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INCIDÊNCIAS NA CLÍNICA DAS VERSÕES DO NOME-DO-PAI (II)

 
 

 

Sílvia Elena Tendlarz
Analista praticante
Doutora em psicologia /Universidade de Salvador/Buenos Aires
Diploma de Mestrado em Psicologia clínica e patológica/Universidade de Rennes

Doutorado no Département de Psychanalyse/Paris VIII

Docente do Programa de Treinamento Clínico/Universidade Buenos Aires (UBA)
Membro da Escola de Orientação Lacaniana (Argentina)

Membro da École de la Cause Freudienne (França)

Membro da Associação Mundial de Psicanálise

stendlarz@fibertel.com.ar

 

Segunda aula do curso ministrado no Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica/UFRJ, em 2005. 

         Resumo

A autora retoma o tema de sua primeira conferência na qual trabalhou as versões do Nome-do-Pai no primeiro ensino de Lacan. Aqui, ela avança um pouco mais na direção do segundo e do último Lacan.

Palavras chave: função paterna, versões do pai, universal, particular

   
 

 

The clinical incidences of father function versions (II)

 

Second class of the course taught at the Graduated Program Studies on Psychoanalytic Theory, in 2005.

 

Abstract

The author re-addresses the topic of her first conference in which she worked the versions of father in the first teaching by Lacan. Here she advances in the direction of the second and the last Lacan.

Key words: father function, versions of the father, universal, private/local.

 

 

Tania Coelho dos Santos: Silvia Tendlarz retomará o tema de sua primeira conferência, fazendo agora uma mudança na cronologia. É preciso então estar atento e ver que tudo o que ela disse ontem se refere ao primeiro Lacan, recaindo a ênfase no eixo simbólico-imaginário. Na primeira aula, ela trabalhou as versões do Nome-do-Pai no primeiro Lacan. Hoje, ela avançará um pouco, talvez entre o segundo e o último Lacan. Assim, vocês ouvirão algumas formulações discordantes e diferentes das formulações trazidas na aula passada.  

 

Ela me pediu que advertisse vocês de que hoje a aula será bastante densa conceitualmente. Pedimos a Márcia Zucchi para nos ajudar, traduzindo as palavras desconhecidas e mais difíceis do espanhol. Se vocês sentirem dificuldade em relação ao espanhol, basta levantar o braço para que Márcia entenda que as últimas coisas que foram ditas não foram bem entendidas por causa da língua, e ela traduzirá a última frase.    
 

Silvia Tendlarz: Na aula de hoje vamos trabalhar, principalmente, dois eixos:  

1. O primeiro, diz respeito à formalização do Édipo, feita por Lacan, através da metáfora paterna.  

 

2.  O segundo, diz respeito aos paradoxos do supereu.

 

Na aula passada, paramos no ponto em que Lacan afirma, no Seminário 7: A ética, que o supereu implica a incorporação do pai, e que, se ele é tão malvado conosco, é porque temos muitas reprovações a fazer ao pai. Ficamos então neste binômio: pai-supereu ou pai–falta/mandado superegóico. Para desenvolver este binômio, trabalharemos hoje a apresentação que Lacan faz do Nome-do-Pai e da metáfora paterna, assim como a apresentação, em Freud e em Lacan, do conceito de supereu.

 

Como vimos ontem, a primeira apresentação do pai é a de um pai simbólico. Lacan começa a trabalhar mais detidamente a questão do pai a partir do Seminário 3: As psicoses[1]. Já falara do pai, mais rapidamente, em, por exemplo, “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”[2] ou em “O mito individual do neurótico”[3] – que são textos de 1953, ou seja, do início do ensino de Lacan – sobretudo pontuando que se trata de um pai simbólico.  

 

Se tomarmos o Esquema L, de Lacan (em que temos dois eixos: um eixo simbólico e outro imaginário), o Pai fica situado no eixo simbólico.  

 

Eixo imaginário: a-a’
Eixo simbólico: A
® $

Lentamente, Lacan vai criando o seu conceito de Nome-do-Pai. É verdade que, em “Função e campo da palavra e da linguagem”, já encontramos a expressão “nome do pai”, que vem da teologia, mas que é escrita ali com minúsculas – ou seja, sem o estatuto conceitual que Lacan lhe dará mais tarde. Ele fala do “nome do pai” para indicar a sua função simbólica. Ele próprio dirá isto nos Escritos[4], bastante tempo depois, no texto “Subversão do sujeito e dialética do desejo”: “Esse lugar de Deus Pai que designei como nome do pai”[5]. Isso mostra que, nas origens do Nome-do-Pai, há uma fonte teológica e que, mais tarde, Lacan abandonará.  

 

No Seminário 3: As psicoses, Lacan começa a trabalhar as particularidades do que é ser pai. Vocês devem se lembrar que, neste seminário, Lacan está trabalhando as figuras lingüísticas, a metáfora e a metonímia e, em determinado momento, trabalha o que ele chama de ponto de basta.  

 

 

 

Se na intenção de significação, os significantes metonimicamente se põem em relação um com o outro, ao chegar ao ponto de basta, se produz um efeito de retroação significante que, por sua vez, produz o efeito de significação.  

 

Ao se interessar pelo significante “ser pai”, ele indica que não se trata de algo biológico, chegando a dizer que ser pai é um significante. Diz então que o pai dá justamente a via principal no caso da neurose. A via principal é aquela que une, por exemplo, a Av. N. Sra. de Copacabana ao Túnel Novo. Pensem, se não houvesse a Av. N. Sra. de Copacabana seria muito difícil chegar ao Centro. A via principal é aquela que permite que, seguindo os automóveis, consigamos atingir um determinado ponto. Lacan vai dizer que na neurose há essa via principal, enquanto que, na psicose, ela não existe. Nela falta o Nome-do-Pai, esta via principal e, então, as alucinações funcionam como pequenas placas no caminho que permitem ao sujeito orientar-se. Isso já nos mostra que o Nome-do-Pai dá uma orientação à existência. Inclusive na fobia, na qual, apesar de não haver a foraclusão do Nome-do-Pai como na psicose, há uma falta do pai, falta que a fobia vem suprir. Lacan usa aqui a mesma metáfora, dizendo que o objeto fóbico funciona como pequenas placas que indicam o caminho, para que o sujeito saiba como se orientar, sem angustiar-se. Vejam que há uma certa equivalência entre o que Lacan propõe, no Seminário 3, em relação às psicoses, e o que ele diz, no Seminário 4: A relação de objeto, em relação à fobia. Os objetos fobígenos permitem ao sujeito orientar-se, sem ter um ataque de angústia. Porque quando o sujeito tem medo, ele não está angustiado: esta é a função do objeto fobígeno.  

 

Então o pai como significante, como pai simbólico, é distinto do pai imaginário. Esta é a pergunta que me foi feita ontem. Aqui eles ficam claramente diferenciados. No final do Seminário 3, destaquei este trecho em que Lacan, referindo-se ao pai portador do falo e ao triângulo formado pela mãe, o falo e a criança, pergunta: “onde estará o pai?” E responde: “ele está no anel que faz manter-se tudo junto”[6]. Isto é uma antecipação do que Lacan proporá, no Seminário 23: O sinthoma, acerca do Pai como quarto nó. É uma antecipação, mas proposta em outros termos. Ou seja, se no Seminário 4, ele dizia que entre a mãe e a criança está o falo, ele vai acrescentar um quarto elemento, que é o pai. Isso vai dar origem ao Esquema R.  

 

 

                    

Eu dizia que Lacan se perguntava: onde está o pai neste triângulo mãe-criança-falo? Ele diz que o pai, como quarto elemento, está no “anel que faz manter-se tudo junto”. Vejam que ele usa aqui um termo topológico (anel, elo), e não o termo quadrângulo, por ele utilizado no Seminário 5: As formações do inconsciente[7], para falar do Esquema R.  


 

Assim, embora ele não utilize aqui os três registros: Imaginário, Simbólico e Real usados no Seminário 23: O sinthoma (1976), isto já aparece, de certa forma, em 1956. É uma intuição que Lacan tem vinte anos antes do Seminário 23, intuição à qual dará futuramente outra apresentação. Trata-se de um detalhe, mas que me pareceu interessante. Já podemos situar aqui o significante do Nome-do-Pai no ponto de basta, e isso produz, por retroação significante, a significação fálica. No sujeito psicótico, em que está foracluído o Nome-do-Pai, não há significação fálica.  

 

O que se passa com um sujeito psicótico, mas que não teve um desencadeamento? Lacan traz o exemplo clínico de um paciente que, em certo momento, recebe a notícia de que será pai. Neste momento, ele começa a delirar. Porquê? Por não contar com o significante do Nome-do-Pai, ao ser convocado a dar uma resposta a partir de um lugar simbólico, ele só pode dar uma resposta delirante. Este exemplo mostra claramente o ponto de desencadeamento da psicose. Mas o desencadeamento não se dá apenas frente ao anúncio da paternidade. Falando do desencadeamento da psicose, Lacan diz: quando um sujeito está em relação dual com outro e aparece um terceiro termo, que ocupa o lugar de um pai, se o sujeito não dispõe do significante do Nome-do-Pai, se produz o desencadeamento da psicose.

                                                     

 

Ele dá uma série de exemplos:  

 

 

1.    A mulher que vai se confessar com um padre. Certa vez, atendi uma mulher que, enquanto falava sozinha com seu Deus, mantinha com ele uma relação imaginária (a-a’). Até este momento não ocorrera o desencadeamento da psicose. Porém, no momento em que se dirige a um padre para confessar-se, como ela não tem o recurso do significante do Nome-do-Pai, a sua psicose é desencadeada.                                                 

 

 

2.    O momento em que uma mulher dá à luz (o que se chama psicose puerperal). Como explicava certa vez Éric Laurent, a mãe e seu bebê estão numa relação dual, a-a’. Mas quando o médico – vejam que aqui não se trata do pai da criança – se aproxima em posição terceira, para mostrar a criança à sua mãe, quando ele aparece em posição simbólica, que se opõe a esta relação dual, isso basta para desencadear a psicose.                                                  

 

 

3.    Um paciente meu vai pedir a mão de sua noiva ao pai da moça. Ao se dirigir ao pai, um pai em posição simbólica que se opõe à relação dual que ele mantém com sua noiva, se dá o desencadeamento da psicose.

                                                        

 

O interessante nestes exemplos é que eles mostram que não é necessariamente o próprio pai e que, mesmo sem falar da pluralização dos Nomes-do-Pai, a clínica da psicose mostra que há múltiplas versões do que se apresenta para um sujeito como pai. Ou seja, há inúmeras versões do pai que funcionam para um sujeito como Nome-do-Pai. A clínica da psicose mostra claramente que nem todos os sujeitos desencadeiam sua psicose no mesmo ponto. Assim, é preciso verificar, em cada caso, o que funciona, para cada sujeito, como um pai em posição simbólica, capaz de produzir o desencadeamento da psicose.  

Na “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”[8]– vocês sabem que Lacan escreveu este texto depois de terminar seu Seminário 3: As psicoses – ele vai avançar um pouco em relação à sua apresentação da paternidade, falando da função significante que condiciona a paternidade.  

 

Ele menciona ainda que a atribuição da procriação pode ser um fato puramente simbólico. Por exemplo, em algumas tribos há a idéia de quando uma mulher grávida passa ao lado de uma pedra, ela vai conceber um bebê que será da linhagem x. Suponham que existem várias linhagens: do Leão, do Tigre. Ou seja, quem é o pai, a que linhagem esta criança pertence? Neste caso, a idéia seria que, ao passar ao lado de uma pedra, o pai deste bebê seria, por exemplo, o Leão. Tudo isso que Lacan aponta é para distinguir o pai biológico da paternidade simbólica. Isso traz como conseqüência a idéia de que o que funciona como pai é definido caso a caso. Embora não esteja dito com estas palavras, a paternidade simbólica envolve um registro que não depende apenas do pai imaginário, edípico. Mas, de qualquer forma, o pai enquanto pai simbólico continua sendo considerado como equivalente ao pai morto.  

 

Eu dizia que, no Seminário 5: As formações do inconsciente, Lacan começa a trabalhar a metáfora paterna. Prestem atenção na seqüência:  

 

1)    No Seminário 3: As psicoses, Lacan fala de metáfora e de metonímia.  

 

2)    No Seminário 4: A relação de objeto, vai buscar uma metáfora paterna para o Pequeno Hans, a metáfora da construção de sua fobia.  

 

3)  No Seminário 5: As formações do inconsciente, ele vai juntar metáfora e pai, falando da metáfora paterna, assim como do que ele chama deTrês tempos do Édipo”. É nesse ponto em que se produz a simbolização e a formalização do Édipo freudiano. Até aqui, Lacan é freudiano. Vocês percebem que é uma maneira particular de dar um tratamento ao Édipo freudiano.
 

No Seminário 5, Lacan diz que o Nome-do-Pai é “o Outro no Outro” [9]. Ou seja, dentro do conjunto de todos os significantes (conjunto no qual não falta nenhum significante), há um significante eletivo que é o Nome-do-Pai. Ele é o princípio de ordenação interna do conjunto. O Nome-do-Pai é um significante no Outro.  

 

 

Na página 570, da tradução espanhola, Lacan diz: “O Nome-do-Pai é preciso tê-lo, mas também é preciso saber servir-se dele”[10]. Vejam que Lacan retomará essa frase no Seminário 23: O sinthoma, quando diz: “Ir além do pai, com a condição de saber servir-se dele”[11]. Aqui Lacan diz exatamente a mesma coisa, sem dizer, no entanto que é preciso ir além do pai. No Seminário 5, ele extrai o Nome-do-Pai do contexto simbólico. Quando ele diz que o Nome-do-Pai é preciso tê-lo, mas também é preciso saber servir-se dele, ele está falando do Nome-do-Pai como um significante no Outro. Quando Lacan volta a dizer, no Seminário 23, que é preciso ir além dele com a condição de servir-se dele, estamos em outro contexto discursivo, e esta frase não terá a mesma ressonância.


O que permanece é a idéia de que, na neurose, o Nome-do-Pai é um princípio de organização fundante. Isso não irá se modificar no final do ensino de Lacan. No final, ele irá simplesmente generalizar a foraclusão. Na teorização do Seminário 5, a foraclusão é do Nome-do-Pai como indicadora da psicose; ao contrário, no final do ensino de Lacan, ele falará de foraclusão generalizada. O conjunto A não é completo, pois há um significante que sempre falta. Mas, de qualquer forma, se a foraclusão no sentido restrito recai sobre o Nome-do-Pai, temos a psicose. Portanto, a hipótese causal não se modifica, incluindo-se, porém, num esquema conceitual mais amplo.

 

O que é então o Nome-do-Pai? Há meia hora falo do Nome-do-Pai e novamente pergunto: o que é o Nome-do-Pai? O Nome-do-Pai tem duas vertentes:  

 

1.      A vertente relativa à formalização do Édipo.  

 

2.     A vertente relativa à nomeação, já que se trata de um nome – o Nome-do-Pai.

Lacan se interroga então sobre essas duas vertentes, a vertente do Édipo e a da nomeação. O que é este nome particular, o Nome-do-Pai? Que estatuto dar a ele?  

 

 

O Nome-do-Pai na vertente relativa ao Édipo

 

Comecemos a examinar a metáfora paterna. Lacan começa a desenvolvê-la no Seminário 5, mas só a escreve em “De uma questão preliminar.à todo tratamento possível da psicose”. A única escrita que existe da metáfora paterna está neste escrito:  

 

 

O Nome-do-Pai, ao ser inscrito, barra do Desejo da Mãe, dando a esse x desconhecido uma significação, por meio do quê o Nome-do-Pai inscreve o falo no Outro. Vejamos a significação de cada termo:  

NP = significante do Nome-do-Pai.

DM = Desejo da Mãe.

x = significação desconhecida para o sujeito

A = Outro

F = Falo  

 

O que é DM? O Desejo da Mãe. Ora, o DM não é um desejo, porque Lacan no Seminário 5 escreve desejo com d minúsculo. Ao contrário, este DM é escrito com D maiúscula. Isso indica que o Desejo da Mãe traduz, na verdade, uma vontade sem lei. É puro capricho. Estamos no primeiro tempo do Édipo, no qual o sujeito fica à mercê dos caprichos do Outro materno, que responde segundo a sua vontade. Este x é a significação desconhecida para o sujeito.  

 

Já me perguntaram se DM é uma função. Ora, Lacan fala de função paterna, mas nunca de função materna. Na verdade, nesta nossa época onde o “Outro não existe”, não é garantido que este x seja o desejo da mãe. Em muitos casais, o homem se ocupa dos filhos, enquanto a mulher vai trabalhar, e com isso, muitas vezes, os cuidados maternos são efetuados pelos homens, e não necessariamente pelas mulheres. Ou seja, a distribuição sexuada: homem/mulher, já não estabelece mais, de acordo com os ideais, uma distribuição: pai/mãe. Não necessariamente. É preciso verificar isso em cada caso.

 

Vocês conhecem a couvade? É uma experiência da antropologia descrita por Lévi-Strauss e por Lacan. No momento em que a mulher está para dar à luz, o homem se deita numa rede, faz todos os movimentos como se ele fosse dar à luz e fica descansando depois deste pretenso parto. Hoje, isto já não espanta mais ninguém. Há alguns anos, atendi um homem na Inglaterra, que me dizia: acabo de começar minha licença de paternidade. Sua mulher havia tido um filho e isso implicava tal esforço para ela, que ele acaba pedindo sua licença de paternidade. Bom, isso é um progresso social no sentido de que o pai também possa se ocupar do filho, contudo, a maneira que esse sujeito apresentou isso ressoava de algum modo com uma couvade, ou seja, parecia que ele tinha tido um parto e estava de resguardo. Penso que, de qualquer forma, a maternagem tem também algo de função.

 

Quando Lacan escreve DM, podemos dizer que, num primeiro tempo, a mãe está sozinha com a criança. Bem entendido, isso jamais é completo, pois a mãe tem um pai; toda mulher que faz as vezes de mãe, tem um pai – ou seja, ela pode ou não transmitir o simbólico em que esta criança se inclui, isto é, ela pode ou não introduzir essa simbolização primordial, pode ter ou não uma posição frente à falta que vai possibilitar a transmissão da castração.  

 

Mas o que marca esta metáfora é que não existe uma relação direta entre o pai, seu significante, e a criança. A relação entre o pai e a criança é mediada pela mãe. Primeiramente então, temos a relação da mãe com a criança. A transmissão da castração será mediada pela mãe. Por isso Lacan vai valorizar, em “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”, o lugar que a mulher outorga à palavra do pai. Não se trata necessariamente do marido da mãe – o pai simbólico é o que impõe esse significante do Nome-do-Pai. Então Lacan valoriza o lugar que a mulher vai dar ao homem como portador dessa palavra.  

 

Quando o Nome-do-Pai se inscreve, sua inscrição produz um limite a essa vontade sem lei. Assim, numa simplificação, Miller propôs uma primeira metáfora paterna: Pai/Mãe, na medida em que o pai impõe um limite à mãe. Na verdade, há distintas variações: isso pode ocorrer ou não. Em caso positivo – ou seja, quando a inscrição do Nome-do-pai impõe um limite ao Desejo da Mãe – temos a neurose na criança. A inscrição do Nome-do-Pai faz com que a criança entre na neurose. Aqui é preciso enfatizar que tudo isso é o sujeito, a subjetividade.  

 

Em 1969, num artigo chamado “Notas sobre a criança”,[12] Lacan diz que o sintoma da criança é o sintoma do casal parental. Não é o sintoma da mãe, como diria Maud Mannoni, em “A criança retardada e a mãe”[13]: ela diz ali que se trata de um único discurso. Façam falar a mãe e se vê qual é o sintoma da criança, diz ela. Para Mannoni, a criança é o sintoma da mãe.

 

Lacan não concorda com isso. Ele diz que o sintoma da criança é o sintoma do casal parental. Porquê? Porque para além de serem pai e mãe, há um casal: um homem e uma mulher, ou seja, há um encontro sexual entre dois sujeitos, e se trata de que lugar é dado, nesta relação, ao tratamento da falta. Então, poderíamos traduzir o que diz Lacan sobre a importância do lugar que a mãe dá, ou não, à palavra do pai como: há ou não, a inscrição do Nome-do-Pai. E, por outro lado, Lacan diz, no Seminário XXII: RSI, que “um pai só merece o amor e o respeito” – isto é, ele só é de fato pai, “se faz de uma mulher o objeto a, que causa o seu desejo”[14].  

 

O que significa isso? Ora, se um objeto é causa do desejo, este objeto nos falta. Há muitas maneiras de entender isso. Nesse contexto, vamos explicar isso desse modo: é o ponto no qual um homem pode escrever uma mulher como sua falta. Isso implica que ele está castrado. No lado da mulher, o central é se ela pode ou não inscrever o Nome-do-Pai. Se ela pode inscrevê-lo, isso implica que ela está castrada. Portanto, os dois sujeitos têm que estar castrados para que o filho possa funcionar como sintoma do casal parental.  

 

Volto a explicar isso com outras palavras. Trata-se de que haja, ou não haja, a inscrição do Nome-do-Pai como aquilo que barra o Desejo da Mãe. Isso implica uma substituição. O próprio sintoma é uma substituição de um significante por outro. Esta barra sempre é a mesma barra – ela implica que há repressão, para dizê-lo em termos freudianos, implica a inscrição de uma falta.  

 

Se esta falta se inscreve, a criança é neurótica, é capaz de ter sintomas. Mas se o Nome-de-Pai não se inscreve e o DM não é barrado, se este Outro do capricho não é barrado, a criança irá se incluir na estrutura da psicose. Lacan diz, no texto citado acima, que a criança fica capturada na estrutura fantasmática da mãe. Ela se torna um objeto da fantasia materna, a criança se torna um objeto condensador de gozo[15]. Ou seja, é um objeto que não está simbolizado, que não entrou nas equações simbólicas por uma falha na simbolização. Esta falha, do lado da mãe, é subjetivada pela criança como foraclusão do Nome-do-Pai. Não houve uma transmissão do Nome-do-Pai. Ele não foi inscrito. Então, se a metáfora paterna funciona, temos a neurose. E se não se inscreve o Nome-do-Pai, temos a psicose.  

 

A primeira metáfora proposta por Lacan é então, segundo Miller, esta substituição simples: Pai/Mãe ou NP/DM. Em “A natureza dos semblantes”[16], Miller retoma este tema, dizendo que o Nome-do-Pai já metaforiza a presença do pai. O NP é uma metáfora da presença do pai. Ao falarmos do NP, a presença real do pai desaparece. Por isso, o Nome-do-Pai já é uma metáfora da presença do pai. Miller escreve o NP como uma função matemática: NP(x). Há uma função, a do Nome-do-Pai, e uma variável (x). Ele diz que é uma função que pode ser sustentada por diversos enunciados que desempenham o papel do dito nome. O que isso significa? Que x é a variável que se interroga em cada caso: o que funcionou para este sujeito como pai? O que nele se inscreveu como Nome-do-Pai?  

 

 

Ora, se o NP é uma função universal, o x indica que, para que esse universal exista como tal, necessitamos o particular. Ou seja, precisamos ver em cada caso como ela se escreveu. Não basta então o universal do Nome-do-Pai. Não se trata do Nome-do-Pai da religião: Deus ama a todos igualmente. Em psicanálise, para que se verifique a função do Nome-do-Pai, precisamos que o particular a inscreva. Quando Lacan fala sobre isso no Seminário 9: A identificação, diz que “todos são pais, mas apenas alguns inscrevem a função do Nome-do-Pai”[17]. Trata-se de um particular que não se aplica a todos os casos. É preciso ver, em cada caso, como se inscreve esta função, como ela é encarnada para cada sujeito.

 

Miller diz que este x é uma referência vazia, porque não está dito de antemão; é preciso comprovar, em cada caso, como o NP foi inscrito.  

 

Há uma segunda parte da metáfora paterna: NP (Falo/Outro), que podemos ler assim: se o Nome-do-Pai se inscreve, disso resultará, por retroação significante, a significação fálica. Nesta segunda parte, o que faz o NP? Faz com que, no Outro (no conjunto de todos os significantes), se inscreva o falo como significante. A inscrição do falo já implica uma perda de gozo: no lugar do gozo auto-erótico, surge o falo como significante do desejo. Já não se trata do órgão, mas do falo, que mostra o que é desejável.

 

Em “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” há uma certa ambigüidade acerca do conceito de falo. No Seminário 4, Lacan se refere ao falo imaginário, metonímico. No Seminário 5, ele começa falando de um falo imaginário, metonímico: Hans como objeto fálico da mãe, que se move ao lado dela. Mas no final deste seminário, Lacan propõe que o falo é o significante do desejo (F). Este Seminário tem esta particularidade: Lacan começa falando de uma coisa e termina falando de outra: o falo é inicialmente o falo imaginário (-φ) e, no final, trata-se do falo simbólico, o falo como significante do desejo (F). No (-φ), o menos corresponde à barra, ou seja, inscreve a castração imaginária. A castração sempre é imaginária. A falta é subjetivada como uma castração. Já na “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”, Lacan, ao escrever a metáfora paterna, fala do falo simbólico, mas também da significação fálica, e pensem que a castração sempre é imaginária. Miller assinala assim, em “A natureza dos semblantes”, que existe uma certa ambigüidade acerca do conceito de falo na “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”. Ambigüidade que é superada pelo próprio Lacan no final do Seminário 5, quando ele diz que o falo é o significante do desejo.  

 

Sabem aonde se inscreve, no grafo do desejo, o falo como significante do desejo? Justamente na barra do significante da falta no Outro – S(). Lacan situa aí, o falo como significante do desejo. Vocês se dão conta que estamos sempre em uma operação simbólica.

 

Porquê? Porque predomina em Lacan nesta época o paradigma da primazia do simbólico. Portanto, todos os termos são entendidos sob este paradigma. Podemos dizer então, com Miller, que há duas versões da metáfora paterna:

1.  A primeira versão é a que encontramos em “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”, que comporta estes dois tempos da metáfora: o primeiro é a inscrição do Nome-do-Pai que limita o DM, e o segundo implica a inscrição do falo no Outro. Trata-se da versão da metáfora paterna com o Édipo. É uma formalização do Édipo.  

2.     A segunda versão da metáfora paterna é sem Édipo, está para além do Édipo. É a maneira pela qual pode ser inscrita a perda de gozo no Seminário 17: O avesso da psicanálise. Lacan diz que a inscrição do sujeito no Outro (no simbólico), produz uma perda de gozo, que podemos escrever: A/J barrado (as letras se referem às palavras Autre, Outro, e Jouissance, Gozo em francês).  

O que isto significa? Significa que não é mais um pai que proíbe que provoca uma perda de gozo. Não se trata do pai edípico que proíbe à mãe de reintegrar o seu produto. Não se trata do pai proibidor. Vocês se lembram que, no Édipo, há três tempos: no primeiro tempo, o pai funciona como um simbólico generalizado; no segundo tempo, aparece a parte negativa do pai. Trata-se de um pai proibidor: ele proíbe a mãe de reintegrar seu produto, e proíbe a criança de ter acesso à mãe. Já o terceiro tempo é o tempo positivo do pai: aparece o pai doador, aquele que dá ao menino as identificações que marcam a potência, a chave da identificação masculina. Trata-se do pai doador do terceiro tempo do Édipo. Mas de qualquer forma, estamos aqui dentro da lógica edípica, em que há uma proibição de gozo. Proíbe-se o acesso da criança à mãe, o que implica uma perda de gozo. Como esta perda de gozo é recuperada? Sob a forma de uma simbolização do falo. Esse gozo perdido se inscreve como falo. Por isso, Freud pode dizer falo/castração, em “A organização genital infantil”[18]. O falo é o símbolo que inscreve o gozo perdido, que inscreve a falta. Mas isto sob a versão de um pai que proíbe.

 

Porém, no Seminário 17, Lacan vai além do pai que proíbe. A perda de gozo não advém de um pai que proíbe, mas é produzida pela inclusão do sujeito na linguagem. A perda de gozo não é por causa da castração do pai, mas por causa da inclusão do sujeito na linguagem. Lacan pode operar então um para além do Édipo, situando o pai em outro lugar. Já não se trata do pai morto: o pai se torna um operador estrutural, real, o agente da castração, diz Lacan. Porquê? Por possibilitar esta inclusão na linguagem. No Seminário 17, Lacan fala de uma entropia de gozo. O sujeito se inclui no Outro e há uma perda automática de gozo.  

O problema é o seguinte: só há perda então? Não. Lacan diz que gozo é recuperado sob as formas do objeto a, nomeado neste seminário como objeto mais-de-gozar. Porquê? Porque o gozo, que é perdido automaticamente pela entrada no funcionamento da linguagem, nessa entropia de gozo, o gozo não é perdido totalmente; ele é recuperado através do objeto mais-de-gozar. O mais-de-gozar é o mesmo objeto do qual falamos antes, este que, desde o Seminário 11, Lacan chama de objeto a, causa de desejo. Na verdade, este objeto aparece, em diferentes momentos do ensino de Lacan, de várias maneiras:  

§ Se tomarmos o momento do paradigma imaginário, ele é o a-a’ do Esquema L, o a-a´da relação com o espelho. Em i(a), a imagem especular, já temos o objeto a. A primeira apresentação de Lacan do objeto a é a do Estádio do Espelho. Trata-se de um objeto imaginário.  

 

§ Na segunda apresentação, a do Seminário 5, este objeto a é recortado pelo simbólico. Porquê? Porque tudo o que é imaginário tornou-se simbólico.  

§ A terceira apresentação é o objeto a como causa de desejo. No Seminário 5, ele é objeto de desejo. Objeto de desejo significa o objeto almejado pelo meu desejo. Uma vez que ele é alcançado, podemos dizer que o desejo desaparece. Lacan inverte esta idéia no Seminário 10: A angústia [19], dizendo que o objeto é causa de desejo. Diz que nenhum objeto pode satisfazer o desejo: o objeto a não está na frente, mas detrás, causando, empurrando o desejo. Não é um objeto que pode ser alcançado. Nos Seminários X e XI, Lacan diz que os objeto a, causa de desejo, são: os objetos oral, anal – os objetos freudianos –, o objeto nada (o objeto da anorexia), o olhar e voz. Isso se mantém.  

§  No entanto, quando Lacan fala, no Seminário 17, da entropia do gozo e do objeto mais-de-gozar, este objeto pode ser qualquer coisa. Por exemplo: algum de vocês adora passar o dia no computador? O computador pode ser um objeto mais-de-gozar, o que está se tornando freqüente entre os adolescentes. Li, outro dia no jornal, que um rapaz, que passava seus dias, grudado no computador, foi levado a um centro de drogadição. Isso foi levado a sério, realmente como uma drogadição, e o rapaz foi tratado pelo princípio de abstinência à droga: foi proibido de usar o computador, e ia ao Centro de reuniões, para se encontrar com os outros drogaditos. Isso me pareceu surpreendente, mas é um fato. Isso mostra claramente que o computador pode ser um objeto de gozo. Um sujeito pode gozar de um computador, tal como pode gozar de uma droga, assim como da relação com um parceiro. É preciso entender que o conceito de gozo não implica somente satisfação, mas que também inclui a pulsão de morte. Então, nunca é para o melhor.  

 

Quando Lacan critica o mandamento cristão do amor ao próximo, ele diz que Freud já o havia criticado, pois isso conduz ao pior. Ora, diz ele, o sujeito não gosta nem de si mesmo – isso reflete apenas o seu narcisismo – e em relação aos outros, a única coisa que ele faz é transformá-los em seus objetos de gozo: ele o mata, telefona para o outro para dizer que não virá, ou seja, faz todas as pantomimas da vida amorosa que podem levar ao pior. Portanto, não se trata do amor ao próximo. Trata-se de outra coisa: de gozar do outro.  

 

Então, dei essa volta toda para tentar explicar que esta parte: A/J barrado seria outra maneira de escrever a metáfora paterna sem pai. Seria o que resulta da metáfora paterna vista do para além do pai. Ou seja, explicar como pode ser produzida esta inscrição sem a mediação do pai, pela simples inclusão do sujeito na linguagem. Miller diz, a respeito de NP/DM, que este gozo, que estava do lado da mãe, é limitado pelo pai. Mas há uma particularidade, no texto “Totem e tabu”[20] de Freud. Em “Totem e tabu”, aparece o pai da horda primitiva, esse orangotango que goza de todas as mulheres (não das mães) e, assim, seus filhos ficam privados das mulheres. No Seminário 23: O sinthoma, Lacan diz que é justamente por estarem privados das mulheres que os filhos amam o pai. Esta é a base do amor ao pai. Então, os filhos se revoltam e matam o pai para poder aceder às mulheres. No momento em que acedem a elas, eles sentem o peso da culpa. Ou seja, se antes havia ambivalência, amor e ódio ao pai, e se o ódio os leva a assassinar o pai para aceder às mulheres, o que acontece após sua morte é que o amor ao pai retorna trazendo culpa, gerando uma obediência retroativa ao pai, ao mandato do pai. Isto leva Lacan a dizer, no Seminário 7: A ética da psicanálise[21], que o assassinato foi em vão, já que o único resultado foi reforçar a proibição.

 

Prestem atenção: este pai de “Totem e tabu” é um pai bem vivo. Trata-se de um pai que goza de todas as mulheres, em total oposição ao pai morto (pai simbólico). Podemos dizer que temos uma dupla vertente do pai: uma vertente de pai morto, que é o pai simbólico esvaziado de libido, e esta vertente do pai de “Totem e tabu”: o pai vivo que goza que todas as mulheres, a faceta de gozo do pai. Temos, então, o pai morto (pai simbólico) e o pai do gozo. Miller diz que este gozo que estava do lado da mãe é deslocado para o pai em “Totem e tabu”. Isso é muito mais verdadeiro, pois o pai não é apenas a figura de um pai morto, já que esta função tem que estar encarnada por um ser vivo. De que maneira? Em “Nota sobre a criança, Lacan diz que não se trata apenas de que o pai transmita uma lei, de que seja uma versão do pai como morto, esvaziado de vida, que apenas transmite a lei. Ali, ele enfatiza que o importante é que o pai possa unir a lei ao desejo[22]. Não se trata de uma lei universal desumana, mas sim de como um ser vivo pode enlaçar essa lei universal, essa lei simbólica, a um desejo. É esse desejo encarnado que faz com que um homem possa tomar uma mulher como objeto causa de seu desejo. O NP não deve ser apenas uma lei simbólica; é preciso que ela esteja encarnada por alguém que possa uni-la ao desejo, e fazer de uma mulher a causa de seu desejo.  

 

Elisa Monteiro: Aqui se fala de um pai, e não do pai.  

 

Silvia Tendlarz: Sim, de um pai, de um pai singular. Para que esta função universal se cumpra, é preciso um ser existente que possa inscrevê-la. É preciso então um ser vivo. Daí eu ter enfatizado a oposição morto/vivo.  

 

Isso não significa que um filho de uma mulher viúva, por exemplo, não tenha NP. Ora, o NP pode ter sido inscrito nesta mãe. O NP não é um lugar vazio. Quando falamos de referente vazio é para marcar que é preciso alguém que venha a encarná-lo, que venha enchê-lo de vida. Sem isso, trata-se apenas de um funcionamento simbólico, automático da linguagem, que é o que Lacan propõe no Seminário 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise[23]. Não é isto o que ele propõe no Seminário 17. Neste Seminário, já não se trata de cadeias simbólicas que funcionam sozinhas, mas de cadeias simbólicas que funcionam e produzem gozo, introduzem uma entropia de gozo. Em “Televisão”, Lacan chega a dizer que essas cadeias são metonímias significantes, mas se trata de metonímias de gozo[24]. Então, isso está encarnado. Não se trata de um puro funcionamento simbólico.  

 

Estou insistindo muito nisso, pois daí decorrem sérias conseqüências clínicas. Muitas vezes se banaliza o que é um pai. Isso é muito comum na clínica com crianças – por exemplo, é preciso fazer com que o pai venha e faça papel de pai, etc. Ora, não se trata simplesmente que o pai venha e de dizer-lhe: você tem que fazer isso ou aquilo. Na verdade, trata-se de outra coisa: é preciso que se tente inventar um pai. A presença do pai às vezes ajuda, mas se trata de um pai imaginário, e não da função simbólica. É preciso introduzir a lei neste sujeito, mas atenção: introduzir a lei apenas é o que faz o pai de Schreber, que era um psicótico. Trata-se então de uma lei humanizada, que nunca é uma lei sozinha, como um funcionamento estrito. Vejam que esta lei, no caso de Schreber, resulta numa psicose, tal como o pai de Otto Gross, um grande criminalista, resulta noutra psicose, porque é uma lei que vale para todos, universal, mas que é desumana, não foi inscrita numa singularidade.  

 

Sra X: Gostaria que você falasse um pouco mais sobre como pensar essa mudança do gozo do lado da mãe para o lado do pai.  

 

Silvia Tendlarz: Na verdade a mãe é limitada neste gozo, nesta vontade sem lei. A mãe fica atravessada por uma lei. Na leitura particular de Miller de “Totem e tabu”, o pai não aparece como alguém morto mas como vivo. Como acentua Miller, trata-se do pai não apenas como metaforizador, aquele que introduz a metáfora paterna, mas de um pai que é metaforizado. Ou seja, a metáfora atua sobre ele próprio: o NP metaforiza a presença do pai. Temos então esta vertente do pai metaforizador e a do pai metaforizado.  

 

 

O Nome-do-Pai na vertente relativa à nomeação  

 

O que é o nome, por exemplo, o nome próprio? O tema do nome próprio é trabalhado por Lacan a partir de duas vertentes:  

 

1. No Seminário 9: A identificação, Lacan trabalha este tema a partir da lingüística. Não vamos trabalhar isso hoje.

 

2.   Mais adiante, ele o trabalhará a partir da lógica matemática – o que trabalharemos minimamente hoje.

 

 

Em 1972, Lacan toma Kripke como referência. Segundo Kripke, o nome próprio não é a abreviação de uma lista de propriedades; ele é um designador rígido. Por exemplo, se Moisés não houvesse sido egípcio, se não tivesse atravessado o deserto, ele teria deixado de se chamar Moisés? Ora, é claro que não. Kripke diz então que o nome próprio não é a abreviação de um conjunto de propriedades; mas um designador rígido. Ou seja, ele se chamava Moisés na Antiguidade, quer fosse um camponês ou qualquer outra coisa. Seja qual for a sua história, ele se chamava Moisés. O nome próprio é de tal ordem um designador rígido, a ponto de funcionar sem as pessoas. Assim, como no caso de Moisés, Lacan, por exemplo, está aqui agora; não é preciso que ele esteja vivo. As pessoas morrem, mas seus nomes continuam existindo. O nome próprio antecede a existência de um sujeito, acompanha-no em sua vida, e perdura após sua morte, mas não é a abreviação do conjunto dos atos desse sujeito, é um designador rígido: não depende da referência, nem de significações. Ele permanece igual a si mesmo. 

Nos Escritos, p. 799 da versão espanhola, Lacan diz que o nome próprio é um significante que não significa nada, cuja significação não é senão seu próprio enunciado[25]. O que significa meu próprio nome, Sílvia Tendlarz? Para mim significa muito, para minha mãe e meus amigos certamente significa algo. Para vocês, significa a pessoa que está dando esta aula. Mas nenhuma dessas experiências é o nome próprio. Lacan diz que ele só vale por seu enunciado; não tem nenhuma significação. É um significante fora de significação. Lacan diz que “o sujeito só designa seu ser ao barrar tudo aquilo o que ele significa”[26]. Ele enfatiza que o nome próprio é o vazio de significação. É neste lugar que se inscreve o nome próprio. É apenas sua própria enunciação; não significa nada.
Esse significante fora de qualquer significação, designa o ser do sujeito. Vejam a solução neurótica: se perguntarmos quem é Juan Perez, ele responde: Eu. Mas o eu não é o sujeito. A solução neurótica é pôr o eu no lugar do sujeito. O nome próprio designa o ser do sujeito, mas a solução neurótica é sempre colocar o eu no lugar do sujeito. Por isso Lacan pode dizer, em “Subversão do sujeito e dialética do desejo”, que “o neurótico é, no fundo, um Sem-Nome”[27]. Porquê? Porque ao responder “eu”, ele dá uma resposta imaginária com a qual barra, de alguma maneira, seu ser de sujeito que, em última instância, é seu ser de gozo. Cada sujeito tem um ser de gozo. No final de uma análise, cada sujeito pode nomear seu ser de gozo. Por exemplo: o Homem dos ratos nomeia o ser de gozo daquele paciente de Freud. O Pequeno Hans poderia ser chamado de “o menino dos cavalos”. Temos um objeto superegóico que designa o seu ser de gozo. Ora, cada um de nós tem, em última instância, um objeto: o olhar, a voz, mas que se encarna em uma figura imaginária, para nomear seu ser de gozo. 
Vicente Palomera, em seu testemunho de passe, fala de um peixe ou algo assim. Numa lembrança infantil, ele descobre o nome de um peixe enquanto folheia um livro com sua irmã. É esta figura que se repete em sua vida, como imagem superegóica. Lacan diz que o neurótico é um Sem-Nome porque ele dá uma resposta egóica, encobrindo assim seu ser de gozo, do qual ele nada sabe. 

Sr. X: Eu gostaria que você falasse um pouco porque, ao se encontrar o ser de gozo, não se está na lógica da castração mas, sim, na travessia da fantasia.  

Silvia T: São duas concepções distintas. Em “Análise terminável e interminável" [28], Freud diz que o final de análise é o rochedo da castração. Isso deixa as mulheres penando. No caso das mulheres, o rochedo implica o Penisneid, a inveja do pênis. Freud fala do efeito depressivo que pode aparecer nas mulheres após o término de uma análise. Porquê? Pela nostalgia em relação ao falo desejado e, no caso do homem, por causa da castração. Mas esta concepção de final de análise está articulada ao Édipo, à castração, ao pai. O final de análise como rochedo da castração remete a um pai ideal que castra. Nesta concepção, o sujeito finalmente se confronta com isso. Lacan proporá um para além do rochedo da castração, ao propor um para além do Édipo. Com o rochedo da castração, não há um encontro com o ser de gozo. No final de análise freudiano o sujeito se confronta com a falta, confrontação que, no entanto, deixa o pai em seu lugar, como pai ideal. Ou seja, não toca no pai. Freud propõe o final de análise com o rochedo da castração sem ter deixado cair a figura do pai ideal.

O atravessamento da fantasia é uma das concepções de Lacan do final de análise. Não é a única. Nesta concepção, contemporânea ao Seminário XI e também à “Proposição de 9 de outubro de 1967 [29] (estamos entre 1964 e 1967), o atravessamento da fantasia – $àa, que podemos ler: sujeito" como desejo de a – implica que o sujeito se veja como objeto a. Ou seja, o sujeito atravessa a construção simbólica que a fantasia implica e muda sua posição subjetiva frente a seu objeto de gozo. Atravessar a fantasia é um momento de passe, no interior de uma análise. É um momento de passe porque o sujeito se situa diferentemente em sua cena fantasmática, posiciona-se de modo diferente em relação ao seu objeto de gozo. Algo cai. Há atravessamento da fantasia em distintos momentos da análise, mas o final de análise sobrevém quando isso vem acompanhado da inscrição da falta do Outro. Ou seja, Lacan vai modificar esta concepção porque nem todos os sujeitos terminam sua análise atravessando a fantasia. Pode existir um atravessamento da fantasia, uma desconstrução da fantasia, mas há um resto que não cede. Por isso Lacan vai propor, mais tarde, o final de análise como identificação ao sintoma.

Então, para responder à sua pergunta, eu diria que a idéia do final de análise como rochedo da castração tem a ver com um pai ideal, enquanto o atravessamento da fantasia é contemporâneo à idéia de uma falta no Outro. A teorização do gozo é feita por Lacan, e não por Freud. Em Freud, trata-se, sobretudo, de uma renúncia pulsional, mas em Lacan funciona de modo diferente, porque há sempre um resto, que não pode ser eliminado. Não sei se isso responde a sua pergunta.

 

Sr. X: Eu gostaria que você articulasse o ser de gozo como nomeação que o sujeito dá ao encontro com a falta do Outro.

 

Silvia Tendelarz: O que você quer dizer?

 

Sr. X: Me refiro à questão da angústia. No caso do Pequeno Hans, ele sintomatiza a angústia pela fobia aos cavalos porque há aí o próprio gozo do pai.

 

Silvia Tendlarz: O Pequeno Hans nunca se confronta com este significante da falta no Outro.

Vou retomar isso de outro modo: uma coisa é o final de análise e outra, o transcurso da neurose. A metáfora paterna nunca tem total êxito. Há um resto, que não é significantizável. Nem todo real passa ao simbólico. Esse resto permanece enigmático no desejo do Outro. O Outro me diz isso, mas o que ele quer de mim? Esse resto do desejo do Outro retorna como enigmático. O desejo do Outro também se situa no significante da falta do Outro. O Pequeno Hans se angustia ao se confrontar com o desejo do Outro. No Seminário 4, Lacan fala da angústia de castração. No Seminário 10, ele vai dizer que embora a mãe não ameace Hans com a castração, há a presença enigmática do desejo do Outro. A angústia não é, então, a ameaça de castração, mas sim a manifestação do desejo enigmático do Outro. A angústia se produz no momento do encontro do sujeito com o desejo do Outro.

 

Sr. X: Sim, a angústia é o sinal do desejo do Outro.

 

Silvia Tendlarz: Esta é uma das definições da angústia que aparecem no Seminário 10. Há muitas outras definições da angústia neste Seminário. Num determinado momento, ele diz que o sujeito se angustia ante a presença do desejo do Outro. Em outro, afirma que a angústia surge quando o objeto a, o objeto de gozo, é desvelado. De modo geral, o objeto a aparece como i(a), ou seja, de modo geral ele está velado. Quando ele surge desvelado, há angústia. Lembro um dos exemplos trazidos por Lacan no Seminário 10: os seios de Santa Ágata na bandeja [30]. Então a angústia é uma presentificação do objeto.

 

A fobia localiza o objeto a. Eu propunha que se chamasse Hans de “O menino dos cavalos”, mas o certo é que o objeto, para o Pequeno Hans, é o olhar. Lacan recomenda que sempre busquemos o escópico na fobia. Hans vai para a rua e olha: há um cavalo? Se há um cavalo, foi localizado o objeto olhar, porque o objeto olhar é exterior ao corpo; ele não está em nenhum lugar. Pensem por exemplo, quando se vai a uma reunião na casa de alguém muito importante. Você pensa: todos estão me olhando por causa da mancha na minha roupa! Trata-se de uma positivação do objeto olhar. Toda a sua vida, todo o seu ser é reduzido a esta manchinha em sua roupa. Vocês sentem a presença do olhar, objeto que de modo geral está de fora, não está localizado. Pensem na paranóia: “Ele me olha! Está com raiva de mim!” Temos aqui o olhar do perseguidor.

 

No caso Hans, a maneira desse objeto se localizar é no olhar do cavalo, por isso Hans se mantém à distância dele: o medo de Hans localiza o objeto e assim, ele se desangustia. Nesse exemplo, é mostrado o objeto de gozo e o tratamento do significante da falta do Outro. Trata-se de um tratamento sintomático. É diferente quando isso produz angústia e quando produz um sintoma.

 

Sra. Z: Você falava do nome próprio. Quando Lacan fala, no Seminário 23: O sinthoma, de Joyce como nome do sinthoma, ele não dá de alguma forma um significado ao nome de Joyce? De que maneira você vê o uso feito por Lacan do nome próprio de Joyce no Seminário 23?

Silvia Tendlraz: Lacan diz que Joyce, com sua obra, faz para si mesmo um nome com o qual consegue ter uma existência.

 

Se tomarmos a sua pergunta de uma maneira mais geral, poderíamos perguntar como, em certos casos, fazer um nome pode funcionar como suplência à falta do Nome-do-Pai. Frente à falta do Nome-do-Pai há a possibilidade da invenção de um nome – fazer para si um nome para poder suprir a falta do NP. É um modo de tratamento da falta do Nome-do-Pai. Isso nos leva à clínica das suplências. Vocês sabem que Lacan acaba considerando Joyce psicótico. Sergio Laia [31] fala, em sua tese, sobre a loucura de Joyce. Ele buscou todos os dados com os quais se poderia provar mais claramente que Joyce era psicótico.

 

Sei que não respondi a toda a sua pergunta, mas apenas a uma parte dela. Para voltar ao pai, vou lhes apresentar um clínico, seguindo o tema das versões do pai e como elas se modificam em uma análise.

 

Trata-se de um paciente obsessivo. Ele chega apresentando um pai poderoso, um pai ideal que tem e não quer lhe dar. Traz uma demanda de reconhecimento por parte do pai. Prevalece neste sujeito o amor ao pai, mas no trabalho que realizam juntos, ele acha que o pai não lhe dá o lugar que ele merece. Há longo tempo, ele vivia um impasse subjetivo: queria abandonar este trabalho, porque o pai não o reconhecia, mas nunca conseguia ir embora. O sujeito tinha dúvidas: não sabia se ia ou ficava. Ao mesmo tempo, sua vida amorosa apresentava uma divisão que, nesse momento, se apresentava como uma dúvida: ele não sabia se amava, ou não, a mulher com quem vivia há muitos anos. Ele não sabia se ia embora ou se ficava com ela. Ou seja, havia a mesma dúvida em relação ao pai e em relação à dama: ficar ou ir embora.

 

Isso redundava numa impotência, a impotência de não conseguir decidir. Havia uma decisão a tomar que se tornava impossível. Ele queria ir embora, mas era impossível ir embora por causa do pai. O que foi se situando na análise é que ele queria ir embora por causa do pai, mas justamente por causa do pai não podia ir embora. Ou seja: ele queria ir embora por causa de sua demanda de amor dirigida ao pai não satisfeita, mas justamente por causa de seu amor ao pai, ele não podia ir embora. Trata-se da versão masculina, numa demanda de reconhecimento, que é demanda egóica, e não do lado do sujeito. Ele queria que o pai reconhecesse seus méritos.

O primeiro ponto foi introduzir o aspecto da demanda de amor, e do amor ao pai. Num segundo tempo, introduziu-se o pai enigmático. Frente a este pai poderoso, aquele que tem, mas não quer dar, pai idealizado, ele começou a abordar o pai enigmático: O que ele quer? O que ele quis me dizer? Ele quer ou não que eu vá embora? O surgimento desse pai enigmático foi correlativo ao trabalho sobre a sua demanda de amor. Para ele, o fundamental era que o pai era injusto. Ou seja, trata-se de um pai idealizado, mas que a cada vez está castrado. E por quê o pai é injusto? Porque não lhe dá o que ele pede. Esses sujeitos neuróticos Sem-Nome pedem que o Outro lhe permita dizer “Eu”, que seu lugar seja reconhecido.

 

Na medida em que ele avança em sua análise, muda a versão do pai. Se a primeira versão é um pai que tem e não dá (uma versão idealizada do pai), a nova versão é a de um pai que não pode. Como surge o tema do pai que não pode? Através da doença do pai. Dizer que o pai não dá porque não quer é diferente de dizer que ele não dá porque não tem. Dizer que o pai tem, mas não quer dar, é uma versão do pai ideal: ele poderia, mas não quer. Já dizer que ele não pode, é introduzir a falta no Outro, introduzir a falta no pai. Já não se trata do pai ideal, de um Outro consistente, mas de um Outro em que existe a falta. O particular é que a partir do momento em que esse pai ideal, que ele faz existir através do amor, aparece com sua falta, isto remete este paciente à sua própria falta.

 

Tratava-se, até aqui, do par a-a’ (eu e pai ideal) e de uma demanda de reconhecimento. Na medida em que o pai se torna um sujeito que tem falta, que não pode, o pai doente que poderia morrer, isso o remete à sua própria falta. Ele se pergunta: o que seria dele se o pai morresse? Se seu pai faltasse, não havia ninguém que pudesse ocupar este lugar do amor. Do momento em que o pai não pode, e há esta mudança de posição subjetiva, em que ele próprio percebe agora a sua falta, o que se modifica sem que houvesse sido trabalhado é o lugar do objeto de amor. Ele pode designar a sua mulher como seu objeto de amor, decidindo ficar com ela.

 

Há aqui uma particularidade: apesar de ele jamais ter dito isso em sua análise, ele saía com outras mulheres, ficando dividido entre as outras e a sua mulher. Havia um desdobramento da vida amorosa: entre a mulher idealizada e aquelas que nunca poderiam chegar à altura dessa dama idealizada. Ele oscilava entre ela e as outras. Mas no momento em que ele se confronta com a falta do Outro, e que ela se inscreve nele mesmo, imediatamente se modifica sua posição subjetiva. Ele conclui: “Ela é a mulher que me falta”. Ou seja, esta é a mulher que desejo, decidindo ficar com ela. Sua mudança em relação à falta lhe permite retificar sua posição em relação à sua mulher. Sobretudo, ele pode colocar em uma mulher o objeto causa de seu desejo.

 

Isso permite ilustrar, não apenas o que víamos ontem em relação à falta do pai, mas também o que discutimos hoje sobre uma mulher colocada, por um homem, como objeto a causa de seu desejo. Essa transformação só se opera se ele próprio se relaciona à causa, através do que uma mulher pode lhe fazer falta. Tomei este caso porque ele ilustra bem a passagem da proibição à impossibilidade. Primeiramente, era a proibição do pai que não permitia que ele acedesse aos lugares que desejava. Dessa proibição, ele passou ao impossível. Em função dessa mudança de posição subjetiva, toda esta demanda de reconhecimento dirigida ao pai desapareceu. Ou seja, essa demanda de amor dirigida ao pai se desvaneceu. No lugar disso, ficou a experiência de saber-se amado e de como ia funcionar para ele esse profundo sentimento de falta, frente à possibilidade de perder seu pai.

 

Tania Coelho dos Santos: Gostaria de prolongar um pouco nossa conversa sobre este exemplo clínico que você nos trouxe. Nesse caso, vemos claramente a posição da neurose obsessiva que aparece como um impasse entre o pai ideal e a mulher, idealizada ou degradada. Quando O Outro, o pai, é desidealizado, quando ele aparece faltoso, você concordaria que também a mulher ideal é barrada, aparecendo então como objeto a?

 

Silvia Tendlraz: Ela aparece como aquilo que poderia lhe faltar, que ele poderia perder. Já não se trata do desdobramento neurótico obsessivo pelo qual se produz ou um desdobramento do eu ou um desdobramento do objeto. O interessante é que ele decide não mais procurar aos outras. Ou seja, não é que ela se torne ainda mais ideal, mas porque ele percebe que, quando ela não está com ele, ela lhe faz falta.

 

Tania Coelho dos Santos: Sim, alguma coisa na natureza desse objeto mudou.

 

Silvia Tendlarz: Exatamente.

 

Tania Coelho dos Santos: Pensei que talvez fosse interessante, caso você queira, tentar uma construção agora do lado feminino, uma vez que a questão do sujeito e do objeto não se coloca da mesma maneira do lado masculino.

 

Silvia Tendlarz: Há também amor ao pai do lado das mulheres. Amor ao pai, mas, sobretudo, demanda de amor, porque a mulher pede para ser amada. Mas qual é a particularidade no caso de uma mulher? Vocês sabem que nas fórmulas de Lacan, a mulher poderia se situar do lado masculino e do lado feminino.

 

Como todo ser falante, ela está incluída na linguagem, tendo, portanto, acesso ao gozo fálico. Mas, como diz Lacan, uma mulher não está inteiramente escrita no regime fálico – ela é não-toda inscrita no falo, podendo ter acesso a um Outro gozo, gozo fora do falo chamado por Lacan de gozo suplementar, o gozo-a-mais. Na parte inferior das fórmulas da sexuação, Lacan [32] situa o significante da falta no Outro - S().

 

 

 

É no significante da falta no Outro que podemos situar a demanda amor. A demanda não é somente de amor; ela está enlaçada ao gozo. Vocês se lembram que Freud fala do medo da perda do amor nas mulheres. Ou seja, que o sujeito ama a si mesmo, como objeto de amor. Então, do lado das mulheres temos, por um lado, o amor ao pai. Tal demanda é em última instância, uma demanda de amor. Porquê? Porque o que a mulher busca é ser amada.

 

No entanto, não se trata somente de amor, porque a demanda de amor parte de S(), ou seja, de um funcionamento de gozo pelo qual a mulher, na demanda de amor, ao buscar ser amada, goza da demanda de amor. Porque as mulheres não podem sair, muitas vezes, dessa demanda automática de serem amadas? Porque há um gozo, que não pertence ao regime fálico, que implica um funcionamento automático mais além do objeto eleito. É uma demanda de amor empurrada pelo gozo: o sujeito feminino goza dessa demanda de amor. Ora, apesar da pantomima do amor refletir, sobretudo, um sofrimento, isso na verdade implica um gozo. Muitas vezes o sujeito feminino garante que lhe digam não, para insistir e pedir este amor. Por trás dessa demanda de amor, ela faz existir o pai. Essa demanda de amor não tem limites, justamente porque está situado no funcionamento automático do gozo. Não há aí uma regulação fálica, está fora do regime fálico.

 

Desde o amor ao pai, com o qual ela faz existir o pai, até atingir todos esses objetos substitutos, há um funcionamento automático da demanda de amor. Ela não consegue aceitar que é amada, porque isso implicaria em parar de pedir que a queiram. Trata-se de um funcionamento automático. Não basta ser amada para que cesse a demanda de amor, já que o gozo está implícito na demanda de amor. Então, nenhuma resposta do outro é a boa resposta: sempre falta algo. Trata-se de um gozo fora do falo, que funciona de maneira automática. Mas a base é o amor ao pai.

 

A única maneira de pôr um limite a este funcionamento automático da demanda de amor, é confrontando-se com S() – ou seja, com a inscrição de que o Outro não existe. Esta é a única maneira que pode levar o sujeito feminino a sair desse gozo produzido pelo funcionamento automático da demanda de amor. Porquê? Porque a inscrição de que o Outro não existe, rompe o circuito de se dirigir ao Outro para manter esse eterno relançamento do gozo da demanda de amor. Ora, o Outro fundamentalmente não existe. O pai está castrado. É preciso dar um basta a este pai que faz existir a demanda de amor, este pai idealizado, quer dizer, é preciso chegar a perceber que ele não existe. É ir além do pai, é descobrir que este Outro não existe, podendo assim inventar outras maneiras de amar. No Seminário 20, Lacan diz que os amantes tentam suprir o exílio da relação sexual através do amor[33]. Não há relação sexual quer dizer que não há proporção entre os sexos, o que implica que há um significante que falta. Como se supre isso? Através da experiência do amor. Lacan explica assim tanto o destino como a fraqueza do amor. Ele termina desse modo o Seminário 20. No Seminário 11[34], falando do amor, diz que é possível inventar um amor mais digno. Trata-se de ir além do pai para servir-se dele – ou seja, passar do amor ao pai, para servir-se do pai com o objetivo de orientar-se na existência, inventando uma outra maneira de amar.

Tania Coelho dos Santos: Então o pai continua sendo, de qualquer forma, a matriz da relação de amor, mas não como pai ideal.

Márcia Zucchi: Eu queria perguntar o seguinte: de qualquer forma, a mulher, embora a exceção esteja do lado do homem, afirma muito mais, positiva muito mais o pai em sua demanda de amor.

Silvia Tendlarz: Gostaria de acrescentar algo ao que você disse. Em “A erótica do tempo[35], uma conferência que Miller deu no Rio de Janeiro e que foi publicada em um número especial da Revista Latusa, ele traz a variedade da fantasia do lado masculino e do lado feminino. Eu lhe recordo que ele dizia ali que, do lado masculino, a fantasia está perversamente orientada – uma mulher é objeto de gozo, com as condições de eleição de objeto. Já do lado feminino, como isso parte de S(), há um excesso, porque o que retorna da demanda de amor dirigida ao parceiro é um gozo fora do falo. Daí Lacan ter dito que uma mulher para um homem pode ser um sintoma, mas um homem para uma mulher pode ser uma devastação.

Por que uma devastação? Porque a demanda de amor parte da fantasia feminina em relação à qual Miller acentua sua vertente erotômana, uma vez que a predominância é a de fazer-se amar. Como a demanda parte de S(), há um gozo não significantizado que, ao retornar sob a forma de demanda de amor, não pode ser recoberto por significantes. Por isso, retorna duas vezes: como excesso na demanda de amor em função da existência de gozo no próprio significante, e como excesso na relação com o parceiro.

Creio que, certamente, no lado masculino, a relação com o outro fica mais temperada.

Júlia: Você chegou a localizar, neste paciente obsessivo, algo da ordem da nomeação do real? Ele fez alguma menção à voz, ao olhar, etc.?

Silvia: Não. Eu o trato há apenas um ano. Mas provavelmente, no curso dessa análise, este elemento poderá aparecer.

 

                                                                          Transcrição: Maria Elisa Delecave Monteiro.

                                                                            Revisão técnica: Tania Coelho dos Santos.

                                              Revisão final e referências bibliográficas: Rosa Guedes Lopes.

 

 

Referências Bibliográficas


 

[1] Lacan, J. (1955-56). O Seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988

[2] Id. (26 e 27/09/1953) “Função e campo da palavra e da linguagem”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 238-323.

[3] Id. (1953) O mito individual do neurótico. Lisboa: Assírio e Alvim, 1980.

[4] Id. (1998) Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.

[5] Id. (1960) “Subversão do sujeito e dialética do desejo”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 807-842.

[6] Id. (1955-56). O Seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988, p. 358.

[7] Id. (1957-58). O Seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999, cap. XVII.

[8] Id. (dez 1957/jan 1958) “De uma questão preliminar a todo tratamento possivel da psicose”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 537-590.

[9] Id., 1957-58, Op. Cit., cap. V.

[10] Id., Ibid., cap. VIII.

[11] N.R.T.: O trecho ao qual a autora se refere é o seguinte: “L’hypothèse de l’inconscient, Freud le souligne, ne peut tenir qu’à supposer de Nom-du-Père. Supposer le Nom-du-Père, certes, c’est Dieu. C’est em cela que la psychanalyse, de réussir, prouve que le Nom-du-Père, on peru aussi bien s’em passer. On peut bien s’em passer à condition de s’en servir”. In: Lacan, J. (1975-76). Le Seminaire. Livre XXIII: Le Sinthome. Paris: Seuil, 2005, p. 136.

“A hipótese do inconsciente, Freud o sublinha, não se sustenta sem o Nome-do-pai, por certo, é Deus. É nisto aí que a psicanálise por triunfar, prova que do Nome-do-pai podemos também prescindir. Podemos prescindir, à condição de nos servirmos dele”. (tradução do revisor técnico).

[12] Lacan, J. (1969). “Nota sobre a criança”. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 369-370.

[13] Mannoni, M. A criança retardada e a mãe. São Paulo: Martins fontes.

[14] Lacan, J. (1974-75). O Seminário, livro 22: RSI. Aula do dia 21/01/1975. Seminário inédito.

[15] “[...] o sintoma da criança acha-se em condição de responder ao que existe de sintoma na estrutura familiar. O sintoma [...] se define, nesse contexto, como representante da verdade. [...] do casal familiar. [...] A articulação se reduz muito quando o sintoma que vem a prevalecer decorre da subjetividade da mãe. Aqui, é diretamente como correlata de uma fantasia que a criança é implicada. A distância entre a identificação com o ideal do eu e o papel assumido pelo desejo da mãe, quando não tem mediação (aquela que é normalmente assegurada pela função do pai), deixa a criança exposta a todas as capturas fantasísticas. Ela se torna o ‘objeto’ da mãe e não mais tem outra função senão a de revelar a verdade desse objeto”. (Lacan, 1969, op. Cit., p. 369).

[16] Miller, J.-A. (1991-92). De la naturaleza de los semblantes. Buenos Aires: Paidós, 2002.

[17] Lacan, J. (1961-62). O Seminário, livro 9: a identificação. Aula de 17/01/1962. Seminário inédito.

[18] Freud, S. (1923) "A organização genital infantil (uma interpolação na teoria da sexualidade)". In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1977, Vol XX.

[19] Lacan, J. (1962-63). O Seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005, cap. II.

[20] Freud, S. (1912-13) “Totem e tabu”. In: Op. Cit., vol. XIII.

[21] Lacan, J. (1959-60). O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988.

[22] “A função de resíduo exercida (e, ao mesmo tempo, mantida) pela família conjugal na evolução das sociedades destaca a irredutibilidade de uma transmissão – que é de outra ordem que não a da vida segundo as satisfações das necessidades, mas é de uma constituição subjetiva, implicando a relação com um desejo que não seja anônimo”.

“É por tal necessidade que se julgam as funções da mãe e do pai. Da mãe, na medida em que seus cuidados trazem a marca de um interesse particularizado, nem que seja por intermédio de suas próprias faltas. Do pai, na medida em que seu nome é o vetor de uma encarnação da Lei no desejo” (Lacan, 1969, Op. Cit., p. 369).

[23] Lacan, J. (1954-55). O Seminário, livro 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1987.

[24] “O que Freud descobre no inconsciente [...] é algo bem diferente de nos darmos conta de que, grosso modo, podemos dar um sentido sexual a tudo o que sabemos, em razão de que conhecer presta-se à metáfora conhecida desde sempre [...]. É o real que permite desatar efetivamente aquilo em que consiste o sintoma, ou seja, um nó de significantes. Atar e desatar que aqui não são apenas metáforas, mas a serem apreendidos co mo os nós que realmente se constroem ao formarem uma cadeia com a matéria significante”.

“Pois essas cadeias não são de sentido, mas de gozo-sentido [jouis-sens], a ser escrito como vocês quiserem, de conformidade com o equívoco que constitui a lei do significante” (Id., [1973]. “Televisão”. In: Outros Escritos. Op. Cit., p. 515-516).

[25] Corresponde à p. 833, dos Escritos, em português: “[...] partiremos do que a sigla S() articula, por ser antes de tudo um significante. Nossa definição do significante (não existe outra) é: um significante é aquilo que representa o sujeito para outro significante. Esse significante, portanto, será aquele para o qual todos os outros significantes representam o sujeito: ou seja, na falta desse significante, todos os demais não representariam nada. Já que nada é representado senão para algo”.

“Ora, estando a bateria dos significantes, tal como é, por isso mesmo completa, esse significante só pode ser um traço que se traço por seu círculo, sem poder se incluído nele. Simbolizável pela inerência de um (-1) no conjunto dos significantes”.

“Como tal, ele é impronunciável, porém não sua operação, pois ela é o que se produz toda vez que  um nome próprio é pronunciado. Seu enunciado iguala-se a sua significação” (Lacan, 1960, Op. Cit., p. 833).

[26] Lacan, J. (1958). “A significação do falo”. In: Escritos. p. 700.

[27] Lacan, 1960, Op. Cit., p. 841.

[28] Freud, S. (1937) “Análise terminável e interminável”. Op. cit. Vol. XXIII.

[29] Lacan, J. (1967). “Proposição de 9 de outubro de 1967”. In: Outros Escritos. Op. Cit., p. 248-264.

[30] Lacan., 1962-63, op. Cit., cap. XIII.

[31] Laia, S. (2001). Os escritos fora de si: Joyce, Lacan e a loucura. Belo Horizonte: Autêntica.

[32] Lacan, J. [1972-73]. O Seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1982, cap. VII.

[33] “O que vem em suplência à relação sexual, é precisamente o amor” (Lacan, 1972-73, Op. Cit., p. 62).

[34] Id., (1964) O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. RJ: Jorge Zahar Ed., 1988.

[35] Miller, J.-A. (2000). A erótica do tempo. Número especial da revista Latusa. Rio de Janeiro: EBP-RJ, 2000.