Este número de aSEPHallus reúne artigos sobre o traumatismo do real e as diferentes defesas psíquicas – sintomas, fantasias, discursos e laços sociais - ressaltando a releitura lacaniana deste eixo central à obra e à clínica freudiana. A perspectiva lacaniana do real sem lei – isto é, a pulsão de morte – orienta a reflexão sobre as estratégias do analista para barrá-lo quando em nossa época já não contamos tão certamente com a função do Nome-do-Pai na ordem simbólica. O campo do conceito de defesa e das modalidades defensivas é apresentado sob as diferentes perspectivas: do lugar do analista talvez como uma defesa e não apenas um traumatismo, do discurso histérico como defesa, da repetição ou do Fort-da e até da religião como defesas.
Laéria B. Fontenele e Joselene M. Silva apresentam a evolução do conceito de defesa na obra de Freud - suas relações com o modo de estruturação do psiquismo e produção sintomática - retomada no ensino de Lacan. Partem do estudo de textos pré-psicanalíticos para analisar as bases do conceito freudiano de defesa, primeiramente relacionado com a resistência, enquanto um reflexo clínico do recalque. Em seguida, examinam as relações entre resistência e a clínica analítica na primeira tópica e o papel do eu como promotor da defesa. Analisam os efeitos da segunda tópica sobre o conceito de defesa. Finalmente, abordam as implicações clínicas do fracasso dos mecanismos de defesa enquanto causador de formações tais como sintomas e alterações do eu. Em Lacan, a defesa é tomada a partir de sua crítica aos pós-freudianos e à análise das defesas, além de seu entendimento do desejo constituído como uma defesa contra o gozo.
Cristina Marcos e Carla D’Alessandro, a partir da escuta psicanalítica a pacientes vítimas de traumatismos corporais, interrogam as figuras psíquicas que se inscreveriam para esses sujeitos, para além do trauma físico. Discutem a definição do trauma para a medicina e para a psicanálise e de que modo esta noção convoca uma discussão sobre a urgência subjetiva. Algumas hipóteses são esboçadas: se o trauma psíquico se inscreve nesta situação, de trauma físico, poderíamos considerá-lo na ordem da repetição, da fantasia ou do gozo? Como os sujeitos respondem a essa inscrição física permeada pelo psíquico? Concluem que o trauma é um conceito eminentemente freudiano, na medida em que adquire importância considerável em sua obra. Em Lacan é, sobretudo, o conceito de real que lhes fornece o enquadre teórico a partir do qual se pode pensar o trauma como inassimilável.
Lucas F. Loureiro propõe como temática a relação de um sujeito com Deus e suas implicações na clínica psicanalítica. O principal problema discutido é a possibilidade de que essa relação ofereça ao sujeito uma saída sinthomática e lhe confira, em contrapartida, o apaziguamento de seu mal-estar sintomático. A questão central deste trabalho é a seguinte: seria a relação com Deus um lugar que permite ao sujeito um encontro com o real que não seja devastador, produzindo-se também aí algum tipo de efeito terapêutico? Para esboçar uma resposta o autor reconstitui os pensamentos de Freud e de Lacan a respeito de Deus, o que ajuda, por fim, a entender como a clínica psicanalítica pode se orientar quando desafiada pela relação de alguns pacientes com Deus.
Fabíola Araújo reconstrói o lugar e os usos que Lacan confere, no “Discurso de Roma” e ao longo da década de 1950, à concepção freudiana de Fort-da. Para encaminhar de maneira adequada sua reflexão, retorna ao contexto de “Além do Princípio do Prazer” no qual Freud (1920) primeiramente propõe esse movimento como capaz de fazer frente aos ditames da pulsão de morte. Para identificar o que será decisivo na elaboração lacaniana a respeito do funcionamento linguageiro em questão, a autora acompanha Lacan na cunhagem do conceito de linguagem assim como em sua proposta de diferenciar o “discurso do outro” do movimento do Fort-da. Note-se: trata-se do discurso do outro, com “o” minúsculo e não do “discurso do Outro”. O primeiro se apresenta como um discurso que leva ao adoecimento, enquanto o segundo é sinônimo do muro da linguagem, referência necessária para qualquer um dos modos como o inconsciente se estrutura. Para concluir, a autora retoma a necessidade de, em uma análise, dar-se preferência ao movimento do Fort-da, em detrimento do “discurso do outro”.
Erly A. Neto extrai de sua dissertação de mestrado, Os lugares do analista no ensino de Lacan, uma elucubração de que o analista é o protonpseudos da psicanálise, tese com a qual se deparou ao se dedicar à leiturados últimos cursos de orientação lacaniana de Jacques-Alain Miller. Para Miller, os subsídios desta afirmativa encontram-se no último ensino de Lacan. Entretanto, ao efetuar a leitura dos últimos seminários (em especial de O sinthoma), o autor não encontrou nenhuma fórmula que, fora de contexto, pudesse garantir inequivocamente esta assertiva. Desta forma, realizou um estudo que acompanhasse o estatuto do analista em Freud e em Lacan e construísse o percurso da formalização do lugar do analista até as suas últimas elaborações.
Júlio C. Lemes de Castro propõe compreender o modus operandi do discurso da histeria, derivando sua montagem a partir das características e do funcionamento da estrutura clínica histérica. Para elidir o gozo, a histeria cultiva a insatisfação: a falta, na posição da verdade, não pode ser suprida pelo Outro, na posição da produção. E, ao mesmo tempo em que evidencia a limitação do Outro, a histérica oferece-se para tamponá-la: o sujeito, na posição do agente, coloca-se como objeto do desejo do Outro, na posição do outro do discurso. Contudo, como laço social, o discurso da histeria não envolve necessariamente sujeitos histéricos do ponto de vista clínico. O que distingue estes últimos é o fato de aferrarem-se ao questionamento das disjunções de impotência, e de impossibilidade e, desse modo, apresentarem a posição ambígua de agentes do questionamento e do tamponamento da falta no Outro.
Luis Adriano Salles Souto e Marta Regina de Leão D’Agord, partem da “análise estrutural do mito” e do conceito de “eficácia simbólica” - ambos estabelecidos por Lévi-Strauss – para interrogar se o mito não poderia ser considerado também a forma privilegiada da enunciação de um “mais-além” da eficácia simbólica. Para isso, os autores recorrem à discussão das implicações do matema S(Ⱥ), formulado por Lacan, para uma noção de estrutura que comporte o sujeito e para a noção de que o mito, para-além de sua eficácia simbólica, carrega consigo a marca de um impossível.
A equipe responsável por aSEPHallus, agradece as contribuições destes autores e acredita que eles trouxeram elementos preciosos à teoria e à clínica do real.
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