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(Versión en Español) 

 A epidemiologia: desenvolvimentos, usos e aplicações

 



Manuel Marín Gomez

Médico, Mestre em Saúde Pública e Administração Sanitária
Diretor de Saúde Pública da área de Saúde 13, Xàtiva (Valencia/Espanha)
Conselho sanitário
Membro da Fundação “Investigação em Serviços de Saúde”  
marin_mangom@gva.es

Resumo:

A epidemiologia é o ramo da saúde publica que tem como propósito descrever e explicar a dinâmica da saúde populacional e identificar os elementos que a compõem, a fim de intervir no curso do seu desenvolvimento natural. Algo que já comentei de passagem e que neste aspecto é fundamental, é que os estudos epidemiológicos são de base populacional, razão pela qual suas conclusões e inferências só são aplicáveis em termos populacionais, nunca individuais. É um erro de interpretação que se comete com demasiada freqüência.

 

 



The epidemiology: development, uses and applications.  


Abstract:

The epidemiology is a field of public health that describes and explains the dynamic of populational health as well as identifies the elements that make it in order to interfere in its natural development. Something fundamental, I have already mentioned, is that the epidemiological studies have popular basis, which is why its conclusions and interferences are applicable only in popular terms, never individually. This interpretation mistake occurs quite often.

 

   

A epidemiologia é o ramo da saúde pública que tem como propósito descrever e explicar a dinâmica da saúde populacional e identificar os elementos que a compõe a fim de intervir no curso de seu desenvolvimento natural.

A epidemiologia investiga a distribuição, freqüência e determinantes das condições de saúde, não só das enfermidades, senão de todos os acontecimentos relacionados direta ou indiretamente com a saúde das populações humanas. Também se ocupa das intervenções para a prevenção e o controle das enfermidades além da avaliação das mesmas em termos de eficácia, efetividade e eficiência.

Assim, poderíamos dizer que a epidemiologia investiga, sob uma perspectiva populacional:

A distribuição, freqüência e determinantes da doença e suas conseqüências tanto biológicas, como psicológicas e sociais; a distribuição, freqüência e determinantes dos riscos para a saúde; a prevenção e o controle das doenças, de seus riscos e de seus efeitos, e a avaliação das intervenções (eficácia, efetividade e eficiência).

A descrição de pragas, pestes, etc., é quase tão antiga como a escrita, e as medidas que se tomavam para contê-las também se refletiram em muitos textos da Antiguidade. Ainda que a primeira referência ao termo “epidemia” seja de Hipócrates, somente na Idade Media se o utiliza para descrever a afetação de grandes populações por uma doença infecciosa, e  foi apenas no Renascimento que se estabeleceu claramente o conceito de doença contagiosa e suas formas de transmissão.

A seguinte fase no desenvolvimento da epidemiologia foi a utilização das matemáticas, e, concretamente, da incipiente estatística, como sua ferramenta fundamental. Com a criação dos modernos Estados começa-se a estabelecer registros de nascimento, mortalidade e outras condições. Paralelamente aumenta o conhecimento das doenças, sua clínica, etc., e as denominadas “estatísticas sanitárias” começam a refletir entidades nosológicas distintas que desembocam nas atuais “classificações de doenças”.

A observação de uma serie de acontecimentos ou fenômenos ao longo do tempo, registradas nas “estatísticas sanitárias”, permitiu a cientistas como Graunt ou Petty, sem conhecer nem esclarecer demasiadamente a natureza das doenças, identificar padrões de mortalidade, morbidade e natalidade, diferenciar entre sexos, zonas rurais e urbanas, descrever variações sazonais em algumas doenças, etc., e inclusive desenvolver predições sobre a probabilidade de adoecer em determinada idade ou de falecer por determinadas causas.

Durante essa época se levaram a cabo muitos outros estudos basedos na observação das ocorrências e sua quantificação, alcançando seu apogeu graças aos numerosos trabalhos do francês Pierre Charles Louis (1787-1872), quem mediante a utilização deste método observacional quantitativo demostrou, dentre outras coisas, que a tuberculose não se transmitia hereditariamente. Igualmente demonstrou a necessidade de um grupo de referência ou comparação na investigação dos determinantes de saúde, posto que até esse momento se pensava que se poderia descobrir as causas da doença analisando-se tão somente os sujeitos enfermos. Mas foi Adolphe Quêtelet (1796-1874), quem, baseando-se nos trabalhos de Simeón Poisson (1781-1840) e de Pierre Laplace (1749-1827) - que estabeleceram valores medios de múltiplos fenômenos biológicos e sociais - introduziu os conceitos de “média” e “normalidade biológica”, o que supôs o posicionamento da Epidemiologia, segundo os parâmetros do positivismo, como ciência, enquanto aquela que “mede”.

Já em pleno século XIX se destacam no terreno epidemiológico os ingleses Snow e Farr. John Show (1813-1858) estabeleceu a cadeia de transmissão do cólera e William Farr (1807-1883), considerado o pai da bioestatística, generalizou o uso das taxas de mortalidade, estabeleceu os conceitos de população baixo risco, as “pessoas-tempo”, o risco, a letalidade, a imunidade de grupo, as relações entre a prevalência e a incidência, etc., assim como a importância do tamanho da amostra para a robustez dos resultados e a validade das inferências.

Os epidemiólogos do século XIX demonstraram, sem que se tivesse identificado ainda os agentes patógenos causantes, a capacidade de transmissão e contágio de doenças como o sarampo, o cólera ou a febre tifóide, comparando a proporção de doentes expostos a uma circunstância com a proporção de enfermos não expostos a ela, (método vigente na atualidade). Com o desenvolvimento da microbiologia e a teoria do germe (década 1870-1880), as ciências da saúde adotaram o modelo unicausal, no qual um só efeito é resultado de uma só causa, sendo utilizada a epidemiologia exclusivamente no estudo das doenças infecciosas. O incremento da incidência das doenças crônicas em meados do século XX e a comprovação de que se poderiam estudar doenças não transmissíveis utilizando-se o método epidemiológico, em especial doenças crônicas, ampliou seu campo de atuação e favoreceu seu desenvolvimento conceitual e metodológico, formulando-se na década de 70 do século XX o “modelo multicausal” e as “redes de causalidade” (Brian MacMahon).

Uma premissa fundamental da epidemiologia é que a doença não ocorre nem se distribui ao acaso, e suas investigações têm como propósito identificar claramente as condições que podem ser qualificadas como "causas" das doenças, distinguindo-as daqueles outros fatores que se associam a elas unicamente ao acaso. Atualmente se considera que os fatores que intervêm no processo de adoecer são tantos e tão complexos, que é impossível conhecer a todos completamente, logo a epidemiologia deve, pelo menos, orientar-se para identificar aqueles fatores chave sobre os quais é factível intervir para evitar a doença. A utilidade deste posicionamento é evidente, mas com as seguintes limitações: quando se intervêm sem conhecer completamente todo o processo de adoecer, há uma margem para a geração de hipóteses sobre fatores de risco pouco plausíveis, e finalmente, em algumas ocasiões não se pode distinguir entre os determinantes individuais e populacionais da doença.

A epidemiologia também vem sendo utilizada como ferramenta no planejamento dos serviços sanitários, mediante a identificação dos problemas prioritários de saúde, e o desenho de programas de intervenção, assim como na avaliação destas intervenções em termos de efetividade, eficiência (custo-benefício) e qualidade. Na atualidade a epidemiologia está desenvolvendo um papel relevante, junto a outras disciplinas, na avaliação de tecnologias (métodos diagnósticos, modelos organizativos de atenção sanitária), genética, etc.

Tal como me propuseram os organizadores desta mesa, aos quais reitero meu agradecimento, tentei expor-lhes brevemente o desenvolvimento da epidemiologia como disciplina e suas aplicações. Mas gostaria de introduzir alguns elementos para o posterior debate, que considero interessantes, tendo em conta o foro em que estamos.

Algo que comentei de passagem e que neste aspecto é fundamental é que os estudos epidemiológicos são de base populacional, portanto suas conclusões e inferências só são aplicáveis em termos populacionais, nunca individuais. E isto é um erro de interpretação que se comete com demasiada freqüência.

Com respeito a termos como “média” e sobretudo “normalidade”, devo insistir  em que são conceitos estatísticos que em epidemiologia foram e são habitualmente aplicados a fatos biológicos. Ou ainda, quando determinadas características de um indivíduo, ou grupo de indivíduos, se distanciam da média ou se situam nos extremos de uma distribuição normal, isso não justifica uma culpabilização ou uma estigmatização.

Outra questão é que para a realização destes estudos se requer um apreciável número de sujeitos, que tenham uma série de características: determinados sintomas, sinais, níveis de pressão arterial, glóbulos vermelhos, etc., ou diretamente diagnósticos. Para poder trabalhar com tanta informação é imprescindível estabelecer agrupamentos, escalas, níveis, e se falamos de doenças ou causas de morte se utiliza em geral a Classificação Internacional de Doenças Modificação Clínica (CID-MC) versões 9 ou 10, ainda que determinadas especialidades médicas tenham desenvolvido classificações “ad hoc” como é o caso do DSM em suas diferentes versões.

À título de exemplo me permitirei comentar que os critérios essenciais para realizar um diagnóstico exato são a etiologia, a localização e as manifestações fisiopatológicas. Entretanto, na prática clínica nem sempre é possível (ou desejável) ir além de um diagnóstico sindrômico e a adaptação a esta realidade clínica resultou no desenvolvimento de classificações diagnósticas não mutuamente excludentes, o que introduz importantes possibilidades de variação na determinação diagnóstica. A CID-9MC apesar de seus mais de 10.300 códigos, carece em muitos casos de definições clínicas operativas (por exemplo, a classificação organiza 37 códigos - de 4 e 5 dígitos- para diferentes tipos de anemia, mas não especifica que nível de hematócrito que justificaria o diagnóstico de anemia), o que produz uma determinação de códigos altamente variável.

Se isto ocorre quando, em muitas ocasiões, estão sendo utilizados provas diagnósticas “objetivas” tais como a contagem do número de glóbulos vermelhos, o que não pode acontecer quando se determinam diagnósticos baseados nas respostas subjetivas de um indivíduo a questionários, nem sempre validados, acerca de com que freqüência se sente triste e em que medida. Existe um “tristômetro”?. A partir disso o indivíduo pode receber um diagnóstico, ser classificado, contribuir para estabelecer novas “médias” e “normalidades”, e inclusive ser medicado, as vezes por toda a vida. Não sei se isto é bom para o indivíduo, mas seguramente o é para a industria farmacêutica. E o que ocorre com as causas?

Como conclusão, creio que a epidemiologia contribuiu muito positivamente, e continua contribuindo, para aumentar o conhecimento no campo das Ciências da Saúde, mas deve ser utilizada adequadamente e seu método ser aplicado corretamente. Muito obrigado por sua atenção.

 

Bibliografia

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