O conteúdo desta página requer uma versão mais recente do Adobe Flash Player.

Obter Adobe Flash player

 

Laboratório de Ensino

MASOQUISMO

Roberta Guimarães D'Assunção 
 

O termo masoquismo foi criado por Richard von Krafft-Ebing, em 1886, com seu livro Psychopathia sexualis, para designar uma perversão sexual em que a satisfação provém do sofrimento do sujeito em estado de humilhação. A partir do nome do escritor austríaco Leopold von Sacher-Masoch a palavra masoquismo foi evidenciada.

Freud adota este neologismo para qualificar o estranho desejo de sofrer, ampliando seu emprego para além das perversões sexuais. Desejo que reconheceu em rudimentos da sexualidade infantil e observou em diversos comportamentos sexuais, descrevendo, ainda, derivações da forma original como o masoquismo moral.

No entanto, do ponto de vista da economia psíquica, uma tendência masoquista na vida pulsional de um indivíduo pode ser considerada apropriadamente como algo misterioso se levarmos em conta o princípio de prazer. Freud afirma isso em 1924: "Pois se os processos mentais são governados pelo princípio do prazer de modo tal que o seu primeiro objetivo é a evitação do desprazer e a obtenção do prazer, o masoquismo é incompreensível." (Freud, 1924, p. 199)

Notemos que a dor e o desprazer não são, no caso do masoquismo, formas de advertência, mas o objetivo. O princípio de prazer, guardião de nossa vida, parece estar paralisado sob esta tendência ao desprazer. Em relação a essa questão paradoxal, Freud se vê obrigado a relacionar o princípio do prazer às pulsões de vida (libidinais) e às pulsões de morte (destrutivas), uma vez que sua primeira teoria das pulsões parecia não dar conta deste problema econômico que está por trás do masoquismo.

Em primeiro lugar, faz-se necessário distinguir o princípio de prazer do princípio de Nirvana. Enquanto este último foi definido, em "Além do princípio de prazer" (1920), como uma tendência no sentido da estabilidade inteiramente a serviço da pulsão de morte, o princípio de prazer é, desde 1900 em sua versão princípio de prazer-desprazer, o regulador das tensões psíquicas provenientes de estímulos exógenos ou endógenos. Até aqui o desprazer coincide com uma elevação da tensão psíquica e o prazer com o rebaixamento dessa tensão.

O problema está no fato de que há tensões prazerosas e relaxamentos desprazerosos de tensão. Por isso, não podemos dar ao aumento ou diminuição dos estímulos um sentido imediato de prazer e desprazer. Parece que o prazer e o desprazer dependem de outra característica, diferente do fator quantitativo, e que só podemos descrever como qualitativa.

No entanto, podemos perceber que o princípio de Nirvana experimentou uma modificação nos organismos vivos através da qual tornou-se o princípio de prazer. Modificação cuja origem é a libido, a qual apoderou-se de uma parte da regulação dos processos da vida. Podemos inclusive pensar que a libido uniu-se à pulsão de morte, regida pelo princípio do Nirvana, de modo a amansar seus objetivos destrutivos.

Não há exatidão na explicação dos meios pelos quais ocorrem esse amansamento da pulsão de morte pela libido. Pode-se presumir, considerando que haja uma fusão das pulsões de morte e de vida, que em certos momentos, sob determinadas influências, possa ocorrer uma desfusão delas. De acordo com isso, parte das pulsões de morte poderia ser desvinculada da libido, isto é, parte delas recusaria-se a ser amansada pela libido.

Em 1905, em "Três ensaios sobre a Teoria da Sexualidade", ao falar sobre a sexualidade infantil, Freud apresentou a seguinte proposição acerca do prazer obtido a partir da dor: "no caso de um grande número de processos internos a excitação sexual surge como um efeito concomitante, tão logo a intensidade desses processos passe além de certos limites quantitativos". (Freud, 1905, p. 210) A excitação de dor e desprazer, mesmo que não tenha grande intensidade, poderá ter o mesmo resultado. A excitação sexual resultante da tensão proveniente da dor seria um mecanismo infantil deixado de lado mais tarde. Esse mecanismo forneceria a fundação sobre a qual a estrutura do masoquismo seria erigida posteriormente.

Essa explicação torna-se problemática quando procuramos lançar luz sobre o correspondente do masoquismo na vida pulsional, o sadismo. Com a primeira teoria das pulsões, uma nova dimensão é dada ao masoquismo. Em seus "Artigos sobre a técnica" (1915), quando apresenta a pulsão como um dos conceitos fundamentais para a Psicanálise, Freud aborda o masoquismo e seu correspondente na vida pulsional, o sadismo, para exemplificar um dos processos pelo qual uma pulsão é revertida a seu oposto. Uma pulsão tem esse destino também quando há uma mudança da atividade para a passividade. Neste momento da obra, supunha-se que o masoquismo era uma transformação da pulsão sádica original, ou seja, partindo da atividade sádica a pulsão toma a direção passiva do masoquismo.

Mais especificamente: "O retorno de um instinto em direção ao próprio eu (...) do indivíduo se torna plausível pela reflexão de que o masoquismo é, na realidade, o sadismo que retorna em direção ao próprio ego do indivíduo (...)" (Freud, 1915, p. 148)

Assim, na primeira tópica freudiana, o comportamento sádico-masoquista repousa num sadismo originário, que inicialmente investe um objeto externo e pode sofrer uma inversão da agressividade dirigida ao objeto externo para a agressividade dirigida ao ego. Dessa forma, um "(...) masoquismo primário, não derivado do sadismo na forma que descrevi, não parece ser encontrado." (Freud, 1915, p. 149) Baladier resume a primeira concepção freudiana do masoquismo como uma derivação de um sadismo anterior ao afirmar que este "não passaria, constitutivamente, de uma sadização de si mesmo." (Baladier apud Kaufmann, 1996, p. 323)

Já em 1919, no texto sobre a origem das perversões sexuais entitulado "Uma criança é espancada", mesmo que tenha anunciado as novas proposições da teoria das pulsões, Freud permanece afirmando não existir um masoquismo primário. Escreve ele sobre a gênese do masoquismo: "(...) parece haver confirmação do ponto de vista de que o masoquismo não é a manifestação de um instinto primário, mas se origina do sadismo que foi voltado contra o eu (...)". (Freud, 1919, p. 241)

A introdução da segunda tópica freudiana, em 1920, traz consigo uma correção de grande importância para a confirmação do novo dualismo pulsional que se apresentava. Freud escreve em poucas linhas: "A descrição anteriormente fornecida do masoquismo exige uma emenda por ter sido ampla demais sob um aspecto: pode haver um masoquismo primário, possibilidade que naquela época contestei." (Freud, 1920, p. 75)

Por masoquismo primário entendamos um estado em que a pulsão de morte, vinculada à libido, é ainda dirigida para o próprio sujeito. O masoquismo primário estaria relacionado a um tempo em que a agressividade não estaria voltada para um objeto externo. Diferentemente do conceito de masoquismo secundário, que seria o retorno de um sadismo, primeiramente dirigido a um objeto externo, sobre a própria pessoa.

Caberia à libido tornar inofensiva a pulsão de morte (tendência do organismo à desintegração), missão que é realizada desviando essa pulsão destruidora para fora, no sentido dos objetos do mundo externo. O sadismo seria a parte dessa pulsão, desviada, que é colocada a serviço da função sexual. No entanto, uma outra parte dessa pulsão não é desviada para fora e fica libidinalmente presa dentro do organismo. Nesta parte, podemos identificar o masoquismo primário.

O masoquismo primário, resultante da fusão da pulsão de morte e da libido dirigidas para o eu, é equivalente ao masoquismo erógeno, condição estruturante imposta à excitação sexual. Sobre este derivam-se duas formas: o masoquismo feminino, expressão da natureza passiva; e o masoquismo moral, norma de comportamento.

O masoquismo erógeno é o que resta da pulsão de morte, que tornou-se componente da libido e tem como objeto o eu, após parte dela ser deslocada para fora. Este masoquismo seria prova e remanescente da fase em que se efetuou a aglutinação entre as pulsões de vida e de morte. Este tipo de masoquismo consiste resumidamente no prazer a partir da dor e está unido à libido em todas as fases do desenvolvimento sexual, conforme descrito em 1905. Em todas as fases de organização da libido podemos verificar um componente sádico. Na fase oral, o "medo de ser devorado pelo animal totêmico (o pai)"; a fase anal-sádica é fonte do "desejo de ser espancado pelo pai"; o estádio fálico engendra a fantasia da castração, e do estádio genital surgem as características femininas, "as situações de ser copulado e de dar nascimento". (Freud, 1924, p. 206)

A partir do masoquismo erógeno há condições de aparecimento dos modos feminino e moral de masoquismo.

Em primeiro lugar, um esclarecimento se faz necessário. Não podemos confundir o masoquismo feminino com um masoquismo próprio da mulher. Freud o entende como uma espécie de fantasia em relação à posição passiva, que tem representação no feminino. O masoquismo feminino é sexualizado, o que podemos verificar nas fantasias de ser copulado, de dar à luz, enfim, fantasias que giram em torno da castração, que incide sobre a mulher e sobre o menino ao final do Édipo, sob a ameaça de castração. Os desempenhos sexuais no masoquismo feminino são, de fato, apenas uma execução das fantasias em jogo, sejam elas ser amordaçado, maltratado, forçado à obediência, entre outras fantasias de sofrimento. Estes desempenhos podem servir como um fim em si próprio ou servir para induzir potência e conduzir ao ato sexual.

O masoquismo feminino esta relacionado com a sexualidade infantil. Escreve Freud: "A interpretação óbvia, à qual facilmente se chega, é que o masoquista deseja ser tratado como uma criança pequena e desamparada, mas, particularmente, como uma criança travessa." (Freud, 1924, p. 202) Casos em que fantasias masoquistas foram mais ricamente elaboradas permitem que se observe o indivíduo numa posição caracteristicamente feminina, ou melhor, no que esta tem representado por uma passividade, como as fantasias de ser castrado, copulado ou dar à luz um bebê. Daí a denominação de masoquismo feminino, embora reconheçamos que muitas de suas características apontem para a vida infantil.

Encontramos um sentimento de culpa expresso nessas fantasias masoquistas, que nos conduz à terceira forma de masoquismo, a moral.

No masoquismo moral, o "(...) próprio sofrimento é o que importa", podendo ele ser decretado pela pessoa amada ou por alguém indiferente e, ainda, podendo ser causado pelas circunstâncias. "(...) o verdadeiro masoquista sempre oferece a face onde quer que tenha oportunidade de receber um golpe." (Freud, 1924, p. 206) Ao contrário dos outros tipos de masoquismo, nos quais os sofrimentos devem vir da pessoa amada que ordena a submissão, o masoquismo moral não tem vinculação com a sexualidade que conhecemos.

Freud esclarece essa questão complexa, lançando mão do chamado "sentimento inconsciente de culpa", do conceito de superego e de suas articulações com a vida pulsional e a questão do ego, incondicionalmente dominado pela pulsão.

Inicialmente, descreve como a reação terapêutica negativa é uma das formas mais sérias de resistência, na qual comparece a pulsão de morte. Aquilo que é descrito como sentimento inconsciente de culpa, e que está para além do princípio de prazer, justamente opõe-se ao desejo de restabelecimento e fornece um lucro da doença. Com o conceito de pulsão de morte, o masoquismo passa a ser considerado a tendência do ego ao confrontar-se com sua falta de autonomia frente à força pulsional. A saída do ego é manter um certo grau de sofrimento como forma de se proteger da pulsão de morte.

O masoquismo moral, inconsciente, pode ser relacionado com o "sentimento inconsciente de culpa". Este traduzido como "(...) uma necessidade de punição às mão de um poder paterno", explica as fantasias masoquistas freqüentes de ser espancado pelo pai, o que aponta para um desejo muito próximo de ter uma relação sexual passiva com o pai. (Freud, 1924, p. 211) Com isso, o conteúdo do masoquismo moral torna-se claro: a consciência moral surge com a superação, a dessexualização do complexo de Édipo e o masoquismo moral traz de volta essa moralidade sexualizada juntamente com a revivescência do complexo de Édipo e a regressão a ele. Mesmo que, no masoquismo, o senso ético possa permanecer preservado, mesmo que não totalmente, a consciência moral poderá ter-se desvanecido. Desse modo, o masoquismo pode "criar uma tentação a efetuar ações 'pecaminosas'", as quais podem ser expiadas pela censura sádica ou pelo castigo do Destino, este pertencente à série do grande poder parental. (Freud, 1924, p. 211) A punição pelo Destino é conseguida a duras penas pelo masoquista, que age contra si próprio numa corrida contra a boa sorte, ao encontro da ruína das perspectivas abertas no mundo real.

Já o sadismo que retorna ao eu, aparecendo numa intensificação do masoquismo, pode ser explicado pela "supressão cultural dos instintos", que impede o exercício, em vida, dos impulsos destrutivos do indivíduo. A destrutividade que retorna também pode ser assumida pelo superego que aumenta seu sadismo contra o ego. O sadismo superegóico e o masoquismo do ego são suplementares. Assim, compreendemos que a supressão de uma pulsão ou a abstinência da agressão contra os outros pode resultar num sentimento inconsciente de culpa ou numa consciência mais severa e sensível. A origem do senso ético somente pode ser explicada se entendermos que a "(...) primeira renúncia pulsional é forçada por poderes externos (...)" e, com a criação e a exigência do senso ético, uma posterior renúncia pulsional pode acontecer. (Freud, 1924, p. 212)

FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1980:

____ Três ensaios sobre a sexualidade (1905)
____ Os instintos e suas vicissitudes (1915)
____ Uma criança é espancada (1919)
____ Além do princípio do prazer (1920)
____ O ego e o id (1923)
____ O problema econômico do masoquismo (1924)

Kaufmann, P. "Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud a Lacan". tradução, Vera Ribeiro, Maria Luiza X. de A. Borges; consultoria, Marco Antonio Coutinho Jorge. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.

Laplanche e Pontalis. "Vocabulário de Psicanálise". sob a direção de Daniel Lagache; [tradução Pedro Tamen]. - 3a ed. - São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Roudinesco e Plon. "Dicionário de Psicanálise". tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhães; supervisão da edição brasileira Marco Antonio Coutinho Jorge. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

 

 

O conteúdo desta página requer uma versão mais recente do Adobe Flash Player.

Obter Adobe Flash player