Laboratório de Ensino
SITUAÇÃO DE PERIGO
Daniela Murta
Baseado em sua experiência clínica, Freud descreve, em 1926, Inibição, Sintoma e Angústia, a angústia como uma reação a uma situação de perigo - "A conclusão a que chegamos, portanto, é esta. A angústia é uma reação a uma situação de perigo." (Freud, 1926, p. 152).
A angústia funciona como um sinal para o eu, sede da angústia. Sinal de perigo que, apesar de externo (angústia realística), gera angústia por sua vinculação com um perigo interno ao sujeito (angústia neurótica) (ver: angústia realística e angústia neurótica). Nas palavras de Freud: "Chegamos também a conclusão de que uma exigência pulsional freqüentemente só se torna um perigo (interno) porque sua satisfação provocaria um perigo externo - isto é, porque o perigo interno representa um perigo externo." (Freud, 1926, p. 193).
No mesmo texto, Freud aborda a questão da castração em sua relação com a angústia. Expõe essa idéia, inicialmente, a partir do caso "Pequeno Hans" (1909), onde o temor da castração iminente determinou um recalque que resultou num sintoma: a fobia. "Somente no tocante a 'Little Hans' é que podemos dizer com certeza que aquilo que sua fobia eliminou foram os dois principais impulsos do complexo edipiano - sua agressividade para com o pai e seu excesso de afeição pela mãe." (Freud, 1926, p.129).
Nesse caso, a angústia é gerada por um perigo externo (castração) que deriva de um perigo interno, o desejo incestuoso pela mãe e a agressividade com o pai. O autor nos diz: "A afirmação que acabo de fazer, no sentido de que o eu foi preparado para esperar a castração, tendo sofrido perdas de objeto constantemente repetidas, coloca a angústia sob nova luz. Até aqui consideramo-la como um sinal afetivo de perigo; mas agora, visto que perigo é tão amiúde o de castração ele nos parece uma reação a uma perda, uma separação." (Freud, 1926, p. 154).
Nessa perspectiva, o nascimento é considerado pelo autor como o primeiro perigo, apesar de discordar da teoria de Rank sobre o trauma do nascimento. "É desnecessário supor que a criança traz mais alguma coisa com ela da época do seu nascimento do que essa maneira de indicar a presença do perigo." (Freud, 1926, p. 136). Nesse momento, Freud refere-se ao caráter econômico do nascimento, entendendo o perigo vivido no nascimento como derivado de um acúmulo de quantidade de estímulos que precisam ser eliminados.
A demonstração da vinculação da efetiva perda de um objeto com a origem do afeto da angústia avança através da observação de crianças que se encontram sozinhas no escuro ou com desconhecidos. "Aqui a angústia aparece como uma reação à perda sentida do objeto e lembramo-nos de imediato do fato de que também a angústia de castração constitui o medo de sermos separados de um objeto altamente valioso, e de que a mais antiga angústia - a 'angústia primeva' do nascimento - ocorre por ocasião de uma separação da mãe." (Freud, 1926, p. 161).
Observa-se que nesses momentos posteriores ao nascimento, o verdadeiro perigo parece ser o da não satisfação das necessidades vitais do bebê, que gerariam um aumento de tensão, repetindo uma situação de perigo. Segundo o autor: "Quando a criança houver descoberto pela experiência que um objeto perceptível pode pôr termo à situação perigosa que lembra o nascimento, o conteúdo do perigo que ela teme é deslocado da situação econômica para a condição que determinou essa situação, a saber, a perda de objeto." (Freud, 1926, p. 161).
Como a angústia é gerada a partir da constatação de um perigo externo, devemos lembrar que, no contexto do complexo de Édipo, esse perigo é o da castração. Em função do menino estar apaixonado pela mãe, perder o órgão genital seria uma punição real. Sobre isso, lemos em Freud, no texto de sua conferência de 1933, "Angústia e Vida Pulsional": "É verdade que o menino sentia angústia face uma exigência feita por sua libido - nesse caso, angústia por estar apaixonado por sua mãe; assim, era, de fato, um caso de angústia neurótica. Mas este estar apaixonado só lhe parecia como um perigo interno, o qual devia evitar, renunciando ao objeto, porque este suscitava uma situação externa de perigo." (Freud, 1933, p. 109).
Para a menina a perda também tem relação com a castração, mas em seu caso o temor se liga à perda de amor do objeto, pois é ele que lhe garantirá, como supõe, o alcance da substituição tão almejada. É o amor do pai, nesse sentido, que poderá lhe garantir um filho, substituto do pênis, que sua mãe lhe negou, como acredita. Nas meninas, a angústia de castração determina o surgimento do complexo de Édipo.
A criança, tanto o menino quanto a menina, no decorrer de seu desenvolvimento, pela introjeção de fatores das relações sociais e das figuras parentais, vai mudando o conteúdo da situação de perigo, que se definia pela perda da mãe e pela castração, e agora é causada pelo supereu. Este, que é herdeiro do complexo de Édipo, ocasiona uma angústia vivida como angústia moral, uma reação do eu ao perigo representado pelo supereu.
Freud conclui, no texto "Inibição, Sintoma e Angústia", que para cada fase do desenvolvimento há um determinante de angústia vinculado a algum tipo de perda que sempre remete a uma vivência passada - "É verdade que, à medida que continua o desenvolvimento do eu, as situações de perigo mais antigas tendem a perder sua força e a ser postas de lado, de modo que podemos dizer que cada período da vida do indivíduo tem seu determinante apropriado de angústia. Assim, o perigo do desamparo psíquico é apropriado ao perigo de vida quando o eu do indivíduo é imaturo; o perigo da perda de objeto, até a primeira infância, quando ele ainda se acha na dependência dos outros; o perigo da castração até a fase fálica; e o medo do seu supereu, até o período de latência." (Freud, 1926, p. 166).
Um pouco mais tarde, em sua conferência Angústia e Vida Pulsional, lemos, ainda: "O perigo do desamparo psíquico ajusta-se ao estádio da imaturidade inicial do eu; o perigo de perda de um objeto (ou perda do amor) ajusta-se a falta de auto-suficiência dos primeiros anos da infância; o perigo de ser castrado ajusta-se a fase fálica ; e finalmente, o temor ao supereu, que assume uma posição especial, ajusta-se ao período de latência." (Freud, 1933, p. 111).
FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1996:
____ Conferência XXV - Angústia (1917), vol. XVI.
____ A Organização Genital Infantil: Uma Interpolação na Teoria da Sexualidade (1923), vol. XIX.
____ A Dissolução do Complexo de Édipo (1924), vol. XIX.
____ Algumas Conseqüências Psíquicas da Distinção Anatômica entre os Sexos (1925), vol. XIX.
____ Inibições, Sintomas e Angústia (1926), vol. XX.
____ Conferência XXXII - Angústia e Vida Pulsional ( 1933), vol. XXII.
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