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A psicanálise e o real nosso de cada dia

Psychoanalysis and our daily real


La psychanalyse et notre reel de ce jour


Andréa Martello

Pós-doutoranda (FAPERJ) do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Brasil)
Doutora em Teoria Psicanalítica / UFRJ (Rio de Janeiro, Brasil)
Psicanalista Associada ao Instituto Sephora de Ensino e Pesquisa de Orientação Lacaniana (Rio de Janeiro, Brasil)
E-mail: deamartello@gmail.com


  Resenha do livro:
 

COELHO DOS SANTOS, T.; SANTIGO, J.; MARTELLO, A. (Orgs.) De que real se trata na clinica psicanalítica? Psicanálise, ciência e discursos da ciência.  Rio de Janeiro: Ed. Cia de Freud, 2012, 401 páginas.

O livro De que real se trata na clinica psicanalítica? Psicanálise, ciência e discursos da ciência (2012) se apresenta ao público como importante marco no assentamento das linhas de pesquisas desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da UFRJ.   Financiado com recursos da PROAP/CAPES, CNPq e FAPERJ, apresenta artigos importantes acerca dos fundamentos históricos e metodológicos da psicanálise, principalmente em sua relação com a ciência, bem como se mostra atualizado em relação à teoria da clinica e das relações entre psicanálise e sociedade. Estes são os aspectos enfatizados pelo Programa em Teoria Psicanalítica que completa 25 anos de existência e que encontram a devida expressão nesta publicação.  O livro, integrado por pesquisadores desta e de outras universidades e pós-graduações do Brasil, mostra fôlego em sustentar a questão acerca das relações entre ciência, psicanálise, clinica e sociedade.

Todo o conjunto de artigos apresentados por pesquisadores e doutores de várias partes do Brasil mostra a mesma base sólida formada pela epistemologia e pelas teorias de Freud e Lacan, em franco diálogo com os mais diversas áreas em que se sente os efeitos da ciência e dos discursos científicos como a educação, o direito, a psiquiatria e a medicina.

Nele também se encontra um espelho das parcerias realizadas no âmbito do Grupo de Trabalho “A psicanálise e os discursos da ciência contemporânea”, inscrito na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP 2012/2014), coordenado pela Profa. Dra. Tania Coelho dos Santos (PPGTP/UFRJ), no qual se agregam professores e pesquisadores oriundos de várias universidades, muitos dos quais possuem ligações estreitas com o Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica ou com o Departamento de Psicanálise de Paris VIII.

Este GT se orienta pelo princípio de que os impasses subjetivos encontrados na contemporaneidade não são oriundos do real incurável da pulsão, mas são consequências do avanço do discurso do capitalismo e da ideologia individualista que atravessa os discursos científicos.  É preciso, portanto, formar pesquisadores atentos aos usos da ciência realizada por esta ideologia competitiva e no dialogo interdisciplinar saber separar o joio do trigo. Não se trata apenas da ciência, mas dos discursos que temos com a ciência, neste sentido o livro dá uma amostra das articulações estabelecidas por este GT.

A abertura traz um artigo de Jacques-Alain Miller “A psicanálise, seu lugar entre as ciências”, no qual o autor aborda o fato de que mesmo que a psicanálise esteja condicionada à ciência, seu lugar é incerto devido ao modo próprio com que ela opera a verdade. Nela, a verdade é meio-dita por implicar o sujeito em seu dizer e não simplesmente por ser incompleta.  Isso presentifica o real em jogo na psicanálise.  Em seguida, Tania Coelho dos Santos se orienta pela questão acerca do real científico e se haveria uma mudança na posição de Lacan ao fim de seu ensino.  Neste sentido, traça algumas diferenças entre o real cientifico formalizável que tanto serviu a Lacan, e o real sem lei da pulsão que sempre escapa ao sentido para, no entanto, insistir no fundamento único que os aproxima: o real como impossível.  A clínica neste sentido se divide entre o que pode e deve ser formalizável e o encontro com uma singularidade irredutível que não se reduz nem se deixa conduzir pelas classificações.  Na sequência, Antônio Teixeira, no artigo “A prudência do psicanalista”,relaciona a prática analítica, que leva em conta a contingência desse encontro, com a antiga virtude da prudência que está ausente nas prescrições comportamentais do contemporâneo.  

Rita Manso de Barros, no artigo “A psicanálise e sua inserção no discurso da ciência”, parte da diferença entre ciência e os usos feitos pelo capitalismo para situar sua crítica. Com base em Stengers e Prigogine, afirma todo o comprometimento da psicanálise com a ciência e lança a incômoda pergunta de saber se fazemos ciência para nos proteger do real ou para explorar o próximo.  Na mesma direção, Marta Leão D'Agord e Vitor Triska apontam para o fato de que a psicanálise enfrenta hoje dificuldades não porque é questionada, mas justamente pelo fato de que pode contribuir para a gestão e para a ordem.  Fernanda Costa-Moura e Marcos Eichler analisam o tema da barbárie apontando que o advento da ciência moderna incide sobre a tessitura do laço social não se limitando ao plano epistemológico da produção de conhecimento.

Margarida Assad e Elizângela Barrêto se debruçam sobre a proposta da segunda clínica lacaniana do saber-fazer com o pedaço do real que constitui o sinthoma de cada um. Leny Mrech e Ana Lydia Santiago abordam o tema da educação. A primeira, discutindo o processo de cientificização da educação e Ana Lydia, em seu artigo “O saber da ciência na educação, o sujeito da psicanálise e a pesquisa-intervenção sobre casos de fracasso escolar”, explora as consequências sobre a criança ou jovem da incorporação dos saberes produzidos pela ciência por parte dos educadores.

Maria José Gontijo Salum nos apresenta as reflexões relacionadas ao campo jurídico investigando o modo como são tratados crimes e infrações a luz dos discursos em vigor, nos quais a ciência e o capitalismo veiculam uma promessa de sucesso na eliminação do mal-estar que encontra na criminalidade seu limite. Fernanda Brisset trata da influência da psicanálise na politica na era do direito ao gozo. Marcia Rosa Vieira, no artigo “Psicanálise: uma ciência das intimidades?”, traz para o debate a questão da explosão dos relatos autobiográficos no que se convencionou chamar de "a sociedade do espetáculo" enfatizando o modo como a psicanálise opera a transmutação do autobiográfico em científico.  Para isso, aborda o caráter topológico do sujeito em sua relação com o real, que suspende certas dicotomias em função do que se entende por extimidade.  

De minha autoria, ofereço uma reflexão acerca dos paradoxos do sujeito da ciência pensando sua divisão entre saber e verdade e como a ideologia entendida pelo viés do mito da lei moral sutura tal divisão enquanto que a presença do analista a sustenta.  Em conjunto com Rosa Guedes Lopes e Fabiana Mendes Pinheiro de Souza, também apresento um artigo sobre a formação "psi" e seus impasses no mundo contemporâneo, no qual o saber se caracteriza por ser uma mercadoria.

No campo da medicina, temos o trabalho de Analícea Calmon Santos e Wellington Moreira Junior sobre o tema do transexualismo. Neste artigo, os autores abordam a questão da singularidade na relação do sujeito com o sexo diante da medicina atual com sua oferta de operações e procedimentos de mudança de sexo.  Sergio Laia trata da quinta versão do DSM que, em relação às versões anteriores, traz o aspecto dimensional em detrimento do aspecto categorial dos transtornos mentais. Acentua que a psicanálise de orientação lacaniana também conjuga a dimensão e a categoria, porém não do mesmo modo e marca essas diferenças.  Jésus Santiago, também organizador do livro, apresenta o tema das toxicomanias marcando o fato de que é com o advento da química moderna que se altera a relação com as substâncias até então vinculadas a uma ordem natural regida pelos métodos da alquimia e por um sujeito das profundezas.  O esvaziamento do sujeito e a formalização através do cálculo não se efetuam sem produzir desordens no real diante do que vemos surgir o problema das toxicomanias como um retorno do sentido foracluído sob a forma de gozo enigmático e excessivo.

Portanto, devido à ampla rede de colaboração, o livro é resultado de um esforço conjunto de trabalho e pesquisa que se desenvolveu nos últimos anos em Universidades brasileiras em torno das questões relativas ao laço social, à ciência, ao real e à clinica dos sintomas contemporâneos.  Orienta-se pela indagação acerca do saber do psicanalista e do real envolvido em sua prática. Trata-se do mesmo real da ciência? Existe um real que lhe seja próprio? Como reconhecê-lo?  O que a psicanálise deve à lógica e à ciência na constituição de seu campo de intervenção, na constituição de sua teoria e nos desafios relativos à sua sobrevivência? Indagações pertinentes àqueles que se utilizam da psicanálise como ferramenta de intervenção e pesquisa em diversas áreas da clínica.