicionado em um lugar de onde ele possa ter a ilusão da unidade corporal produzida por este olhar do Outro. Assim, a partir da fala e da imagem, este sujeito se situa no mundo Simbólico ordenado pelo Nome-do-Pai.

Esta imagem será a matriz imaginária da relação do sujeito com os outros. Trata-se de uma imagem investida libidinalmente pelo Outro materno que se encontra relacionada e sustentada pelo universo simbólico. Ou seja, pelo campo do Outro como tesouro dos significantes, que irá banhar o sujeito de suas palavras respaldando sua imagem enquanto imagem de si mesmo. O eu será, então, o lugar onde o mundo se organiza através das formas e das relações, por isso o eu lacaniano é imaginário.

Esta experiência do Estádio do espelho mostra como a imagem se enreda no Simbólico. O Simbólico é feito de palavras, de metáforas e metonímias das substituições significantes que vão cavar as faltas e as interpretações, construindo desta forma o inconsciente como uma interpretação da diferença e formando então a realidade psíquica (Freud, 1900) que Lacan fará equivaler ao significante do Nome-do-Pai.

 

O Nome-do-Pai

A ordem simbólica constitui-se enquanto função mediadora da relação imaginária, intervindo como reguladora da distância entre o sujeito e o outro. O Simbólico introduz, pois, o sujeito no mundo.

O Nome-do-Pai será destacado por Lacan como o significante que ordena o mundo, a cadeia, operando a possibilidade do laço social entre os seres humanos, seus engajamentos e diferenças. Insere o sujeito na cultura, no campo do Outro da linguagem. Portanto, o Nome-do-Pai ordena para o sujeito o campo do Outro, fornecendo um sentido ao obscuro desejo materno.

No jogo dialético da presença ausência da mãe, o Nome-do-Pai dará a significantização à ausência da mãe, retirando-a da categoria de capricho, e ao sujeito, do puro desamparo. Do capricho materno ao desejo, o sujeito poderá passar do desamparo à interpretação do desejo da mãe como sendo algo que está para além dele mesmo. É a ausência significantizada da mãe que promoverá a separação do bebê de seu objeto primordial - sua mãe, e fará o sujeito advir como desejante.

A ordenação promovida pelo Nome-do-Pai lança o sujeito na linguagem e ordena a cadeia significante introduzindo a lei da oposição significante que lhe dará a possibilidade de dialetizar as experiências de sua vida.

No entanto, a função da metáfora paterna não se dá de forma igual para meninos e meninas, porque a identificação ao traço no corpo não é igual para ambos. Por possuírem pênis, os meninos têm a possibilidade de se identificarem ao pai a partir deste traço fazendo o conjunto dos homens. As meninas, ao contrário, se aferram a esta falta por não terem o significante que as identifique enquanto tal. Embora o pai também ocupe para as meninas o lugar de ideal, ele será aquele que tem o pênis e pode doá-lo. Portanto, a função paterna, a função fálica, a nomeação e a simbolização do desejo da mãe não podem se dar da mesma maneira para ambos os sexos, haja vista que eles partem de premissas diferentes o que os coloca de maneiras diversas em sua relação com o pai.

O desejo da mãe se refere ao corpo e às pulsões e o pai, ao que insere a ordem da linguagem e da cultura. O sujeito, que é fruto do desejo de um homem por uma mulher, terá que tecer o mito do Édipo para subjetivar, melhor ou pior, este excesso pulsional da posição sexual de cada sujeito.

 

O Édipo e a sexuação

A organização do mundo psíquico para Freud (1925) é falocêntrica e a anatomia, o destino a ser subjetivado, diferentemente para homens e mulheres.

O complexo edipiano, mito das relações do sujeito com seus semelhantes, se enlaça ao complexo de castração e é, segundo Freud, o responsável pelo laço entre a esfera social e a vida psíquica.

Antes do Édipo, o primeiro objeto de amor de meninos e meninas é a mãe, sendo que esta relação se estrutura de maneiras diversas para ambos e é um ponto de especial dificuldade para as meninas porque o objeto de amor não se separa do objeto da identificação. Freud observa a intensidade da duração do caráter libidinal resultante da relação entre a menina e sua mãe e uma enorme permanência de disposições e fixações deixadas por esta relação.

A identificação primordial (Freud, 1921), tanto para meninos quanto para meninas, é resultado do amor ao pai e é anterior a qualquer escolha de objeto. Já a identificação sexual é fruto do complexo de Édipo e do complexo de castração. A respeito da relação existente entre os complexos de castração e o edipiano, existe um contraste fundamental entre os dois sexos. Se, por um lado, os meninos declinam do Édipo por causa da ameaça de castração, por outro, o complexo de castração é o responsável por introduzir as meninas no complexo de Édipo (Freud, 1921, p. 318). Tendo a castração como dado primeiro, as meninas precisam de motivos muito fortes para a demolição do Édipo (p. 319), para se separarem de suas mães, partirem em direção ao pai e, mais tarde, elegerem um homem.

Se na modernidade Freud toma a anatomia como destino a ser subjetivado com o auxílio das famílias nucleares, diante da pós-modernidade e da conseqüente modificação da formação das famílias, Lacan nos propõe a diferença sexual como ponto de real, ponto de constrangimento sobre o qual o sujeito terá que encaminhar uma solução, segundo sua posição sexuada.

Por isso, auxiliado pela teoria freudiana sobre a diferença sexual, o complexo de castração e o repúdio à feminilidade, Lacan (1972) dá o passo a mais, formalizando o funcionamento psíquico de homens e mulheres a partir da singularidade de seus gozos e descrevendo a clínica da sexuação.

Do lado masculino, a identificação apoiada no pênis, pedaço de carne real no corpo, sustentará e dará o sentido ao que é ser homem. A ameaça de castração, ou seja, seu modo de regulação fálica levará um menino não só a declinar do Édipo, como abrir mão do objeto incestuoso, a mãe, preservando o traço identificatório tomado do pai que é investido na fantasia e recuperado mais tarde pela via da eleição de um parceiro amoroso. Assim o menino identifica-se ao pai estruturando sua relação com os ideais paternos e culturais.

Lacan (1956) escreve que o pai é aquele que priva a mãe do gozo do filho. É a transmissão do falo que permite ao menino se separar do lugar fálico ocupado em relação à sua mãe se inserindo na linhagem masculina de sua família. São essas condições que fornecerão as bases para que possa, num dado momento, utilizar seu pênis ao eleger uma mulher como causa de seu desejo. É a função do pai que dá potência à metáfora paterna e promove então a desidentificação ao falo e a assunção da castração para um menino. Assim, o modo masculino de nomear a relação sexual que não existe é submeter o sexo ao discurso da interdição e do recalque. É identificar-se ao traço unário, isolar o objeto do gozo como fetichista e ordená-lo pela via do fantasma. Trata-se poder se servir do pai como significante da exceção para nomear o gozo (Coelho dos Santos, 2006).

A carência do pai na sua função possui gradientes para os sujeitos. A carência radical requer do sujeito seu ego e seu narcisismo tanto para meninos como para meninas de maneiras diferentes.

O funcionamento do narcisismo é um obstáculo aos investimentos objetais necessários à futura escolha de um parceiro sexual, pois quanto mais o sujeito, seja ele homem ou mulher, se aferra ao narcisismo, mais auto-erótico e menor a possibilidade de uma escolha de um parceiro sexual. Segundo Lacan (1998, p. 692), a entrada no Édipo aponta três articulações importantes que deverão se dar para cada sujeito: a identificação a um tipo sexual, a futura escolha de um parceiro sexual e o cuidados com os filhos advindos da mesma. A perda precoce parece colocar em questão os dois primeiros pontos.

Quanto às meninas, Freud (1931) nos ensina que o laço dela com a mãe porta uma ambivalência importante e uma devastação estrutural. Para Dominique Laurent (2006), este laço será mais ou menos intenso e devastador segundo a possibilidade da mãe, enquanto mulher, encontrar um parceiro sexual que possa ser suporte do significante fálico e âncora de seu gozo.

Uma mulher, pela falta de pênis, não tem um suporte no corpo que possa ser âncora de sua identificação. Sua castração efetiva torna a dissolução do Édipo problemática porque a decepção de não ter recebido um pênis da mãe é interpretada como sendo da ordem de um capricho da mãe. Por isso, o que resta irrecalcável nesta relação entre duas mulheres é o que Freud conceitua como reivindicação do falo.

Freud (1914) afirma que a escolha objetal feminina é do tipo narcísica, Ele colheu esta observação nas escolhas amorosas feitas pelas mulheres. Uma relação pautada pela maior ou menor necessidade de ser amada por seu parceiro sexual. A eleição do parceiro amoroso é o ponto onde aparece a fixação ao gozo mortífero relativo à vida pulsional pré-edípica da menina com sua mãe. O amor será então para uma mulher o eixo em torno do qual se dará seu funcionamento.

A relação da menina com o limite, com a localização do gozo, não pode se fazer via órgão peniano, mas pela via do amor. Como Dominique Laurent (2001) ressalta tão bem em seu texto, essa via é contingencial porque depende do parceiro sexual para ser localizada. A relação da mulher com o amor é erotomaníaca por se tratar de uma demanda ilimitada e incondicional de amor ao Outro.

A relação da menina com sua mãe depende diretamente da relação da mãe, enquanto mulher, com um parceiro sexual. A insatisfação sexual da mãe leva facilmente uma menina a se oferecer como suplemento ao gozo feminino desta Outra mulher que é sua mãe.

O amor funciona, para ambas, como uma borda, um obstáculo mesmo à aspiração pela pulsão de morte, ao excesso feminino, por isso qualquer vacilo na esfera do amor a coloca a deriva em sua vida pulsional e pode levá-la facilmente a ser aspirada pela pulsão de morte (Laurent, 2001). Será o parceiro sexual que poderá ser o suporte do significante fálico do desejo de uma mulher e do discurso amoroso. Ao elegê-la como sua mulher, o homem lhe dá o suplemento de ser de mulher localizando seu gozo e seu desejo.

 

Vinhetas Clínicas:

Tomaremos três casos de neurose entre meninos e meninas que são encaminhados à Vara da Infância por suas escolas por causa de atitudes delinqüentes no meio social.

São casos que envolvem, respectivamente, uso de drogas, roubo e prostituição, mas que, diferente do que poderíamos supor a princípio, não se trata de invenção ou suplência do Nome-do-Pai, mas sim de sintomas que se enodam pela via Nome-do-Pai articulado à pére-version de cada pai especificamente.

A justa medida da versão do pai ao posicionar seu mais de gozar, seu objeto a, elegendo uma mulher como causa de seu desejo, incide sobre o obscuro desejo da mãe. Quando o pai se posiciona como desejante, como sexuado, a inscrição do falo para uma criança pode operar abrindo a possibilidade para aquele sujeito se colocar em relação ao significante do gozo e do desejo. Esta posição terá como argumento a função fálica em que o Nome-do-Pai fará a função de enodamento do sintoma para aqueles jovens.

Encontraremos dois casos de meninos e um caso de menina nestes relatos. Os casos dos meninos coincidem no tipo de perda, na idade da perda e do abandono, assim como no seu destino, a família paterna. Diferenciam-se no acolhimento destes meninos por estes familiares, fato que será determinante em suas respostas à perda e ao abandono porque atacam sua inserção na linhagem masculina de sua família.

Quanto à menina, ela responde à morte da mãe de acordo com sua posição sexuada, com a denegação da morte da mãe provinda do discurso familiar, mas ainda lhe resta um pai que está decidido a exercer sua função enquanto tal, o que lhe proporciona um destino melhor.

 

1° caso:

X é um rapaz de 17 anos e desde 1 ano de idade vive sob a guarda da avó paterna quando sua mãe o abandonou depois da morte de seu companheiro. Desde então foram raras as vezes que a mãe procurou por X. Hoje ele vive junto aos tios e a avó paterna.

X foi encaminhado pela escola à Vara da Infância. Seu desempenho escolar é muito bom. Usa drogas e foi retirado do tráfico por sua avó. Ela narra que ele é um bom menino, carinhoso, mas quanto ao trabalho, "não quer nada com nada".

X diz que usa drogas porque não entende o motivo que leva sua mãe a abandoná-lo. Ele diz que ela “não quer nada com nada”. Ninguém sabe dela, do que vive, onde vive. No entanto, ele relata ter começado a usar drogas quando, numa festa, soube que o pai era usuário. Ali, ao usar drogas, ele se sentiu filho deste pai, assim como os colegas, que o ovacionaram dizendo "Ah, sim, você é tão bom nisto quanto seu pai."

 

2° caso:

Y é um menino de 12 anos e desde 1 ano de idade vive sob a guarda da avó paterna quando sua mãe o abandonou depois da morte de seu companheiro. Desde então foram raras as vezes que a mãe procurou por Y.

Este menino foi encaminhado à Vara da infância pela escola porque seu desempenho escolar é o pior possível. Ele mente, rouba pequenos objetos na escola e na rua, agride os colegas e enfrenta os professores. Não obedece a avó, mas não a desacata. Ela reclama o tempo todo dele e o trata como um fardo.

Ele viveu até 4 anos de idade com esta avó. Foi levado para casa da tia materna onde era tratado como um empregado da casa, segundo a avó. Retorna, dois anos mais tarde, para casa da avó, que sempre o ameaça de entregá-lo aos cuidados da justiça. Há um enorme descompromisso desta família com este menino. Não se sabe ao certo quem se responsabiliza por ele.

 

3° caso:

Z é uma moça de 15 anos. Vivia até o ano anterior com sua irmã e sua mãe em outra cidade, depois da separação dos pais. A mãe morreu ano passado, tempo em que ela e a irmã vieram para junto do pai, já casado pela segunda vez. Elas têm uma péssima relação com a madrasta e, apesar dos esforços do pai, elas enfrentam a ambos e os desobedecem.

Z foi encaminhada à Vara da Infância pela escola por desacato aos professores, agressão aos colegas e suspeita de prostituição.

Z narra que a mãe era sua melhor amiga e, quando saíam juntas com a turma, ela sabia que Z esvaziava os pneus dos carros, mas ainda mantinha um certo respeito pelos professores e colegas de escola. Depois da morte da mãe ela diz que teve certeza de que não tinha mais nada a perder. "A partir daí não tenho mais que fingir que sou boazinha, não tenho que respeitar mais as pessoas. Elas que se danem.”

Ela ameaça o pai o tempo todo dizendo que irá morar com suas irmãs mais velhas em outra cidade. Ele se acovarda e recua.

Tomamos a decisão de convocar estas irmãs de Z as quais se negaram a levá-la consigo.

 

Conclusão:

A escolha destes três casos de neurose se deve à tentativa de mostrar como, neles, a delinqüência, o uso drogas, o roubo e a prostituição configuram-se como sintomas relacionados à pére-version e não como uma invenção ou suplência do Nome-do-Pai. A estruturação do funcionamento psíquico de meninos e meninas nos mostra os pontos problemáticos e o que fica em questão quando da perda precoce das figuras parentais.

A perda, principalmente a da mãe, ataca a imagem unificada a qual o bebê se dedicou a amar e a preservar fazendo o sujeito retornar às suas fixações narcísicas porque quando o que teria que ficar recoberto pela imagem fálica vacila, há um retorno ao funcionamento narcísico e auto-referido nos meninos e uma acentuação do funcionamento narcísico nas meninas.

No 1° caso – X – verificamos que o uso de drogas surge no momento exato em que numa festa seus companheiros lhe revelam que seu pai era usuário de drogas. Trata-se do traço paterno que ele retira do labirinto de objetos e identificações edipianas.

X é fruto de uma relação entre um homem e uma mulher que não tem grande valia para ele, trata-se de uma relação fugaz, sem maiores compromissos. Ele se queixa e se ressente do seu abandono por sua mãe e ao descrevê-la ele diz “ela não vale nada”. A possibilidade de enunciar que seu uso excessivo de drogas era uma forma de se "anestesiar" da imensa dor que sentia pelo fato de ter sido abandonado pela mãe, reduziu drasticamente este uso. Seus sintomas – o uso de drogas e não querer nada na vida – se articulam com o que pode ser extraído como traço identificatório deste pai e com o valor de sua mãe. O que ele pode pinçar da pére-version, ou seja, da versão que ele supôs a seu pai quanto ao seu objeto mais-de-gozar.

A sustentação dada a X pela família paterna, o amor desta avó paterna por ele, protegem-no do pior, inserindo-o, bem ou mal, na série da linhagem masculina de sua família, ou seja, abrem-lhe a possibilidade de recuar do tráfico e se arriscar menos, não necessitando que ele chegue às últimas conseqüências de sua delinqüência.

No 2° caso, o abandono de Y por sua mãe e o posterior uso deste menino para tentar apropriar-se indevidamente da possível indenização pelo atropelamento do pai de Y, que não lhe pertencia por direito, instala Y numa posição bastante problemática porque se soma ao descaso da família paterna. Isso deixa Y sem perspectiva, numa posição depressiva e sem crença no futuro.

A delinqüência de Y vem no lugar de um estado depressivo que responde a esta falta de lugar e de horizonte na vida. A delinqüência se apresenta aqui como um apelo enlouquecido ao Outro. Apelo a um significante que venha em oposição ao “não ter valor” ao qual ele foi lançado, que possa dialetizar com este destino, localizá-lo e interpretá-lo em seu apelo.

A ausência parental afeta este significante que deveria vir em oposição ao sujeito, localizando seu desejo e gozo, tirando-o deste estado de pouca valia. A delinqüência é seu meio de vida. Na falta deste significante o sujeito fica à deriva. A delinqüência é, pois, para Y, a forma de se manter vivo e ainda com algum tipo de laço. É um apelo ao Outro, uma tentativa de enlaçar-se de alguma forma.

Muitas vezes nos perguntamos sobre o diagnóstico deste menino e sobre que efeitos seriam possíveis de serem obtidos diante de tanto desamparo. Preocupamo-nos em pesquisar a existência de rastros de traços identificatórios paternos. Encontramos alguns: o menino tinha o mesmo nome próprio do pai, mas sem o sobrenome paterno e era campeão de um determinado esporte como o pai também havia sido.

Os efeitos terapêuticos foram colhidos no rastro da recuperação da história de seu pai, que nunca foi visto por Y, nem mesmo em foto. Nos arquivos do jornal da cidade conseguimos uma pequena fotografia em que ele recebia sua medalha de campeão esportivo. Por esta mesma via, foi possível saber que o pai se dedicava a ensinar esse esporte a crianças de uma escola do interior. Esta descoberta possibilitou requerer junto à justiça o reconhecimento da paternidade e a conseqüente inserção do sobrenome paterno no nome de Y.

Hoje ele aguarda uma vaga para trabalhar como ajudante de secretaria em uma escola no interior. A interação do trabalho realizado entre as entrevistas preliminares, seus efeitos terapêuticos e a intervenção feita pela Vara da justiça interditando sua delinqüência - que também o acolhe - talvez possibilitem, para ele, um destino melhor. Apostamos que estas intervenções possam trazer efeitos interessantes para vida de Y.

No terceiro caso, vemos Z bastante articulada à reivindicação fálica e à posição erotômana, estrutural para as mulheres. Para esta menina, a deslocalização estava presente desde a separação dos pais, quando sua mãe fica à deriva na localização de seu desejo e gozo, convocando Z para sua companheira e parceira suplementar de sua insatisfação amorosa. Segundo Z, as duas eram confidentes e inseparáveis depois que o pai as deixou. Z vem, então, colocar em cena o sintoma da relação entre os pais apresentando-se como objeto suplementar à mãe e tendo como conseqüência o apagamento da diferença geracional entre ambas.

Quando da perda da mãe, ela afirma que não irá morar com o pai, como se houvesse outra possibilidade que não esta, denegando a situação atual. Ela diz que seguirá para a casa das irmãs em outro Estado. Foi neste momento que nós, da Vara da Infância, decidimos convocar as irmãs. Elas compareceram para dizer que “irmã não era mãe” e que, por isso, não se viam obrigadas a cuidar de Z. O discurso familiar até então vigente era o de dizer a Z que ela não podia ir para esta outra cidade. No entanto, nunca deram o devido peso ao beco sem saída em que Z ficou em decorrência da perda de sua mãe. O desmentido da morte da mãe atuava assim de forma dramática provendo uma ilusão e uma deslocalização a mais para Z.

A perda da mãe intensificou para Z a posição de injustiçada (Miller, 2003), posição que já vinha se intensificando desde a separação dos pais. Com a morte da mãe, Z passou a cobrar de Deus e do mundo esta injustiça com juros e correção monetária. A convocação das irmãs de Z proporcionou sua inserção na família atual do pai, sua reinserção na escola e em um trabalho, do qual recebe um salário que é usado para si.

Os três casos mostram a impossibilidade de abordar o Real - seja da perda ou do abandono – sem passar pelos laços edipianos e sexuais encarnados para cada sujeito. Se, para X, o traço identificatório com o pai promove o sintoma, para Y, a delinqüência era o modo de se manter vivo. Para Z a delinqüência era o signo de sua deslocalização, do excesso feminino apresentado na forma de uma devastação e de um pedido incondicional de ser compreendida, aceita e amada.

Verificamos a partir destes casos em especial e em outros tantos atendidos por este Serviço, que, se os meninos perdem suas mães, o que fica em questão é o seu lugar fálico. Se perdem o pai, o problema recai sobre a transmissão do falo e sobre o uso posterior do pênis e inserção na lei masculina de funcionamento.

Se uma menina perde a mãe, o que vacila é a esfera do amor, a borda que a protege da aspiração pela pulsão de morte. Se perde o pai, perde a ponte necessária ao passo a mais que a levará, de uma boa forma, a um parceiro sexual, resultando, em alguns casos, numa busca e troca desenfreada de parceiros, inflando ainda mais a posição erotômana de uma mulher e sua posição reivindicativa.

Se a menina permanece na reivindicação fálica é porque isso a protege do laço devastador entre ela e sua mãe. O menino se defende do laço com seu pai através do repúdio à submissão a um outro homem, ou do repúdio à lei do mundo masculino. O repúdio da feminilidade no lado masculino é o repúdio à submissão ao pai, e visa proteger o menino do fracasso de se tornar homem ao sucumbir no seu amor ao pai. Porém, sem o amor e o cuidado do pai, ele corre o risco de continuar para sempre na posição fálica em relação à mãe (desde que haja esta mãe). A falta do suporte materno aumenta sua possibilidade de cair na posição de dejeto.

Esses são os diferentes modos de resposta subjetiva à perda ou ao abandono parental em sua articulação à posição sexuada de cada sujeito.

Apesar de todas precariedades, os pais dos meninos em questão conseguiram localizar para seus filhos a singularidade das escolhas de suas parceiras como causa de seu desejo. Esta localização provocou uma versão que abriu a possibilidade de saída destas crianças do lugar de prisioneiros do obscuro desejo materno, respondendo algo sobre o ser daquele sujeito na sua relação com o Outro.

Ao eleger uma mulher como causa de seu desejo, o pai aprova o desejo feminino desta mulher e se oferece como suporte do significante fálico para ela. Bem ou mal, isso abre para seus filhos homens, a possibilidade da posse do falo e, para as meninas, a promessa de que venham a recebê-lo. Isso se deve ao fato de que, promovido à condição de causa de desejo de um homem, o objeto é recoberto pela insígnia da mais-valia fálica. Desta maneira, seu filho ou filha pode se inscrever na relação com o gozo e com o desejo pela via da pére-version que possui uma via, um sentido, o sentido da vida.

Esta pesquisa nos leva a pensar na importância do pai vivo e encarnado que toma para si o cuidado com seu filho, privando a mãe do gozo da criança que pôs no mundo. Desta maneira, ele pode levar seu filho homem a declinar do lugar fálico junto à mãe para assentir na assunção da castração.

Para uma menina, um pai ocupa o lugar de ideal, de Outro que localiza o desejo e o gozo ao se posicionar enquanto parceiro sexual para sua mulher - a mãe desta menina. Ao promover uma separação entre ela e sua mãe, ele pode fazer a ponte que sua filha necessitará para buscar um parceiro sexual.

Para Coelho dos Santos (2006), ao incluir o pai como vivo e não simplesmente como suporte da função paterna, Lacan (1974-75) coloca a função paterna da transmissão dependente da particular père-version do pai. Isso implica o sujeito no laço concreto e dá ao triângulo edipiano - pai, mãe e filho - uma função na constituição do aparelho psíquico do filho, na sustentação da posição de filho e, conseqüentemente, na posição que ele ocupa como sintoma de um homem e de uma mulher. Esta leitura tem conseqüências muito importantes na clínica com crianças, pois situa a hipótese do inconsciente como dependente do mal entendido na relação sexual dos pais. Quando nós temos uma ruptura dos laços sexuais entre os pais, algo das condições da possibilidade de acesso e de decifração do sintoma se perde, porque a transferência do sujeito ao inconsciente também pode se fechar. A partir daí o sujeito pode produzir sintomas mais inclassificáveis, de acesso e de decifração mais difíceis.

 

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