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Laboratório de Ensino


PROCESSOS PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO

Roberta Guimarães D'Assunção e Juliana Sobral de Oliveira  
 

A distinção feita por Freud entre processo primário e processo secundário é contemporânea da descoberta dos processos inconscientes. Está presente desde o Projeto para uma psicologia científica (1895), é desenvolvida no capítulo VII de A Interpretação de sonhos (1900) e permanece como uma referência imutável do pensamento freudiano. (Laplanche e Pontalis, 1996:371/372)

Freud definiu dois modos de funcionamento do aparelho psíquico:

a) do ponto de vista tópico: o processo primário caracteriza o sistema inconsciente e o processo secundário caracteriza o sistema pré-consciente- consciente.

b) do ponto de vista econômico-dinâmico: no caso do processo primário, a energia psíquica escoa-se livremente, passando sem barreira de uma representação para outra segundo os mecanismos de deslocamento e de condensação. No caso do processo secundário, a energia começa por estar "ligada" antes de se escoar de forma controlada; a satisfação é adiada, permitindo assim experiências mentais que põem à prova os diferentes caminhos possíveis de satisfação. (Laplanche e Pontalis, 1996:371)

Em Projeto para uma psicologia científica (1895), Freud menciona pela primeira vez a distinção entre processos primário e secundário. Mesmo na concepção biológica do Projeto, Freud não assimila a "função" primária (arco-reflexo - descarga imediata e total da quantidade de excitação) e a "função" secundária (ação específica) do organismo aos "processos" primário e secundário, pois os considera como duas modalidades de funcionamento do psiquismo. (Laplanche e Pontalis, 1996:373).

Em seu livro A Interpretação de sonhos (1900), Freud distinguiu dois tipos de processos psíquicos na formação dos sonhos: um que produz os pensamentos oníricos "racionais", semelhantes ao pensamento normal; e outro que corresponde ao tratamento dado a esses pensamentos, o qual é desconcertante e "irracional".

Com o objetivo de compreender mais profundamente os processos "irracionais" envolvidos na formação dos sonhos, Freud lança mão das descobertas feitas no campo das psiconeuroses, principalmente, sobre a histeria. Conclui que assim como, na histeria, "uma cadeia de pensamento normal só é submetida a esse tratamento psíquico anormal que vimos quando um desejo inconsciente, derivado da infância e em estado de recalcamento, se transfere para ela", na teoria dos sonhos, um desejo inconsciente é a força motivadora para a elaboração onírica. (Freud, 1900:624).

Este tratamento psíquico anormal dado a uma cadeia de pensamento normal é o que chamamos de processo primário, isto é, o modo de funcionamento próprio do inconsciente, particularmente evidenciado pelo sonho, que caracteriza-se não por uma ausência de sentido, como afirmava a psicologia clássica, mas por um incessante deslizar de sentido. Os mecanismos que se encontram em ação neste processo de elaboração onírica são, por um lado, o deslocamento (pelo qual, a uma representação muitas vezes aparentemente insignificante podem ser atribuídos todo o valor psíquico, o significado e a intensidade originalmente atribuídos a outra) e, por outro lado, a condensação (onde numa representação única podem confluir todos os significados trazidos pelas cadeias associativas que se cruzam ali).

A partir do estudo dos mecanismos do sonho ou do sintoma histérico, Freud postulou que o processo primário, através da descarga de excitação, procura estabelecer uma identidade perceptiva com a primeira experiência da satisfação (o que caracteriza o conceito de desejo neste momento da obra freudiana), enquanto que o processo secundário, o que podemos relacionar ao denominado pensamento normal, por um mecanismo indireto, procura estabelecer uma identidade de pensamento com tal experiência de satisfação.

No registro dos processos secundários, portanto, o pensamento visa a "(...) uma catexia idêntica da mesma lembrança, que se espera atingir mais uma vez por intermédio das experiências motoras." (Freud, 1900:628) Para isso, esse processo de pensamento deve deixar de funcionar unicamente sob o princípio do prazer, restringindo até o mínimo possível o desenvolvimento do desprazer produzido pela atividade de pensamento, e "(...) se interessar pelas vias de ligação entre as representações sem se deixar extraviar pelas intensidades dessas representações", que resultaria numa atividade alucinatória. (Freud, 1900:628) Por outro lado, os processos primários provocam um desvio do caminho traçado pelos processos secundários (identidade de pensamento), por intermédio de condensações de idéias e estruturas de compromisso, marcadas pelo funcionamento do princípio do prazer, e que atingem o andamento da vida mental "normal".

Portanto, os processos irracionais inconscientes de que falávamos são os processos primários, modos de funcionamento do aparelho psíquico, os quais entram em ação quando idéias são abandonadas às suas próprias excitações, podendo ser carregadas pela energia não inibida do inconsciente. Estes processos, quando inibidos, provocam um aumento de energia, que pode ser observado na formação de chistes, e podem transparecer para a consciência na ligação dos pensamentos pré-conscientes às palavras na forma de confusões, deslocamentos, enfim, atos falhos.

Vimos anteriormente que os processos primários são o modo de funcionamento do sistema inconsciente e que os processos secundários referem-se aos sistemas consciente e pré-consciente. Em 1915, no texto O Inconsciente, quando Freud traz concepções mais refinadas em relação às características dos diferentes sistemas, afirma que os processos psíquicos do inconsciente apresentam características especiais, diferentes do sistema consciente.

Para definir as características dos processos que operam no inconsciente, Freud lança mão inicialmente de observações suas realizadas em A Interpretação de sonhos, de 1900. O núcleo do inconsciente é constituído por representantes da pulsão os quais procuram descarregar seu investimento, isto é, um núcleo primordial que consiste em impulsos carregados de desejo. Os representantes pulsionais operam no inconsciente de forma coordenada e "existem lado a lado sem se influenciarem mutuamente" (Freud, 1915:191), de modo que pulsões carregadas de desejos com finalidades distintas não entram em contradição, mantendo-se ativas e procurando uma finalidade intermediária. Isso é possível também porque o sistema inconsciente não funciona sob a lógica da certeza, nele não há negação como ocorre no consciente, através do recalque.

As intensidades desses investimentos são bastante móveis pois estão regidas pelos processos primários de funcionamento que são o deslocamento de uma quota de afeto de uma idéia para outra e condensação do investimento de várias idéias em uma só idéia. Outra característica do inconsciente é a atemporalidade, isto é, seus processos de funcionamento não obedecem a uma ordem cronológica e não se alteram com o tempo.

Os processos psíquicos primários funcionam sob o princípio do prazer, pelo qual a realidade externa cede lugar à economia pulsional, ou seja, à regulação prazer-desprazer. E aparecem sob a forma de sonho ou dos fenômenos neuróticos, pois são "incapazes de conduzir sua existência" (Freud, 1915:192) em função da soberania do sistema pré-consciente no que se refere à motilidade e ao acesso à consciência. O pré-consciente funciona através dos processos psíquicos secundários, a partir dos quais as idéias investidas de desejo são inibidas de descarga e os processos de deslocamento e condensação são bastante restritas ou inoperantes. Ao contrário do que se passa no inconsciente, ocorre que no sistema pré-consciente, os processos secundários atribuem uma referência temporal e efetuam uma comunicação entre os conteúdos ideacionais, estabelecendo censuras e funcionando sob a lei do princípio de realidade.

Verificamos que a oposição entre processo primário e processo secundário corresponde à oposição entre os dois modos de circulação da energia psíquica: energia livre e energia ligada, e deve também ser posta em paralelo com a oposição entre princípio de prazer e princípio de realidade, bem como obedece à divisão e às características dos sistemas inconsciente e pré-consciente-consciente.

 

Freud, S. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.Rio de Janeiro:Imago, 1996.
_____ Projeto para uma psicologia científica (1950 [1895]), seções 16, 17 e 18 da Parte I e Seção 3 da Parte III
_____Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905)
_____ A Interpretação de sonhos (1900), capítulo VII
_____ Dois Princípios do Funcionamento Mental (1911)
_____ O Inconsciente (1915), seção V
_____ O ego e o Id (1923), capítulo V
_____ A Negativa (1925)
_____Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (1933 [1932]), Conferência XXXII
_____ Esboço de Psicanálise (1940 [1938]), capítulo VIII

Laplanche e Pontalis. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Roudinesco e Plon. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

 

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