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Laboratório de Ensino

A CIVILIZAÇÃO E A RENÚNCIA PULSIONAL

Juliana Sobral de Oliveira   
 

O tema do antagonismo entre as exigências pulsionais e as restrições da civilização pode ser remontado a alguns antigos trabalhos psicológicos de Freud. Em 1897, Freud escreveu a Fliess que “o incesto é anti-social e a civilização consiste numa progressiva renúncia a ele” (Freud, 1950a (1950a [1887-1902]). Em 1898, no artigo ‘Sexuality in the Aetiology of the Neuroses”, escreveu que ‘podemos com justiça responsabilizar nossa civilização pela disseminação da neurastenia’.

O primeiro texto, no entanto, a referir-se especificamente ao caráter social da repressão é o artigo de 1908 sobre A Moral sexual ‘Civilizada’ e Doença Nervosa Moderna, no qual Freud afirma que a nossa cultura “repousa sobre a coerção das pulsões” (Freud, 1908, p.192) e que nós renunciamos a uma parcela das tendências vingativas e agressivas da nossa personalidade em prol de uma propriedade comum civilizada. As sanções religiosas e os regulamentos sociais são os fatores que, no curso da história, obrigaram a um grau cada vez maior de frustração, em especial das pulsões sexuais.

Neste artigo de 1908, Freud propõe que a frequência das neuroses na sociedade moderna se deve ao fato da civilização restringir de tal maneira a expressão das tendências sexuais, que elas, uma vez recalcadas, voltam-se contra o sujeito sob a forma de angústia, originada de um excesso de libido acumulada por causa das restrições sociais.

Com a inferência do caráter social da repressão, Freud parte também da idéia de que a cultura determina as modalidades de satisfação sexual permissível e cerceia outras modalidades (como a perversão e a homossexualidade). Os padrões de civilização exigem de todos uma idêntica conduta sexual.

Em 1908 a neurose era atribuída às restrições que nos são impostas na vida sexual pela moral sexual e civilizada. O sujeito teria que fazer uma renúncia pulsional em prol das construções culturais. Dessa forma, “o incremento das doenças nervosas em nossa sociedade provém da intensificação das restrições sexuais” (Freud, 1908, p.199)

Podemos resumir a caracterização social do recalque que aparece neste artigo de 1908 dizendo que a cultura restringe de tantas maneiras o exercício da sexualidade, que a parte dela incapaz de ser desviada para a sublimação (orientação da sexualidade para fins não sexuais propriamente ditos) termina por engendrar, num número de casos elevados, a predisposição à neurose.

Em 1930, no texto O mal-estar na civilização, Freud analisa a civilização sob o ponto de vista de uma relativa autonomia da pulsão de morte (cuja energia não é a libido) e reconhece a onipresença da agressividade e destrutividade humanas. Segundo Freud, a existência da inclinação à agressão “constitui o fator que perturba nossas relações com o próximo e que obriga a civilização a um dispêndio grande de energia” (Freud, 1930, p.134). Seria, portanto, em consequência desta primitiva hostilidade mútua entre os seres humanos que a sociedade civilizada estaria “perpetuamente ameaçada de desintegração.” (Freud, 1930, p.134). A inclinação para a agressão, segundo Freud, é uma disposição original e auto-subsistente.

Como, então, tornar inócua essa destrutividade originária no ser humano que impediria o processo civilizatório? Segundo Freud, essa destrutividade é interiorizada, reenviada a seu próprio eu, transformada em superego. Temos então os dois outros temas de grande importância neste texto de 1930 que são o sentimento de culpa e o superego.

Da tensão entre o superego tirânico (representante da cultura) e o eu que a ele se submete, engendra-se o mal-estar na cultura. O sentimento de culpa seria, portanto, o mais importante problema no desenvolvimento da civilização.

A civilização consegue o controle sobre os desejos perigosos do indivíduo estabelecendo uma instância dentro dele que o vigia. O superego é uma instância inferida por Freud cuja função consiste em manter uma vigilância sobre as ações e intenções do ego, bem como julgá-las, exercendo uma censura. O fortalecimento do superego não advém apenas do recalque do investimento libidinal mas também das consequências da renúncia agressiva.

Freud propõe duas origens para o sentimento de culpa: uma que surge do medo da autoridade externa (que insiste numa renúncia às satisfações pulsionai) e a outra, posterior, que surge do medo do superego. A severidade do superego é uma continuação da severidade da autoridade exterior, à qual sucedeu e parcialmente substituiu. O superego é, portanto, o grande representante da civilização no mecanismo de renúncia pulsional.

Se nos textos anteriores Freud apresentava o sentimento de culpa como uma reação à sexualidade, em 1930 ele é enfatizado como uma reação à destrutividade. Com isso, Freud afirma neste texto que a civilização exige sacrifícios e impõe restrições não apenas à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade.


Freud, S.
_____. Moral Sexual ‘Civilizada’ e Doença Nervosa Moderna (1908)in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol IX, Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_____. O mal-estar na civilização1930[1929])) in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol XXI, Rio de Janeiro: Imago, 1980.
Mezan, Renato. Freud: A Trama dos Conceitos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

Laplanche e Pontalis. "Vocabulário de Psicanálise". sob a direção de Daniel Lagache; [tradução Pedro Tamen]. – 3a ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1998.

 

 

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