topo_index
titulo_esq_interno titulo_interno_clinica
                                                                                                                                                          (Versión en Español)

Édipo Deus

 



Teresa Férrer

Diretora de Biblioteca da Escola Lacaniana de Psicanálise de Valência (Espanha)
Membro da Associação Mundial de Psicanálise
tferrer@telefonica.net

Resumo:

Qual pai? Seria preciso perguntar a cada homem por sua escolha, pois pode-se encarnar a ambos. A questão é que, Édipo se instalou no mundo como o pai de família, deslocando os pais de antigamente, de tal forma que é ele quem guia nossa clínica do lado da perversão e do lado da estrutura: neurose psicose. Na estrutura do não-todo, o pai não está ausente, e sim o Édipo. Porém, qual pai? Entre o pai da religião, o pai eterno que está nos céus e seu filho Édipo, está o homem, não preocupado com a filiação do lado masculino, não sei, se se pode dizer, o anti-cristo, pois é o anti-édipo. Um homem, contente com seu lugar na sexualidade feminina.

 

 



God
OEdipus

Abstract:

Which father? One would need to ask each man for his/her choice for both can be embodied. The matter is that Oedipus has moved in the world as a family father, dislocating the fathers of old times, in such a way that he is the one who guides our practice beside the perversity and the structure: psychosis or neurosis. In the structure of the “not whole”, the father is not absent but the Oedipus is. However, which father? Between the father from the religion, the eternal father in heaven and his son Oedipus, is the man, not worried about his filiation of the masculine side, I do not know if one can say the antichrist, for he is the anti Oedipus. A man, glad with his place in the feminine sexuality.

 

 



Édipo Dios

Teresa Férrer

Directora de La Librería de la Escuela Lacaniana de Psicoanálisis-Valencia/España
Miembro de la Asociación Mundial de Psicoanálisis
tferrer@telefonica.net

Resumen:

¿Qué padre? Habría que preguntar a cada hombre por su elección, pues encarnar puede encarnar a ambos. La cuestión es que, Edipo se instaló en el mundo, como el padre de familia desplazando a los padres de antaño, de tal forma que es quién guía nuestra clínica del lado de la perversión y del lado de la estructura: neurosis, psicosis. En la estructura del no-todo, no está ausente el padre, como lo esta el Edipo. ¿Pero qué padre? entre el padre de la religión, el padre eterno que está en los cielos, y su hijo Edipo, esta el del hombre, no preocupado por la filiación del lado masculino, no sé, si de risa decir, el anticristo, pues es el antiedipo. Un hombre, contento con el lugar que tiene en la sexualidad feminina.

 

   

1. Que pai?

Que pai? O pai que logo veremos no cinema, o pai que elege sua esterilidade, aquele que ferido de morte cria credos, aquele  que aterroriza às crianças com a cara de Freddy, aquele que alimenta esperanças de ser visto nos céus, aquele que assume o silêncio depois de provocar o trovão, aquele que ameaça de morte em som de paz, aquele que adora o silêncio dos abismos, aquele que não responde, aquele que farto de ser fera se mostra tranqüilo, aquele que reina no coração de cada homem e mulher do mundo, o necessário, o que viaja porque não habita em nenhum lugar.... ¿esse pai?.

Ou o outro, pequenino, mais que pai, irmão; que não sabe o que quer, que se une a companheiros para ir à caça, quem sem saber lutar vai à guerra, e ainda pior leva seu filho, o que hoje... tempos sem contenda, vai ao campo, ao banco, ao hospital, ao estádio, ao vídeo clube, e em seu tempo livre faz bricolagem, em sua casa habitual, chalé, apartamento ou casa de campo.

Que pai? Se deveria perguntar a cada homem qual é a sua escolha, já que se pode encarnar a ambos.

O primeiro tem tanto medo da filiação que em seu maior refinamento se torna celibatário, ou se angustia quando lhe dizem: o teste de gravidez deu positivo.

O segundo, proclama, brama, apregoa: quero um filho, claro, um homem, e cada vez mais acaba em clínicas de reprodução  artificial com uma das etiquetas modernas dos sintomas da medicina posta no pênis: esperma preguiçoso. Arre!

 

Um pai tem o pênis inútil, e o outro o esperma preguiçoso. Deus! E as mulheres... colocadas com poder para eleger,  para variar fazem desatinos, pois escolhem o metro-sexual que quer, além de tudo, ser passivo na cama. E, com ele, formam o casal, que chegam ao cúmulo de chamar heterossexual, quando é edípico, nem mesmo como Édipo em Colônia, mas aquele com a mãe mesmo.

Que pesadelo, os seminários religiosos vazios e todo mundo futebolista, pois homossexualidade latente há nos dois lugares, mas o seminarista - que levante a mão a primeira mulher que nunca pensou ou teve um gostinho estranho. Digo isso aqui entre nós, mas é certo que se formos a um instituto de “desensino” médio, ganha Beckam! As meninas, não sei se querem ser princesas, mas o que querem os meninos é perseguir uma bola em um gramado, como sacerdotes da época global. 

A questão é que por razões óbvias, Édipo se instalou no mundo como o pai de família, deslocando muito, e digo em número, os pais de antes, de tal forma que é ele quem guia nossa clínica do lado da perversão e do lado da estrutura: neurose, psicose. O destino sublimatório da pulsão, para citar todos os termos princeps da época antiga, se deixava à arte... e quiçá tão somente à pintura, pois na arte...  logo se localizará também a política.

Desta mudança do pai, inclusive além dela, creio que temos una magnífica reflexão, nas aulas de maio e junho do Curso de J. A. Miller, OL III, 4,, quando por ocasião da criação da Escola Lacaniana do Campo Freudiano na Itália, em Milão, falando sobre o tema “Os psicanalistas na cidade”, nos faz partícipes do que chama suas intuições milanesas, referidas às relações do inconsciente e da política, e que são também um percurso pelo legado clínico e civilizatório que nos deixou Lacan ante o declinar do pai e sua desaparição tal e como o conhecemos, como Édipo Rei, uma pèr(e)-version[1] que desfalece.

 

2. A psicanálise na época global

Suas intuições milanesas são dez e giram em torno de duas frases de Lacan, duas épocas da humanidade, três fases de Lacan no ensino e na cura.

Duas frases de Lacan, ditas em momentos distintos de seu ensino, marcam a mudança de paradigma mundial, do “todo” ao “não-todo”. Uma, dirá Miller, Lacan a pronuncia em seu Seminário  A lógica da fantasia “não digo que a política é o inconsciente, senão simplesmente que o inconsciente é a política, capta e efetua o zênite da lei dos irmãos no século XX, sob o triunfo de Kant com Sade, século que assiste às mais ferozes guerras declaradas pelo pai democrata ao pai totalitário. Sempre ganhou o democrata, com o the end  de rendição do totalitário em 1989, selado com a queda do muro de Berlim, justamente por isso mesmo, por destruir e desterrar o totalitário, teve o pai democrata seus dias contados, somente os necessários para consumar a lei dos irmãos, sua sentença - que Freud comenta tão delicadamente em Totem e Tabu – é a do  fim do “todos por um e um por todos”,  pois sem exceção não há “todos”.

Não há relação sexual, junto com “só há gozo é a segunda frase que assina o apagamento da regra, e se sai do que retinha a psicanálise na época pré-global (autoritária), abre-se o tempo da invenção sexual, da criatividade fora da norma.

 

Nomearei as dez reflexões, em seguida, sem desenvolver: a política é o inconsciente, o inconsciente é a política, o inconsciente é político, a Cidade não existe, Freud e a Rainha Vitória, Lacan e a rainha gozo, a cura analítica na época da globalização, o rebaixamento da psicanálise, as bolhas de certeza, a psicanálise na época global.

Duas épocas, que marcam a mudança de paradigma: a disciplinar e a do império, limitadas pela queda do totalitarismo e a transgressão que não agradou a todo mundo.

 

3. Três fases no ensino e três tempos na cura analítica em Lacan.

a) No ensino:

Primeira Fase: Formalização da psicanálise na época disciplinar, o conceito de inconsciente a partir do algoritmo do sintoma; formalização unificante do Édipo, da castração e do recalque com o conceito de Nome-do-Pai e metáfora; formalização da libido no desejo e na metonímia. É o Lacan clássico, Freud formalizado.

Segunda Fase: Transição. Lacan leva a cabo una subversão do Nome-do-Pai, que o pluraliza e o desloca, quando atribui o recalque, à linguagem e não à proibição. Subversão do conceito de desejo ligado ao proibido, substituído pelo gozo,  não pondo o acento sobre a falta, mas sobre o que preenche a falta, que é a função de seu objeto a.

Terceira Fase: O que chamamos seu último ensino, no qual o termo essencial é o gozo enquanto não tem contrário. O significante se torna operador de gozo, a oposição prazer/gozo declina, o prazer chega a ser um certo regime de gozo. A pulsão ocupa o primeiro plano pois não está intrinsecamente articulada à defesa, "o sujeito é feliz”, ao nível da pulsão sempre, sempre se satisfaz, diretamente, indiretamente, de maneira econômica, dolorosa, prazerosa, etc..., axiomaticamente.

Lacan introduz estas fases na época disciplinar organizada a partir do proibido e da transgressão, até seu declínio e seu ocaso, tempo no qual o fora, o externo vai deixando de existir. Época em que se evoca o pensamento único, quando não ha mais pensamento único. A globalização é o contrário da homogeneização,  nela tudo está desordenado, a cidade é uma nostalgia, não existe, nada tem um lugar, como corresponde a uma época onde já não é a falta o que dirige o mundo, senão o que ocupa o lugar da falta. Neste mundo dirá Lacan só é questão de posicionamento, de percurso.

 

b) Na cura:

Primeiro tempo: concebida como tratamento, mas diferenciada do tratamento médico, a cura está ordenada por um ideal de maturidade  e uma norma da personalidade, e o mesmo Lacan falou de conclusão da personalidade ou de realização efetiva do Édipo e da castração.

Segundo tempo: transição entre os paradigmas: a desmedicalização conseguida na cura, fez com que se a concebesse como experiência e não mais como um tratamento. A palavra experiência tem toda sua importância como o lugar onde as coisas se passam. A cura proporciona um novo  sujeito, e isto se cristaliza com a noção do passe pensado sob o modo transgressivo do atravessamento do fantasma.

Terceiro tempo: próprio ao regime da globalização. Lacan não nega o passe, mas o resgata enquanto um relato, narrativa acertada que satisfaz a um auditório como procedimento, como espetáculo. Sendo inaudíveis os temas da maturação, da conclusão e do término entramos na inclusão do gozo nos direitos do homem, o que vai de par com a promoção do sintoma, com o novo nome que lhe deu Lacan - sinthome -  para indicar que é um sintoma que não tem contrário. O sintoma clássico tinha seu contrário, a cura.

O que se coloca em movimento no mundo, o que é que faz com que no mundo se instale a globalização?  Miller dirá que é a máquina do “não-todo”, própria à sexualidade feminina, com seu “não ha relação sexual. A máquina do “não-todo” que é o que opera hoje no social, esta máquina recolhe a frase da máquina anterior, (que foi a do “todo”), a frase “o inconsciente é o discurso do Outro”, e mesclando-a no “não-todo” obtém “o inconsciente é a política”, porque está no lugar da ausência de relação sexual. O inconsciente é político. É o que vincula os homens entre sí, o que os opõe, o inconsciente é da ordem do vínculo social, através dele nos relacionamos, pois quando não há relação sexual, se constrói uma sociedade política, ausente quando estamos diante de sociedades aparelhadas com estruturas elementares de parentesco, apolíticas.

E a que responde o “não-todo” que teoriza Lacan, em seu escrito “L’etourdit?” (J.-A. Miller na aula de 22/05/2002). É uma resposta ao “Anti-Édipo” que Deleuze e Guattari haviam tentado captar. Desaparece o Édipo. A época da globalização deixa de viver sob o reino do pai, do pai edípico.

Edipo, pèr(e)-version de um pai déspota deixa lugar à estrutura do “não-todo”, sem limites, sem proibições, sem "fazer barreira" e que requer uma nova clínica, aquela que Lacan introduz com o nó, que possibilita arranjos e vínculos para que se relacionem entre si os três registros, e desaloja a descontinuidade das estruturas clássicas; neurose, perversão, psicose. O “não-todo” já está no lugar da organização social, “não-todo” associado à sexualidade feminina que gera a nostalgia do significante-amo, mais exacerbada na medida em que aparece desligado do resto, pois no “não-todo” social o significante não chega em blocos organizados, o que no sujeito provoca um recuo a zonas limitadas de certeza, efeito otaku, que faz Miller sugerir que há algo da psicanálise pode ser concebido como uma resposta otaku.

É o fim da época do Nome do Pai e sua clínica, para dar passagem à  clínica do nó, própria da sexualidade feminina, é a época na qual os analistas se desconectam da prática analítica e se descobrem a partir do passe, e que há que se pensar a formação do analista neste contexto, fora de toda problemática do ideal e da forma.

 

4. De Górgonas e Medéias a Sereias

No seguimento do referido curso de 2001/2002, Eric Laurent e J. – A Miller tomam a palavra, para refletir sobre a vergonha, o perdão, a culpa, o pudor...  e o alcance de valores moralistas na época atual. Retomarei algumas questões baseando-me nessas aulas, sobre o tema que nos convoca, sobre o pai.

Há um aumento do discurso moralista desde a queda de muro de Berlim, nos dirão J. A. Miller e Eric Laurent, refletindo sobre os novos valores. Aparece o discurso do perdão, frente ao da culpa, se pede perdão por tudo, (desculpa-me se lhe estou fazendo mal...).  As mulheres, que nesta historia do mundo têm sido, e são ainda, vilipendiadas, penduradas, maltratadas, humilhadas (para não empregar qualificativos mais fortes)  apresentadas como solitárias (de Medusas a Medéias) levando pânico como feiticeiras e bruxas etc. Vão ainda carregar nas costas a estupidez de que a sexualidade feminina  tenha que ver com o aumento dos valores moralistas, piedosos, como a proximidade, a escuta, a piedade, o perdão etc?... Irão esses valores, uma vez mais, associar-se no mundo do “não-todo”, à sexualidade feminina? Penso que não. Creio que há um declínio à mais do pai.

Pois, com efeito, a função do pai, está ligada à estrutura que Lacan encontrou também na sexualidade masculina, que comporta um “todo”, dotado de um elemento suplementar e antinômico que faz as vezes de limite, e que permite ao todo, justamente, constituir-se enquanto tal. Esta estrutura é a matriz mesma da relação hierárquica. Mas que seja a matriz da organização hierárquica, implica que seja a do pai como tal? A estrutura do “não-todo”, não se opõe ao pai, nem está baseada nele, senão sobre o falo, que o último Lacan bombardeia rebaixando-o ao órgão, à função de puro órgão.

Não creio que na estrutura do “não-todo” esteja ausente o pai, se penso que o Édipo está. Mas que pai? Entre o pai da religião, o pai eterno que está nos céus, e seu filho Édipo, está o pai do homem, não preocupado pela filiação do lado masculino, talvez se pudesse dizer ironicamente, o anti-cristo, já que é o anti-édipo. Um homem contente com o lugar que tem no gozo, na sexualidade feminina, cuja mais bela descrição temos na delicada figura de Merlín presente na novela de Marion Zimmer Bradley “As brumas de Avalón”. Merlín, Gandalf, o oráculo de matrix, yoda o jedi... são seres míticos, homens com outros atributos de pai que os que Édipo dá a Deus, o que mata para impor sua tirania. Prescindir do pai na condição de servir-se dele, pode ser algo simples, se se deixa Édipo consumindo-se em sua ilógica quimera, no inferno de ser ou ter o falo, pois não prescindir do falo é ser Edipo rei. Prescindir do pai na condição de servir-se dele, fazer um uso distinto do edípico, é a condição possível, creio, para um encontro entre o homem e a mulher, desta vez sob a égide da sexualidade feminina, nada épica, nem sublime, nem moralista, e sem garantia de que nela se ache outra pèr(e)-version ou simplesmente que a pulsão encontre outro destino, que Freud deixou incompleto.

Tradução Márcia Aparecida Zucchi

Revisão Técnica Tania Coelho dos Santos

 

Bibliografia

BRADLEY, Marion Zimmer Las nieblas de Avalón Madrid: Salamandra, 1983.

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix  El antiedipo (1972).

LACAN, Jacques El despertar de la primavera. In: Intervenciones y textos: 2   Buenos Aires: Manantial, 1993.

__________  La lógica del fantasma: Seminario, 1966/67, livro XIV.

__________  L’etourdit. In: Otros escritos.

MILLER, Jacques-Alain De la naturaleza de los semblantes: Orientación lacaniana.   Paris: ECF, 1991/92.

__________  El desencanto del psicoanálisis: Orientación lacaniana, clases de la 17 a la 21    Paris: ECF, 2001/02.

__________ El inconsciente es la política. Cuadernos de psicoanálisis: Revista del Instituto del Campo Freudiano en España    Madrid: Eolia, n.29, set. 2003.

__________ L’angoisse de Jacques Lacan: Orientación lacaniana, clases de la 15 a la 20.  Paris: ECF, 2003/04.

__________ Piecès détachées: Orientación lacaniana, clases de la 1 a la 9.    Paris: ECF. 2004/05.

GRAVES, Robert La diosa blanca    La Coruña: Alianza, 1974.



[1] N.R. O termo pére-version condensa na língua francesa o sentido de versões do pai. Não tem tradução em português e por essa razão vamos aludir a ele no original sempre que a ocasião se apresente.