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Sobre as relações entre ler, escrever e publicar

On the relations between reading, writing and publishing

Sur les relations entre lire, écrire et publier

Valeria Wanda da Silva Fonseca

Psicóloga clínica
Psicanalista
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica / UFRJ (RJ, Brasil)
Mestre em Teoria Literária / UFJF (MG, Brasil)
Membro do Instituto Sephora de ensino e pesquisa de orientação lacaniana/ISEPOL
E-mail: valeriawanda@uol.com.br


  Resenha do livro:
 


ZAID, Gabriel.   Livros demais! Sobre as relações entre ler, escrever e publicar. (Tradução Felipe Lindoso). São Paulo: Summus, 2004.


A ideia de termos livros demais nos espanta. Quem são os homens que se orientam pelo ideal de que em vida é preciso plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro?

O propósito de publicar uma resenha desse livro em uma revista eletrônica que trata de estudos em psicanálise justifica-se por identificar que, ao longo do seu texto, Gabriel Zaid desenvolve a ideia de que o mundo dos livros orienta as conversações. Além disso, de que precisamos lidar com a seguinte equação: “todo comércio é conversação: em outras palavras, é cultura, sempre correndo risco de virar blábláblá” (p. 47).

O contato com esse pequeno livro, em tamanho e número de páginas, permitiu-me refletir sobre como é bom ter uma obra que podemos levar conosco a qualquer lugar e lê-la com prazer.

Gabriel Zaid é um escritor mexicano, nascido 1934, com vários livros publicados e, atualmente, é colaborador da Revista Letras Libres. Neste registro, em particular, ele testemunha a capacidade de síntese fundamental àqueles que tratam, balizados por referências históricas, de temas árduos, como os dos “negócios editoriais”, ou seja, o circuito que envolve a produção, publicação, comercialização e a leitura de um livro.  Nada romântico, ele mostra a disparidade entre o número de revistas e obras publicadas e a quantidade de leitores. Existem livros demais no mundo! Inclusive, ele se diverte com o tormento dos autores sobre a dúvida de quantos leitores lerão suas publicações.

Ele é um poeta, ensaísta, crítico cultural que com humor e grande experiência reflete sobre as relações entre ler, escrever e publicar. Cada etapa precisa ser pensada em suas particularidades. Do autor ao leitor há um longo caminho a ser percorrido. Afirma que há uma desproporcionalidade aritmética entre a paixão crescente por escrever e a leitura desses textos. O desespero dos autores é descobrir quem são seus leitores. Como chegar até eles?

No Brasil, particularmente, o mercado editorial é muito grande.  A maioria é de livros escolares e de leitura compulsória. A média de obras por leitor alfabetizado ainda é baixa. Precisamos de mais livros e, também, de criar meios mais eficientes para que eles cheguem às mãos dos leitores a quem se destinam e, ainda, que estes desenvolvam o hábito e a cultura para leitura de livros literários e científicos, revistas escritas e eletrônicas, entre outros. Observamos que um grande aliado, no século XXI, tem sido o interesse na mídia digital. Ela impõe uma comunicação através da Web que fascina os jovens. Um exemplo são os sites de relacionamentos que incentivam a comunicação escrita e, consequentemente, a necessidade de ordenação num código linguístico de um grupo social.

Conforme Zaid, nos países com altos índices de analfabetismo, a maioria dos ensinamentos da sociedade segue a modalidade de transmissão oral. A resistência ao texto escrito é uma consequência da dificuldade de conter, em algumas palavras, complexos pensamentos. Ao se escrever, registra-se a história dos limites, dos erros, da castração mesmo que se insista em uma “historia oficial” da humanidade, das religiões, das artes e da ciência. A torre de babel é um fato.

O livro e o leitor

Engana-se quem considera que o livro é um objeto em extinção. “Com cada nova invenção, profetizou-se o fim do livro, e cada vez mais livros foram publicados, com maior facilidade e sobre os mais variados assuntos” (p. 27).

Há uma “grafo mania universal”, são milhões de títulos por ano, com tiragens de milhares de cópias. Poucas obras são reimpressas, menos ainda traduzidas. A rapidez com que se publicam livros nos torna exponencialmente ignorantes.”A humanidade escreve mais do que pode ler” (p. 28). Zaid crítica, ao longo das suas reflexões, a posição narcisista de muitos autores que não escrevem para leitores e, sim, para rechear currículos e há ainda aqueles que escrevem para o mercado, vendem modalidades de informações e ganham dinheiro educando, informando ou entretendo. Os livros pelos quais se tem um tratamento amoroso são exceção, são registros antigos, clássicos, e alguns contemporâneos escritos na mesma tradição. “Os livros representam a colheita, não o processo criativo” (p. 31).

Alguns indivíduos aspiram ser cultos e se angustiam diante da imensidão de livros existentes nas bibliotecas e nas livrarias. O imperativo “ler e ser culto” exige um esforço de cada leitor que tem sua biblioteca como uma sala de troféus. Diverte-nos narrando situações cômicas e indicando estratégias de como leitor pode se livrar das demandas de autores que insistem em pedir opinião e/ou presenteiam os amigos logo perguntando: você gostou do livro? O excesso deles numa biblioteca muitas vezes se confunde com excesso de erudição, crítica que se dirige em particular aos meios universitários. “O tédio é a negação da cultura. Cultura é conversação, vivacidade, inspiração” (p. 36). A leitura de bons livros permite conversas criativas, discussões sobre a história que foi registrada e nos permite, hoje, saber o que pensavam nossos antecessores. “Graças aos livros, sabemos que Sócrates não confiava neles. Ele os comparava com a conversação e acreditava que os livros eram inferiores” (p. 31).

A função dos livros e revistas eletrônicas

Zaid apresenta uma crítica bem humorada sobre a função dos livros e das revistas eletrônicas. A tecnologia digital, cita o pioneirismo da Amazon, atraiu a atenção e confiança do leitor mais especializado. Ela oferece um serviço de informação sobre os clássicos, livros usados, incorpora rapidamente os novos títulos e ainda oferece permanente disponibilidade de estoque. São virtudes que estão sendo incorporadas pelos bons livreiros.  Ao contrário do que muitos pensam, a versão eletrônica democratizou o acesso ao texto, quase em tempo real tem-se uma via que ajuda a selecionar os livros que o leitor quer comprar e ter em sua biblioteca.  Editores, distribuidores, livreiros, críticos, professores, parentes e amigos são os intermediários. Eles “filtram o caos e criam constelações significativas, facilitando a troca do escritor com o leitor” (p. 104). O truque é assegurar que não se perca dinheiro demais com a imensidão de títulos a serem publicados, e que alguns tenham sucesso suficiente, de preferência seja um best-sellers, para tornar lucrativa toda essa operação.

Uma conclusão que interessa à psicanálise:

O livro foi o primeiro meio de comunicação de massa na história, e continua a ser o mais nobre. A cultura se espalha através deles, e é preciso pensar o quanto são caros nos países pobres. Porém, não é só preciso ter dinheiro para se comprar livros, é preciso entendê-los. É preciso aprender a ler. A humanidade demorou a aprender a ler em silêncio, apreender o significado da escrita diretamente, sem antes convertê-la em som.  Partilhar de um número mínimo de leituras comuns – particularmente dos clássicos – ajuda o diálogo.

Para participar de um grupo é preciso ter leituras comuns do mundo. Zaid afirma que “o desejo de acompanhar uma conversa que não se compreende é um sinal saudável, e não uma indicação de falta de preparo”. E dá a dica: “a disciplina é boa a serviço do desejo, não no lugar do desejo. Sem desejo, não existe cultura viva” (p. 37).