O SUJEITO NA TEORIA DO SIGNIFICANTE
A lógica do significante
Segmento da Tese de doutorado de Maria Cristina da Cunha Antunes:
"O discurso do analista e o campo da pulsão: da falta de gozo ao gozo com a falta" -
UFRJ/PPGTP/RJ/2002
Como ponto de partida, consideramos importante definir a maneira como abordaremos o termo lógica,
indicado no título "A lógica do significante". Seguimos, aqui, a sugestão de LaBarthe e Nancy que
tomam este termo no sentido de “...uma formalização (construção de um algoritmo) que torna possível
um cálculo lógico” (1991,p.42). A formalização implica uma desvalorização do significado, uma ênfase
na operação com letras (MILLER, 1994). O resultado do cálculo lógico é chamado sujeito. A lógica do
significante é, portanto, inseparável de uma teoria do sujeito: este entra, aí, literalizado, ou
seja, como significante. É nesse sentido a afirmativa de Lacan: “... o sujeito é instalado pelo
Outro no seio da linguagem como convenção significante” (LACAN apud LA BARTHE e NANCY, 1991,
p.39)
1 – A lógica do significante
A lógica do significante parte de dois axiomas:
1. o significante não significa nada;
2. o significante representa o sujeito para outro significante.
1.1 - O significante não significa nada
O primeiro axioma – o significante não significa nada – corresponde ao algoritmo lacaniano que
se
constitui a partir do tratamento que Lacan faz incidir sobre o signo saussuriano. Cabe, aqui,
precisarmos que operações são essas e se o algoritmo lacaniano coloca-se numa relação de
continuidade com o signo saussuriano. Acompanhando a posição defendida por Milner (1996), LaBarthe e
Nancy (1991), Arrivé (1994), Juranville (1987), apontamos que o significante, tal como Lacan o
introduz, apresenta uma ruptura, um desvio, em relação ao conceito de significante na lingüística
estrutural. Vejamos que ruptura é essa e como essa operação se realiza.
Saussure, no âmbito do seu objeto – que é a língua – cria a lingüística estrutural, a partir de
uma
teoria do signo. A concepção clássica de signo, que advém de uma teoria finalista, entende que o
signo tem por função representar um objeto. O signo seria um representação e a linguagem um
instrumento para nomear esse objeto, o referente (JURANVILLE, 1987).
Saussure rompe com essa concepção, inaugurando a lingüística estrutural. O gesto que ele
realiza é
uma inversão da posição tradicional do conhecimento em relação ao objeto: em vez de tomar como ponto
de partida a existência do referente – do objeto – e as relações (de semelhança ou de diferença)
serem deduzidas a partir dele, trata-se de considerar as relações de diferença como determinantes
dos seres. Nesta virada, o signo deixa de ser uma representação de um referente. (cf.
"Estruturalismo e ciência moderna")
1.2 - O signo saussuriano e o algoritmo lacaniano
Para Saussure, o signo lingüístico não une uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem
acústica (SAUSSURE apud JACOBSEN, 1995, p.192). Esta abordagem abandona o referente externo e situa
o signo como produto da união entre significante (imagem acústica) e significado (conceito). Esta
união é definida como:
1. arbitrária – a associação entre um significante e um significado não advém de um vínculo
natural
entre eles a partir da realidade
2. necessária – o que significa que um significante não pode ser pensado separado do seu
significado
3. indissociável – uma vez operada na língua, a união entre significante e significado não se
desfaz.
A teoria da relação arbitrária entre significado e significante admite, na sua formulação, a
idéia
de que o significante teria por função representar o significado, que tomaria o lugar do referente
presente na teoria clássica do signo. Esta é a crítica de Lacan: o significante, em Saussure,
continua a ser pensado como uma representação atrelada a um referente (mental). Além disso, esta
abordagem permite a interpretação de uma independência do significado em relação ao significante que
o representa (LACAN, 1998, p. 501).
O signo como obstáculo ao significante: é por esta via que podemos situar a desconstrução que
Lacan
opera sobre o signo saussuriano para fazer advir o algoritmo lacaniano. Como indicamos, o impasse em
relação ao signo situa-se na questão do referente, subjacente na função representativa do signo que,
segundo Lacan, manter-se-ia presente na formulação de Saussure. Este, por um lado, rompe com o
referente externo ao dissociar o signo da coisa; por outro, possibilita o reaparecimento da questão
da referência no interior mesmo do signo, quando assinala a independência do significado e a sua
articulação necessária ao significante.
A linguagem, entendida a partir do signo, fica aprisionada nessa relação necessária, inicial,
entre
significado e significante, provocando, desse modo, aponta Lacan, “...a ilusão de que o significante
responde à função de representar o significado” (1998,p.501).
Segundo LaBarthe e Nancy, Lacan “...trabalha o signo até destruir toda a sua função
representativa,
isto é, a própria relação de significação” (1991,p.47). Assim, o algoritmo lacaniano – que se
escreve S/s – não é o signo saussuriano.
Este trabalho sobre o signo impõe a destruição da sua unidade e se efetiva por um deslocamento
sobre
o significante. Rompendo a indissociabilidade entre significado e significante, o significante não é
mais tomado como um elemento do signo.
Assim, onde Saussure fala da duplicidade do significante e do significado, Lacan propõe a
autonomia
do significante, destruindo a idéia do vínculo necessário e da relação bi-unívoca entre ambos.
Postular a primazia do significante impõe uma transformação ao signo saussuriano, que se
evidencia
na alteração do seu esquema gráfico. A alteração proposta por Lacan abrange:
- a inversão da posição do significante: o significante, no algoritmo lacaniano, passa a ser
notado
com S maiúsculo e ocupa o lugar acima da barra.
- desaparecimento da elipse que circunda o signo e as setas que indicariam a relação necessária
e
indissolúvel entre significante e significado.
- a ênfase na barra: em Saussure esse traço nunca é nomeado e representa a marca da união entre
significado e significante Em Lacan, o traço recebe o nome de barra e indica a resistência, a
impossibilidade da associação entre significante e significado (ARRIVÉ, 1994, p.106).
O ponto crucial no algoritmo lacaniano é a introdução da barra, que destrói a função do
significante
representar o significado e a própria relação de significação. Lacan nos apresenta o significante
extraído da relação de significação. Temos aqui o primeiro axioma da lógica do significante: o
significante não significa nada que inaugura a “ciência” da letra.
O que permite a Lacan realizar esta operação sobre o significante, extraindo-o do campo da
significação? Ela é efeito da leitura de Saussure, a partir da experiência freudiana – a experiência
do inconsciente? Entretanto, parece evidente que a primazia do significante na obra freudiana
explicita-se na medida em que Lacan a recorta como tal. Lacan lê Freud a partir do significante
saussuriano, mas este é completamente transformado pela leitura freudiana. Como sair dessa
circularidade? LaBarthe e Nancy (1991, p.93) expõem esta (in)articulação entre Freud e Saussure e
apontam a necessidade da existência de um terceiro termo que permita a mediação entre ambos.
No que tange à primazia do significante, propomos, como hipótese, que o terceiro termo presente
na
articulação Freud-Saussure é o discurso científico. Lacan, no Seminário 3 (1988), é explícito ao
afirmar que o passo que a ciência moderna deu foi descobrir que o significante não significa nada. A
ciência, para se constituir como moderna, depende de uma lei: ninguém se serve do significante para
significar (LACAN, 1988, p.210). Esta é a lei geral que sustenta a ciência moderna. O significante
está na natureza e é extraído por uma fórmula matemática e, portanto, não significa nada.
Para Lacan (1988, p.211), a noção de que um significante significa algo implica em admitir que
há
alguém que se serve dele para significar. Isso se explicita pela idéia de que Deus estaria no mundo
para nos falar a sua língua. Ora, justamente, o passo dado pela ciência moderna é retirar Deus do
mundo, fazendo calar o significado. Os fenômenos da natureza deixam de ter um significado, não são
mais mensagens de Deus aos homens. O que surge, nesse lugar, é o significante no real, extraído e
articulado em fórmulas matemáticas. A nosso ver, esta é a conseqüência que Lacan explora do corte
discursivo realizado pela ciência moderna: não há mais um Deus que fala e nos envia mensagens cujo
significado devemos decifrar. A natureza se desnuda, para a ciência, como uma escrita matemática,
sem qualquer significado. O significante, no campo da ciência, não significa nada, ele opera no
real.
Poderíamos pensar que a significação – extraída do campo da ciência – concerne ao sujeito. Nesta
passagem que comentamos, Lacan dá indicações noutra direção. A hipótese do sujeito – necessária à
psicanálise – se sustenta no fato de que há alguém que se utiliza do significante não para
significar, mas para enganar sobre o que tem de significar (LACAN, 1988, p.213). Lacan aponta, neste
texto, a dimensão do subjetivo que, segundo ele, não se opõe ao objetivo, não estando do lado do que
fala. A dimensão do subjetivo é encontrada no real. Este aparece no real na medida em que supomos
que há um sujeito capaz de servir-se do significante, do jogo significante. Não para significar, mas
para enganar.
Lacan não explora, neste momento, este comentário sobre o sujeito como real, servindo-se do
significante para enganar – em outras palavras, para inventar - e, portanto, para outros fins que
não a significação. O fio desta meada será retomado, posteriormente, na articulação que Lacan
realiza em torno da noção de escrita e de gozo.
Este comentário de Lacan, no Seminário 3, poderia ser pensado como acidental, como um entre os
vários argumentos que Lacan tece em torno da noção de significante. Por que dar a ele a importância
de um eixo que se repete no trabalho lacaniano? Só é possível fazer isso a posteriori, partindo-se
dos seus textos mais tardios. Acompanhamos, aqui, a própria estratégia de Lacan, que aponta, no
Seminário 3 (1988): é sempre pelo que se segue que é possível compreender um texto. Assim, propomos
tratar a interlocução com o discurso científico como um tema que se repete na obra lacaniana e que
será retomado, com todo o vigor, nos seus últimos seminários com a noção de escrita. O significante
não significa nada é, portanto, o axioma que inaugura a lógica do significante . O significante que
a ciência introduz no real, afeta um sujeito: esta é a descoberta freudiana, que é, portanto,
tributária da instauração da ciência moderna.
A nosso ver, a extração do significante do campo do signo saussuriano (pensado como campo da
significação,a partir da relação indissolúvel entre significado e significante), realizada por
Lacan, deve-se a uma dupla interlocução. Por um lado, Lacan se serve da experiência do inconsciente,
que desvela a autonomia do significante. Por outro, Lacan define o inconsciente como um efeito do
significante, ou seja, o inconsciente é o nome que Freud dá aos efeitos do significante sobre um
sujeito. O significante, extraído do campo da significação, agindo no real, diz respeito ao campo da
ciência: no discurso científico, o significante é uma letra que opera numa fórmula matemática. Como
conseqüência, o campo da instância da letra – o campo do inconsciente – só pode ser pensado a partir
do surgimento do significante no real (esvaziado de qualquer significação), operação realizada pela
ciência moderna.
Lacan não explora, imediatamente, todas as conseqüências deste axioma. O que nos interessa, no
momento, é sublinhar que este eixo se repete na obra de Lacan e será retomado produzindo vários
deslocamentos, novos axiomas. Dentro desta perspectiva, propomos que, num primeiro momento, o axioma
o significante não significa nada articula-se a outro – o significante representa um sujeito para
outro significante – e o significante, nesse momento, é pensado na sua vertente diferencial,
enquanto um elemento da cadeia significante.
1.3 - O significante representa o sujeito para outro significante
Este axioma é tributário do significante pensado como um elemento da cadeia significante. Aqui,
Lacan se serve da lingüística estrutural, especialmente da teoria do valor de Saussure.
Saussure (SAUSSURE apud LEMOS, 1995, p.47) introduz a teoria do valor ao tratar da questão das
unidades lingüísticas e da sua identidade. O valor de um signo é extraído da relação com os demais
signos, ou seja, da posição que ele ocupa no contexto. A concepção de valor remete à noção da língua
como “...um sistema em que os termos são solidários e o valor de um resulta tão somente da presença
simultânea de outros” (SAUSSURE, 1969, p.133). Partindo desta perspectiva, Saussure conclui que
“...na língua só existem diferenças, sem termos positivos” (1969, p.139). Reconhecemos, aqui, o
princípio estruturalista que Milner assim define: “... existe sistema se e somente se existir
diferença; ...nada, portanto, deverá ser levado em conta, para se conhecer uma língua, a não ser a
diferença” (1996, p.80).
Voltemos a Saussure: continuando com a sua argumentação, ele acrescenta que: "Dizer que na
língua
tudo é negativo só é verdade em relação ao significante e ao significado tomados separadamente:
desde que consideremos o signo em sua totalidade, achamo-nos perante uma coisa positiva em sua
ordem" (1969, p.139).
O que significa a expressão o signo em sua totalidade? Saussure esclarece, a seguir:
“...conquanto o
significado e o significante sejam considerados, cada qual à sua parte, puramente diferenciais e
negativos, sua combinação é um fato positivo...”(1969, p.140)
O autor apresenta-nos, portanto, dois campos:
- campo do significante e do significado tomados separadamente e pensados em termos puramente
diferenciais e negativos.
- campo do signo, enquanto uma totalidade (articulação do significante e do significado),
torna-se
um fato positivo.
O que Saussure chama de positivo? Diz ele:
Quando se comparam signos entre si – termos positivos – não se pode mais falar de diferença; a
expressão seria imprópria... dois signos que comportam cada qual um significado e um significante
não são diferentes, mas são somente distintos. Entre eles existe apenas oposição ( SAUSSURE, 1969,
p.140).
A leitura de Lacan recorta, faz sobressair a dimensão puramente negativa do significante.
Trata-se
do significante esvaziado do significado e posto em relação com outro significante. Nesse sentido, o
significante não é isolável (LACAN, 1988, p.296) e só pode ser pensado numa relação necessária com
outro significante.
Esta duplicação do significante – que é a relação binária (S¹ - S²) – é a própria relação de
diferença. Conforme LaBarthe e Nancy apontam, não se trata de pensar que o significante se divide em
lugares, mas sim que ele divide os lugares, os institui. Assim, dizem eles “não há divisão por
existir matéria, mas sim, existe matéria por haver divisão” (LA BARTHE e NANCY, 1991, p.50). Desse
modo, os significantes homem/mulher não se inscrevem por remeter ao significado (aos conceitos de
homem e de mulher), mas inscrevem-se enquanto diferença.
Esta argumentação coloca o campo do significante organizado por uma Lei – a Lei da diferença
sexual.
Trata-se da Lei da castração: um lugar oposto ao outro (homem diferente de mulher) simboliza a
presença/ausência do falo (LA BARTHE e NANCY, 1991, p.53). Neste momento do trabalho de Lacan, a
dimensão do significante é, portanto, tributária da lógica fálica. É a Lei da castração – da
diferença sexual – que organiza o encadeamento significante como tal. Como efeito desse encadeamento
temos o comparecimento do sujeito que se constitui como uma significação. O sujeito comparece como
efeito de uma metáfora, que Lacan denomina de metáfora paterna.
Por outro lado, o significante pensado enquanto relação de diferença remete-nos ao campo da fala
(LACAN, 1988, p.78). É no âmbito da fala que o Outro emerge como necessário: o Outro enquanto
instituidor do contrato da fala, que sustenta e garante a fala do sujeito.
Miller, no livro Matemas II (1994), analisa o esforço teórico de Lacan em fazer da estrutura da
palavra (da fala) – que implica o Outro – e da estrutura da linguagem – a cadeia significante – uma
só estrutura. Já apontamos que é a partir da estrutura da palavra que a noção lacaniana do Outro
impõe-se e na qual o sujeito situa-se: a partir do Outro, o sujeito recebe a sua mensagem de forma
invertida.
Lacan reúne as duas estruturas – palavra e linguagem – numa só, ao assinalar que o conjunto dos
significantes, que a estrutura de linguagem obriga a isolar, situa-se no lugar do Outro, na
estrutura da palavra. Esse Outro decide o sentido do que é dito e, assim, por ser o destinatário da
mensagem, é também o lugar do código que permite decifrá-la. Desse modo, o sujeito constitui-se na e
pela fala no campo do Outro, que é a própria estrutura de linguagem.
Miller, no Seminário Os signos do gozo (1998), destaca que, neste primeiro momento do seu
ensino,
Lacan explora a articulação simbólico – imaginária, pela via da estrutura da palavra e da linguagem.
Miller (1998, p.291) sublinha que esta articulação põe em primeiro plano o efeito de significado e a
relação com o Outro. Este, nesse momento, é um elemento fundamental que funda a possibilidade da
palavra: fala-se sempre para o Outro. Como efeito dessas articulações, temos as definições de Lacan
do inconsciente como discurso do Outro e do desejo do sujeito como desejo do Outro.
O Outro não é o semelhante, o outro da relação dual, como na dialética do reconhecimento de
Hegel. O
fenômeno da palavra, aponta Miller (1998), coloca em evidência que a relação analítica não é uma
relação a dois. O terceiro elemento, como a palavra – o simbólico – obriga a agregar o Outro
(MILLER, 1998, p.370). Nesse sentido, opera-se uma identidade entre simbólico e o Outro (Ibid.., p.
414), como o tesouro dos significantes e, ao mesmo tempo, como garante da fala, da palavra. Podemos
resumir toda esta argumentação, assinalando que, partindo-se da articulação simbólico (linguagem)-
imaginário (fala), o Outro é a condição necessária.
Miller (1998, p.418) assinala que este Outro não está suficientemente dessubjetivado, já que ele
se
constrói à semelhança do outro, mesmo quando se faz dele um lugar: o lugar dos significantes.
O correlato do Outro é o sujeito, tomado como $. Não há como pensar-se $ sem o Outro. No campo
do
Outro, o sujeito é representado por um significante para outro significante e advém como
significação. Miller (1998) faz equivaler a significação ao efeito de sujeito. Desse modo, na
articulação simbólico-imaginário, o sujeito é uma significação que advém do discurso do Outro. Nessa
vertente, o sujeito é sempre falta- a- ser e comparece como morto, mortificado na cadeia
significante. Utilizamos aqui o termo morto como sinônimo de extração, perda de gozo. O sujeito
alienado na cadeia significante paga o preço da perda de gozo.
Nesse momento do ensino de Lacan, o falo é o operador que articula o simbólico – o Outro como o
tesouro dos significantes e lugar de onde a mensagem ao sujeito é emitida – ao complexo de Édipo e
de castração. Lacan precisa que o falo não é um efeito do imaginário, nem um objeto, ou o pênis
(LACAN apud MILLER, 1998, p.696). O falo é um significante. Enquanto tal, é do lugar do Outro que o
sujeito tem acesso a ele, embora, aí, ele só se encontre velado como razão do desejo do Outro
(Ibid., p.700). A experiência fundamental para o infante é, justamente, descobrir que a mãe não tem
o falo, ou seja, é a experiência do falo enquanto ausência, falta, e é isso que a castração
engendra. Lacan define, no Seminário 3 (1988, p.201), o complexo de castração como os efeitos da
dissimetria simbólica em torno do falo. Esta dissimetria significa a ausência de um significante
para o feminino que fizesse par com o falo, enquanto representante do masculino. Nesse sentido, o
falo é o significante da diferença sexual para os dois sexos.
Neste processo, a partir da Lei (da castração) introduzida pelo pai, o sujeito se constitui
enquanto
falta-a-ser (MILLER, 1998, p.701), que, por um lado, é a condição do desejo e, por outro, indica um
resto, uma perda de gozo. Assim, na significantização do sujeito, ou na sua simbolização – na medida
em que ele é representado por um significante para outro – há um resto perdido que não entra no
encadeamento significante, não podendo, portanto, ser significado.
O complexo de Édipo diz respeito ao pai, enquanto representante de uma Lei que está na origem
(LACAN, 1988, p.100)) e, segundo a qual, a sexualidade humana deve realizar-se. Há, portanto, uma
lei fundamental, que é uma lei de simbolização: fazer o sujeito ser representado por um significante
para outro significante e, nesse sentido, constituir-se como $, como falta-a-ser, marcado pela
castração: "O simbólico dá uma forma na qual se insere o sujeito no nível do seu ser. É a partir
daí, do significante, que o sujeito se reconhece como isto ou aquilo" (LACAN, 1988, p.205).
A arquitetura deste edifício teórico sustenta-se na primazia do simbólico e na noção da falta do
objeto. No Seminário 3, Lacan (1988, p.202) aponta o buraco no simbólico, que ele articula à
impossibilidade de simbolização do sexo feminino. No Seminário 4 (1995, p.37), ele introduz a noção
de privação, que aponta a falta do objeto simbólico. Na privação, trata-se da ausência de algo no
real., Essa ausência é um efeito do significante (Ibid., p. 38), já que ao real não falta nada.
Conceber que o real poderia ser diferente do que é já é um efeito da ação do significante, ou seja,
“...indicar que algo não está ali é supor sua presença possível, o que significa introduzir o
significante no real para recobri-lo e perfurá-lo”(Ibid., p.225). A noção de privação implica uma
referência à anterioridade e à primazia do simbólico (Ibid., p.55). Nesse sentido, tudo o que é
humano gira em torno dessa falta do objeto que o significante inaugura. Dessa falta, o falo é o
significante.
A castração – articulada ao Édipo, é a operação que permite subjetivar essa falta. O pai – como
agente da castração – promove o corte, a perda do objeto imaginário (falo imaginário), transmitindo,
pela sua palavra, o falo simbólico, que é a falta do objeto. Em outras palavras, o que o pai
transmite é que o objeto falta: esta é a Lei da qual ele é o representante.
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