O conteúdo desta página requer uma versão mais recente do Adobe Flash Player.

Obter Adobe Flash player

O conteúdo desta página requer uma versão mais recente do Adobe Flash Player.

Obter Adobe Flash player

O conteúdo desta página requer uma versão mais recente do Adobe Flash Player.

Obter Adobe Flash player

 

"Está no sangue": transmissão e psicanálise

Fernanda Furieri Paes
Psicóloga
Historiadora
Estudante de especialização em psicologia clínica com crianças pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC-Rio (Rio de Janeiro, Brasil)
E-mail: fernandafpaes@yahoo.com.br

Ana Maria Rudge
Membro Psicanalista da Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle (Rio de Janeiro, Brasil)
Professora Associada do Departamento de Psicologia da PUC-Rio (Rio de Janeiro, Brasil)
Pesquisadora do CNPq
Membro Fundador e Pesquisadora da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental
E-mail: ana.rudge@uol.com.br

Resumo

A partir de um caso clínico e também do romance de Gabriel Garcia Márquez, Cem Anos de Solidão, o artigo aborda o conceito de transmissão em psicanálise, e a repetição do trauma entre diferentes gerações de uma família, entendendo a genealogia do sujeito como ser de linguagem, como inserido no campo do Outro. O trabalho busca compreender em que condições o trabalho analítico possibilita a emergência do sujeito em sua singularidade já que a condição de alienação está implícita em sua constituição e ele se encontra submetido aos mandatos categóricos do supereu, que comandam a repetição mortífera.

Palavras-chave: psicanálise, transmissão, trauma, fantasia.

 

I. “Está no Sangue”

“Macondo já era um pavoroso rodamoinho de poeira e escombros, centrifugado pela cólera do furacão bíblico, quando Aureliano pulou onze páginas para não perder tempo com fatos conhecidos demais e começou a decifrar o instante que estava vivendo, decifrando-o à medida que o vivia, profetizando-se a si mesmo no ato de decifrar a última página dos pergaminhos, como se estivesse vendo a si mesmo num espelho falado. [...] antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilônia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra” (Márquez, 1967, p. 218-219).














O sujeito se constitui, desde sempre, a partir do Outro. Um Outro que aliena e humaniza; que permite, portanto, ser – ser a partir do Outro, mas diferente dele, pois a própria palavra sugere alteridade. Esse Outro, como podemos ler em Lacan, está no campo da linguagem, portanto, no campo do social, estando presente em sua constituição a lei, a cultura, a linguagem e também a família no seio da qual o sujeito se constitui: seus parentes vivos ou mortos que deixaram seus traços a serem perpetuados.

O trecho que citamos acima do livro de Gabriel Garcia Márquez fala de predestinação. Aureliano encontra no pergaminho do cigano Melquíades, grande amigo de seu avô, a profecia sobre sua morte e o fim de sua linhagem. Fim anunciado desde sempre pela grande matriarca da família, Úrsula, que iniciou a estirpe a partir de um ato incestuoso: casou-se com o primo e, por isso, sempre esperou que da família surgisse algo da ordem do horror.

O romance trata de diferentes gerações da família Buendía. As gerações se sucedem, os nomes são sempre os mesmos, a ponto de o leitor não saber mais de quem o autor está falando: seria do pai ou do filho? Assim como se repetem os atos, nunca simbolizados, nunca elaborados, em guerras infindas em que o leitor nunca identifica uma razão, repete-se também o grande temor de Úrsula: o nascimento de um rebento com rabo de porco, denunciando seu ato incestuoso.

A transmissão do trauma entre gerações da mesma família, tema do belo romance de Garcia Márquez, interessa a vários campos de saber. Nossa questão, entretanto, nasceu da clínica, e de uma clínica específica: de adolescentes. Momento de encontro com o real do sexo, onde caem identificações e se constroem outras. Momento também onde o jovem se questiona – “quem sou eu?” – na partilha dos sexos (Alberti, 2009).

Nessa clínica, diferente do que ocorre com o atendimento de adultos, temos contato direto com os pais (ou quem quer que assuma essa função) do sujeito que nos chega para análise. Chama nossa atenção como algumas mães chegam até nós não apenas com temores sobre o futuro do filho, mas com a certeza sobre seu destino, sempre pautadas em uma repetição de história familiar. Em alguns casos, para o pior: ele será como o pai, alcoólatra, violento, abusador.

A repetição não se restringe a uma fantasia materna, já que em geral o pai desses adolescentes repetiu o sintoma de seus próprios pais, levando algumas dessas mães a elaborarem a explicação genética: "está no sangue".

O que o sujeito irá tecer a partir dessa profecia materna é singular, mas podemos observar que os significantes que traz para a análise estão quase sempre permeados por essa determinação. Como ilustração, apresentaremos o caso de um adolescente que chamaremos aqui de Marcos, que, assim como o Aureliano, de Garcia Márquez, parece querer fugir de um destino já traçado pela história de sua família e, sobretudo, pela fala de sua mãe.

Qual a possibilidade de um destino diferente – essa é nossa questão – quando a palavra materna profetiza um futuro destruidor? Como e em que medida é possível, a partir da prática psicanalítica, conduzir o sujeito em tratamento para que desconstrua essa “maldição materna” e tenha acesso a novas possibilidades de construção de sua história?


II. Trauma e transmissão psíquica

“[Ursula e José Arcádio] […] estavam ligados até a morte por um vínculo mais sólido que o amor: uma dor comum de consciência. Eram primos entre si. Tinham crescido juntos [...] quando expressaram a vontade de se casar os próprios parentes tentaram impedir. Tinham medo de que aqueles saudáveis fins de duas raças secularmente entrecruzadas passassem pela vergonha de engendrar iguanas. […] José Arcadio Buendía, com a leviandade dos seus dezenove anos, resolveu o problema com uma só frase: ‘Não me importa ter leitõezinhos, desde que possam falar’” (Márquez, 1967 p. 15. Grifo nosso).










Nos dias atuais, ao trazermos o significante transmissão como tema de pesquisa, não nos surpreendemos em encontrar rápidas respostas relacionadas à herança genética, transmissão de doenças, de síndromes, de características biológicas. Transmissão, nesse sentido, se enquadra na ordem do que transcende o indivíduo e o coloca como pertencente a uma família com um perfil biológico determinado. As intervenções da biotecnologia, hoje, pretendem “limpar” essa matriz biológica das futuras gerações promovendo intervenções antes mesmo da fecundação: selecionando óvulos, espermatozoides livres de determinados fatores de risco (Rifkin, 1999).

Essas intervenções da ciência, que têm caráter claramente eugênico, avançam cada vez mais, prometendo agir sobre o comportamento do futuro indivíduo, pois se apoiam em um saber que defende a explicação da origem genética da ação humana. A transmissão aí é entendida como transmissão genética e a subjetividade não é levada em conta.

Freud, ao criar a psicanálise há mais de 100 anos, propunha algo muito diferente. Embora nunca tivesse descartado a influência de fatores hereditários, o que lhe interessava é que a genealogia do sujeito se dá no social, a partir da relação com o outro, no campo da linguagem. Mesmo quando utiliza conceitos como ‘herança arcaica' e ‘filogenia’, tão presentes no discurso biológico evolucionista, ele o faz para falar da universalidade da capacidade humana de simbolização, o que é próprio aos seres divididos que somos: seres de linguagem. Tal como o Aureliano, de Garcia Márquez, formulou: leitõezinhos que podem falar são aceitáveis como filhos da comunidade humana.

A segunda possibilidade em que se desdobra o significante transmissão está relacionada ao ensino, ou seja, ensinamos os sujeitos em desenvolvimento a viverem de acordo com determinadas regras e registros culturais. A transmissão é, nessa aplicação do termo, pedagógica, e seu lugar de excelência em nossa cultura é a escola. Essa segunda visão tem a validade de inserir o individuo no campo do social e deixa de lado o determinismo biológico. No entanto, não é à transmissão consciente de conteúdos aquilo a que Freud se refere, pois essa formulação não levaria em consideração o conceito fundamental, aquele que inaugura o campo discursivo freudiano: o inconsciente.

Podemos considerar que há dois pilares míticos na genealogia do sujeito freudiano: o assassinato do pai primevo, tal como Freud (1912) formula em seu “Totem e tabu” e o Complexo de Édipo, que ele começara a formular em 1905 com “Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade”. Esses dois pilares são construções freudianas que procuram dar conta da ambivalência afetiva dos filhos em relação aos pais. Essa ambivalência pode ser tomada como protótipo de um conteúdo transmissível entre gerações: no caso do complexo de Édipo, referido ao drama familiar do sujeito e ao mecanismo das identificações e, no caso de “Totem e tabu”, aquilo que diz respeito à “herança arcaica” no campo da humanidade.

Com a construção do "mito cientifico" de “Totem e tabu”, Freud se apropria das ideias evolucionistas de Darwin, Atkinson e Robertson Smith para construir a hipótese de que nossos ancestrais viviam inicialmente em pequenas hordas, sendo governados por um pai déspota que era dono de todas as mulheres e punia e afastava os filhos gerados, até que um dia esses filhos se uniram, assassinaram o pai tirano e juntos o devoraram. No entanto, tomados de culpa pelo parricídio, esses homens criaram um clã que reverenciava a figura totêmica do pai; este, uma vez morto (e podemos dizer que exatamente por estar morto), se torna representante da lei, criando o interdito do incesto.

É, portanto, a partir da suposição da ambivalência dos filhos em relação ao pai tirânico que Freud pôde teorizar sobre os meios pelos quais os estados mentais são transmitidos de uma geração para a outra, além da diferenciação entre a comunicação consciente e inconsciente no processo de transmissão (Kupferberg, 2004).

Ocorrendo ao mesmo tempo em que se dava a produção de “Totem e tabu”, o caso clínico do “Homem dos lobos” (Freud, 1917) oferece mais um elemento conceitual para traçarmos a concepção freudiana da transmissão: a ideia de fantasia primeva. Essa seria uma construção que procuraria dar conta de um conteúdo recalcado por ser ofensivo ao sujeito, constituindo-se uma “inversão imaginária e desejável em lugar da verdade histórica” (Freud, 1917, p. 57). No caso do homem dos lobos, a cena que estaria na etiologia de sua neurose seria o coito dos pais. No entanto, a realidade objetiva dessa cena não parece ser essencial na elaboração teórica de Freud quando ele afirma que “[...] no mundo das neuroses a realidade psíquica seria decisiva” (Freud, 1917, p. 27). A fantasia primeva não seria algo restrito ao sujeito, mas parte de uma herança da espécie.

Assim, a partir de Freud, podemos entender que estamos sempre sujeitados à cadeia genealógica que nos precede, tanto como membros da “família humana” – como seres de linguagem que somos – quanto pertencentes a uma organização familiar específica que reveste o mistério de nossas origens e que acaba por dar contorno às construções fantasmáticas de nossas teorias sexuais infantis.

No que diz respeito à história familiar, é entre falas, olhares e silêncios que nos tornamos sujeitos, logo, o que foi transmitido, consciente ou inconscientemente pelas gerações que nos precederam, irá constituir o eu através do processo de identificação.

Nas obras “A guisa de introdução ao narcisismo” (Freud, 1914) e “O eu e o id” (Freud, 1923), o processo de identificação é ressaltado por Freud como constitutivo do eu e como mecanismo pelo qual se dá o processo de transmissão. O conceito de identificação traduz o peso da cultura e da herança familiar na constituição do eu e do supereu, o que leva Freud a falar mesmo de um “supereu cultural” em “Mal estar na civilização” (Freud, 1930), que se daria em continuidade ao “supereu edípico”1.

Segundo Kupferberg (2004), a questão da relação do eu com o objeto é colocada em vários momentos da obra freudiana, mas, a partir de determinado ponto da construção teórica, a identificação deixa de ser apenas mais um dos mecanismos inconscientes para se tornar o mecanismo fundamental na construção do eu.

Desde 1905, nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, Freud usa o termo ‘narcisismo’ na sua teoria libido, mas foi apenas em 1914, em “A guisa de introdução ao narcisismo”, que distinguiu duas formas diferentes e reversíveis de investimento libidinal: investimento no eu (narcísico) e nos objetos externos (objetal). Nesse sentido, o eu passa a ser um dos objetos da libido, o que só é possível se pensarmos que o eu surge a partir da identificação com o adulto que investe narcisicamente o infante.

Há uma identificação com o pai da pré-história pessoal, anterior a qualquer investimento libidinal, portanto algo “primordial”. Esse primeiro momento de identificação à figura parental constitui um ideal. No entanto, essa imagem idealizada precisa desaparecer – tal como o pai da horda primitiva – para que o trabalho de luto permita a inscrição da perda como função simbólica. A incidência da lei simbólica é que vai permitir um limite à satisfação pulsional, ou seja, é ela que inscreve a falta e a necessidade de investimento em objetos e a posterior identificação com eles, que assim passam a fazer parte do próprio eu.

Segundo Kupferberg, o segundo tipo de identificação a que se refere Freud seria formado por marcas deixadas no eu pela perda dos objetos amados que se tenta constantemente reconstituir. Seria, portanto, essa dupla orientação do processo identificatório que permitiria “o deslocamento do registro mítico (“Totem e tabu”) para o registro histórico da constituição de um sujeito singular” (Kupferberg, 2004, p. 136).

Se, no mito construído em “Totem e Tabu”, Freud fala da necessidade do assassinato do pai para o advento da cultura, na constituição do eu é necessário o assassinato das figuras onipotentes para a emergência do sujeito e sua inscrição no campo simbólico.

Retomando o caminho que fizemos até aqui, consideramos que a relação entre o sujeito e a história que o precede pode ser traçada na obra de Freud desde a hipótese filogenética presente em “Totem e Tabu” (Freud, 1912), passando pela introdução do conceito de narcisismo em 1914 e a elaboração da segunda tópica, em 1923, na qual considera a identificação como constitutiva do eu e do supereu. Essa elaboração culmina em 1939, com “Moisés e o monoteísmo”, onde Freud fala especificamente da transmissão do trauma entre gerações e como essa transmissão pode ser entendida a partir da metapsicologia. É nessa obra que ele articula os conceitos de trauma e transmissão.

Nos dois primeiros capítulos, Freud traz argumentos para defender a sua hipótese da origem egípcia de Moisés e, na terceira parte, desenvolve sua hipótese de que a religião monoteísta judaica remete a um evento traumático: o assassinato de Moisés pelos hebreus.

Para Freud, Moisés era um príncipe que foi criador e fundador da religião mosaica (derivada da religião monoteísta do faraó Amenhotep, que abandonou o nome de seu pai, nomeando-se Akhenaton, que significa "agradável a Aton", seu único Deus). Liderando os judeus no retorno para Canaã, ele teria sido assassinado pelos hebreus que, em seguida, seguiram para uma região chamada Cades, onde cultuavam o Deus vulcânico Javé, além de outras deidades. Para Freud, a religião mosaica foi recalcada pelo povo hebreu por longos séculos, até que mudanças históricas de luta de poder tornaram a ideia de um Deus único possível novamente e o modelo resgatado foi o Deus mosaico.

A força da tradição e da transmissão é aqui ressaltada por Freud como capaz de reinstalar a religião mosaica, há muito esquecida pelo povo hebreu. Assim, é a partir da transmissão de uma geração a outra de um trauma coletivo – o assassinato de Moisés – que a religião mosaica pôde se constituir e se perpetuar.

Trauma e recalque estariam na origem da tradição judaica. Mais uma vez, Freud utiliza conceitos que recorrem a uma analogia entre o sujeito e o desenvolvimento cultural de um grupo. Há ainda dois conceitos importantes, estreitamente articulados em psicanálise, que são importantes nesse texto: trauma e latência. Tal como na análise do “homem dos lobos”, Freud fala de um acontecimento traumático que no momento de ocorrência não surtiu efeitos, mas que a posteriori tem efeitos permanentes na história, seja ela individual ou do grupo.

A concepção da temporalidade proposta por Freud é muito diferente da que estamos acostumados a tratar, que supõe a direção linear do passado para o presente. A concepção psicanalítica vai indicar que o passado é continuamente associado ao presente, que o evoca e o ressignifica.

Essa concepção da temporalidade é fundamental para entendermos a noção de trauma proposta pela psicanálise, pois coloca o inconsciente como atemporal, ou melhor, não submetido à temporalidade cronológica e linear que estamos acostumados a considerar verdadeira. Novamente, Freud enfatiza que a realidade psíquica é aquela que importa, já que o acontecimento traumático não é um fato, mas uma construção psíquica.

Como construção psíquica, podemos afirmar que o trauma é contingente, mas, segundo Freud, há razões estruturais pelas quais as experiências traumáticas são inevitáveis na vida de qualquer pessoa, já que as condições de subjetivação se dão através do trauma. Se o complexo de Édipo é estruturante para o sujeito e nele a castração está implícita, podemos dizer com Freud que “[...] a criança, sob o impacto do complexo de castração, sofre o mais poderoso trauma de sua existência” (Rudge, 2009, p. 34). “Assim, não se pode prescindir de um solo constituído no passado como condição de possibilidade para se entender o efeito traumático de algum evento” (Rudge, 2009, p. 42). Como se pode entender na leitura de “Moisés e o monoteísmo” esse solo remete não só ao romance edípico, mas também à história genealógica.

Podemos encontrar na obra freudiana a construção de três mitos: complexo de Édipo, horda primeva e a fundação do monoteísmo hebreu por Moisés. Esses mitos procuram tratar do tema da castração, melhor dizendo, da função paterna. Se, para Freud, o pai é o operador da castração, pois é ele que provoca o interdito, para Lacan a castração é a consequência da estrutura de linguagem, que sempre falha em oferecer um saber sobre a diferença sexual. Assim, o mito seria uma forma de recobrir a falta de um sentido prévio por meio de um saber suposto. O pai, nessa visão, não é a causa da diferença sexual e sim um mito concebido para ocultar a ignorância das origens do sexo e também da morte.

Há uma equivalência entre romance histórico e romance familiar. Segundo Fernandes, “A família, para a psicanálise, seria [...] o palco onde se desenrola o percurso que vai do mito à estrutura” (Fernandes, 2004, p. 319). Para Lacan, será no contexto da crise edípica que a criança percebe que à mãe falta algo que o pai tem: o pênis, o órgão masculino que representa o significante fálico. Espera então que o pai sustente a crença de que ele é aquele que é potente, aquele sobre o qual a castração não incide (Lacan, 1969), e que ele pode transmitir o que se passa na relação sexual. Porém, a relação entre um homem e uma mulher não se escreve, e nenhum pai se mostra à altura desta tarefa, já que ele nada mais é do que um sujeito também marcado pela castração.

O mito, ao oferecer uma explicação sobre a origem, recobre – ao menos em parte – essa falta. Presente tanto na formação dos povos e culturas quanto na organização familiar, o mito é uma forma de discurso com que o sujeito se identifica e que oferece uma explicação sobre sua origem e delimita as possibilidades de um destino.

Zornig (2008) chama atenção para a importância do conceito de originário na obra de Freud, mostrando que, a partir do momento em que desiste de buscar a origem das neuroses, a questão será localizada por ele no terreno da fantasia. As cenas de sedução, assim como as cenas de observação do coito dos pais e de ameaça de castração, narradas em análise, passam a ser parte de uma herança filogenética reeditada na história singular de cada um.

No caso clínico de que traremos a seguir, veremos a construção de uma fantasia originária que envolve o tema da castração e que é formulada pelo adolescente como forma de explicar um sintoma que atravessa as gerações de sua família.


II. 1) Alcoolismo, violência e morte: o caso do adolescente Marcos

No caso clinico de Marcos, a repetição de um sintoma na história familiar provoca a busca pela origem do problema por parte do adolescente. Segundo as mulheres de sua família (mãe, avós, tias), o alcoolismo “está no sangue” dos homens da família e seria o agente provocador da violência e das repetidas mortes.

Marcos traz dois grandes medos: de ele se tornar alcoólatra “quando crescer”, e o de que seu pai, que é alcoólatra, morra graças a seu comportamento violento e “valentão”. O adolescente fala de dois fatores como originários do sintoma paterno: o assassinato de seu avô e o fato de seu bisavô ter sido “macumbeiro”.

Na narrativa de Marcos, o bisavô aparece como um mago que fez um “trabalho” para “fechar o corpo” de todos os homens de sua família. Ele queria que nada os atingisse: “nem bala, nem faca, nem nada, para que eles não morressem”.

Para o rapaz esse pacto só pôde ter sido realizado com forças malignas, já que teve como resultado a desgraça de todos os homens da família: o avô se tornou alcoólatra e ficava muito violento quando bebia, acabando por ser assassinado. Dos filhos do avô, o pai de Marcos é o único vivo, os outros dois morreram devido ao alcoolismo: quando bebiam se sentiam onipotentes, e assim criaram situações que os levaram a morte. O pai de Marcos repete o sintoma: bebe e apresenta comportamento violento: “ele quer bater em todo mundo no bar e até pega faca para traficante”.

Os homens da família de Marcos “sangram”, morrem de forma violenta. Isso, diz ele, porque o alcoolismo “está no sangue” dos homens da família. Vemos que, na história que nos conta Marcos, o que está em jogo é uma forma sintomática de lidar com a castração. Tal como colocamos acima, na travessia edípica, o pai é colocado pela criança como aquele não castrado, e cabe a ele sustentar esse semblante, ainda que saiba que isso é só um “faz de conta”, pois na realidade é um sujeito dividido como qualquer outro.

A morte – um dos nomes da castração – é exatamente o que o bisavô mítico de Marcos tenta negar aos homens de sua família em seu ato de magia. A virilidade se liga a uma negação da castração; no entanto, esses homens sabem que isso não é possível, que estão submetidos à lei fálica como todos os homens, exceto quando bebem e experimentam a sensação de onipotência. Tal como coloca o adolescente: “eles acham que podem tudo”. Os homens dessa família sangram ao tentar sustentar a metáfora paterna, tentando provar que o bisavô de Marcos era “potente”, ou seja, tinha o poder de livrá-los da castração.

Essa hipótese ganha força quando o adolescente fala sobre a única saída que vê para seu pai, que seria ir para a Igreja, já que “Jesus sangrou para nos salvar”. Na economia psíquica de Marcos, talvez o sangue de Jesus possa equivaler ao sangue de seu pai e ele possa se livrar do destino de ter que dar seu sangue para provar a potência de seu bisavô.

Ao recorrer ao discurso religioso, Marcos se identifica com as mulheres de sua família, todas muito religiosas. Ir para a igreja e sofrer passivamente com o alcoolismo masculino ou assumir um lugar na genealogia dos homens da família sendo também um alcoólatra? Paralisado entre as duas possibilidades Marcos prefere ser chamado de criança e não de adolescente, evitando assim ser colocado em um lugar identificado na partilha dos sexos.

Nesse caso, a transmissão tem valor de origem e de destino para Marcos. Não devemos entender, no entanto, que o sujeito está completamente sujeitado a essa transmissão e nem que ela se dá completamente à revelia deste. Há um gozo implícito na repetição. Veremos a seguir o conceito de compulsão à repetição em Freud, em suas relações com a pulsão de morte e com o supereu.


III. Repetição, pulsão de morte e supereu

Quando Marcos chega pela primeira vez para uma entrevista individual, diz que deseja conversar para entender por que ele faz “essas coisas”, maneira de se referir a certas atitudes antissociais. “Essas coisas” têm deixado sua mãe e avó muito tristes, diz chorando. Ele se questiona se seu comportamento está relacionado a “essas coisas” que o pai anda fazendo: uso excessivo de álcool e drogas que resultam em um comportamento violento em casa. O pai, por sua vez, no discurso do menino, tem esse comportamento porque o avô fazia “essas coisas”: bebia e ficava violento, acabando por ser assassinado ainda jovem, na idade que o pai tem hoje.

Tentaremos entender como os conceitos freudianos de compulsão à repetição e pulsão de morte podem nos auxiliar na análise da transmissão e da repetição dentro da história familiar. Analisaremos também a importância da elaboração de Freud sobre o supereu na articulação desses conceitos.

Embora tenha se referido ao termo anteriormente em sua obra, Freud elabora o conceito de compulsão à repetição no texto “Além do princípio do prazer”, de 1920, chamando atenção para uma compulsão “demoníaca” que seria responsável por conduzir o sujeito a repetir os caminhos que o levam para o sofrimento e para a dor.

Essa compulsão pode ser observada em certos sonhos, nos sintomas da neurose traumática, na reação terapêutica negativa e na compulsão de destino. Estando na base do fenômeno da transferência, pode ser pensada como o maior impasse ao tratamento psicanalítico e, ao mesmo tempo, sua condição de possibilidade, constituindo “a área própria para a intervenção psicanalítica” (Rudge, 2006, p. 79).

Explicar a compulsão à repetição é um desafio para Freud, já que considera que há algo nesse fenômeno que escapa à determinação pelo princípio de prazer, funcionando não em oposição, mas de maneira independente dele. Ela estaria relacionada, portanto, a algo muito mais primitivo nos seres humanos: à pulsão de morte.

A pulsão de morte é explicada por Freud recorrendo ao paradigma evolucionista. Ele utiliza a embriologia e até mesmo a etologia para desenvolver a ideia de que haveria um tipo de pulsão com tendências conservadoras2 que impele os seres vivos ao retorno ao seu estado inorgânico, já que o “inanimado já existia antes do vivo” (Freud, 1920, p. 161). Ele inaugura, assim, um novo dualismo pulsional, colocando de um lado a pulsão de morte, que tem o objetivo desagregador de alcançar mais rápido possível o fim da vida, e, do outro, Eros, que trabalha pela continuidade da vida.

O conceito de pulsão de morte surgiu, entre outros fatores, para responder ao desafio que apresenta, para a clínica psicanalítica, a existência de quadros como “as neuroses traumáticas e manifestações masoquistas, como a reação terapêutica negativa e os auto ataques” (Rudge, 2006, p. 81). Nesse sentido, Freud aproxima mais uma vez a filogenia da ontogenia, defendendo que as pulsões destrutivas existentes no sujeito seriam derivadas da pulsão de morte originária de todos os seres vivos.

Segundo Rudge (2006), Freud não oferece uma elaboração capaz de dar conta desses fenômenos clínicos apenas com essa perspectiva biológica da pulsão de morte, e por esta razão se dedica então à elaboração do supereu. Para ela, “o supereu […] constitui uma ferramenta teórica fundamental sem a qual o entendimento da operação da pulsão de morte na experiência psicanalítica, assim como seu manejo, não se torna possível” (Rudge, 2006, p. 3). É com a elaboração freudiana de uma instância psíquica controladora e julgadora que é possível entender a pulsão de morte como relacionada à história de cada sujeito. Essa instância se forma no processo de identificação através das primeiras relações do infante com o campo social.

Será a partir do que se convencionou chamar de segunda tópica do aparelho psíquico, com a construção conceitual das três instâncias psíquicas – isso, eu e supereu (1923) – que poderemos relacionar a compulsão à repetição com as identificações próprias da constituição do sujeito e, por esse caminho, buscar elaborar uma hipótese sobre o porquê a palavra profetizadora da mãe de Marcos, assim como a de Úrsula, matriarca da família Buendía, tem efeito de destino para seus descendentes.

O supereu, tal como nos apresenta Freud em seu texto “O eu e o isso”, de 1923, é constituído em dois tempos. No princípio da vida, em meio à fase oral, é formado pela “primeira e mais importante identificação de um individuo” (Freud, 1923, p. 44), que é a identificação com os pais de sua pré-história. Essa identificação seria direta e imediata, ocorrendo antes de existir a possibilidade de qualquer investimento libidinal em um objeto. Nesse momento, portanto, é marcada uma referência fundamental para o infante, um “deveria ser como”, que mais tarde Lacan chamará de ideal do eu.

O segundo tempo de formação do supereu seria ao final do período edípico marcado pela interdição do incesto. Nesse sentido, constitui-se a partir de uma proibição, que abre espaço para alteridade, tal como coloca Freud: “‘Você não pode ser assim’ (como o seu pai), isto é, você não pode fazer tudo o que ele faz; certas coisas são prerrogativas dele” (Freud, 1923, p. 47).

Nesse sentido, sendo a consciência moral resultante da superação e da dessexualização do complexo de Édipo, o supereu é considerado por Freud, em 1923, como herdeiro do complexo de Édipo. No entanto, em 1924, no texto “O problema econômico do masoquismo”, ele afirmará que essa consciência moral pode sofrer uma sexualização regressiva e, assim, a sua crueldade permitirá uma satisfação masoquista do eu.

Façamos um pequeno parêntese para falar da mudança do conceito de masoquismo na obra freudiana a partir deste texto de 1924, o que se torna fundamental para entendermos a sua relação com o supereu e, logo, com a pulsão de morte.

Desde 1905, com os “Três ensaios sobre a sexualidade”, Freud relaciona o masoquismo com a teoria das pulsões considerando-o uma pulsão parcial, que chama de pulsão sadomasoquista. Já em “Pulsões e seus destinos”(Freud, 1915), o par sadismo e masoquismo corresponde a dois destinos da pulsão: a transformação de ativo para passivo e o retorno contra o próprio sujeito, sendo o masoquismo sempre derivado de um sadismo originário. Nesse sentido, o masoquismo seria resultado de uma erotização da dor, logo, ligado às pulsões sexuais3.

Em 1924, a partir de suas elaborações de um mais além do princípio de prazer, ou seja, compreendendo que há elementos da vida psíquica que fogem a esse princípio, a posição inicial de que o masoquismo corresponde à erotização da dor é revista. A partir de seu novo dualismo pulsional, Freud considera que “a libido enfrenta a pulsão de morte” (Freud, 1924, p. 181), desviando para os objetos do mundo externo seu caráter destruidor, ou seja, transformando-a em agressividade. O sadismo seria a parte dessa pulsão que é “colocada diretamente a serviço da função sexual” (idem), e o masoquismo é o resto da pulsão de morte que não foi desviada para fora pela libido. Esse é o masoquismo que Freud chama de originário, ou primário. Ligado ao supereu esse masoquismo se expressa.

Com a elaboração da existência de um masoquismo primário, o supereu arcaico4 já não é uma instância articulada à lei, mas sim aliada aos objetivos da pulsão de morte, já que se alia “ao gozo e à satisfação pulsional masoquista, tornando-se esse supereu cruel que ordena: goza!” (Rudge, 1998, p. 60).

Freud afirma que a pulsão de morte é, por natureza, muda (Freud, 1923, p. 67), no entanto, ela se faz ouvir na experiência clínica quando ligada ao supereu. Ele já havia anunciado essa ideia em 1923, em sua análise do papel dessa instância psíquica nos quadros de melancolia, observando que, nesses casos, o supereu encontra um ponto de apoio na consciência e transforma o sentimento de culpa que é inconsciente em consciente. Assim, pode dirigir todo o sadismo disponível na pessoa para seu eu, se tornando “cultura pura da pulsão de morte” (Freud, 1923, p. 67).

Em 1924, no entanto, ele aprofunda sua análise entendendo que, uma vez que está envolvido na satisfação pulsional masoquista, o supereu passa a representar uma via de ligação do processo primário, permitindo certa elaboração psíquica da pulsão. Ou seja, é a partir do supereu que a pulsão masoquista – que corresponde a um resto da pulsão de morte – pode se expressar. Tal como coloca Rudge, “o supereu como introjeção de coisas ouvidas é o resquício de um Outro primordial” (Rudge, 1998, p. 60).

É nesse sentido que podemos entender a afirmação de Lacan de que é como experiência de discurso que a pulsão de morte se expressa na clinica psicanalítica (Lacan, 1969-70 apud Rudge, 1998).

A pulsão de morte e, logo, a repetição são associadas à ordem simbólica, podemos encontrar a explicação para isso na constituição do supereu. Tal como chamamos atenção anteriormente, o supereu, segundo nos apresenta Freud após 1924, é formado a partir das primeiríssimas identificações, aquelas que ocorrem em meio ao desamparo fundamental, quando a dependência ao outro é da ordem da preservação da vida.

É através da linguagem que o infante tem contato com o que, no Outro, aparece como desejo e se identifica com esse desejo; por isso, continua Rudge, “os mandatos superegóicos resultam de identificações com o que, nos pais, é desejo inconsciente, e subjugam o sujeito com especial eficácia porque operam, em sua quase totalidade, de forma inconsciente” (Rudge, 1998, p. 85).

No fragmento da análise de Marcos, podemos perceber que o jovem busca a resposta do porquê de suas ações em um “mais além”. Ele não reconhece essas ações como suas, como fruto de seu desejo, mas sim como pertencentes a uma cadeia destrutiva de atos dos homens de sua família.

Em “O Seminário sobre ‘A carta roubada’”, de 1956, Lacan chama atenção para o fundamento simbólico da repetição, denominando esse automatismo como “insistência da cadeia significante”. Assim, o simbólico não deve ser entendido como constituído pelo homem, mas como constituinte deste. A ordem simbólica está associada na obra lacaniana ao que transcende o homem, ao que é da ordem, portanto, da pulsão de morte, tal como destaca Coutinho Jorge: “[...] a ordem simbólica apresenta uma relação de exterioridade em relação ao sujeito [...]” (Coutinho Jorge, 2000, p. 65-66) e a repetição seria a manifestação dessa ordem.

Será em 1964, no entanto, com o seminário Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, que Lacan irá propor que há dois aspectos diversos da repetição: um, associado à ordem simbólica, que chama de “autômaton”, e outro, associado ao real, que nomeia de “tiquê”. O primeiro se relaciona à repetição em seu aspecto de insistência da cadeia significante, é o retorno dos signos relacionados ao domínio do princípio de prazer. A tiquê, no entanto, se relaciona no mais além desse princípio, implica no encontro sempre faltoso com o real (Coutinho Jorge, 2000). Nesse sentido, para Lacan, a repetição revela a relação indissociável entre simbólico e real, entre inconsciente e pulsão.

É na mitologia familiar que Marcos irá buscar respostas possíveis sobre seus atos e meios de fugir de um destino que teme e deseja, e que já se realizou no discurso de sua mãe. Em todos os nossos encontros ele repete que não quer ser como o pai: “eu nunca vou beber” me diz ele, reclamando que qualquer ato seu que a mãe desaprova é acompanhado da ameaça que tenta fechar seu destino quando diz: “está vendo, você vai crescer para ser como seu pai, você tem sangue ruim”. Por outro lado, o pai desfruta do prestígio de ser aquele que possui a mãe, e a demanda de não ser como ele, aponta para o desejo inconsciente de ser como ele, de ter os direitos que ele tem. A repetição pela mãe de seu vaticínio também fala, além de seu medo, de seu desejo inconsciente. O adolescente não se deixa enganar, pois sabe que há algo para além dessa explicação imediata do “sangue ruim”, tanto que, sempre que pode, introduz pontos de interrogação nas sentenças maternas “será que é por causa da história do meu pai que faço ‘essas coisas’?”.

A importância do ponto de interrogação que Marcos pode pôr no discurso do Outro é grande, pois remete à possibilidade de uma separação que está sendo efetuada aos poucos, durante o trabalho analítico. A grande dificuldade do jovem em desmontar a determinação materna está no fato de ela se colocar como parte de sua construção fantasmática. Buscaremos a seguir analisar o conceito de fantasia, e sua importância quando falamos de transmissão.


IV: Do ser ao sentido e do sentido ao ser

Aureliano e José Arcádio são os filhos dos fundadores da província de Macondo: Úrsula e Aureliano Buendía. No decorrer do livro esses nomes se repetem, misturam-se e confundem o leitor. Também se repete a relação incestuosa - que foi responsável pela própria fundação da cidade5 - geração após geração dessa família, ou seja, os casais formados são quase sempre endógenos ao círculo familiar.

Após 100 anos de muitas guerras e terríveis assassinatos, o único casal vivo é Amaranta Úrsula e Aureliano, que são tia e sobrinho que acabaram por se apaixonar devido a encontros e desencontros familiares. O nascimento do filho desse casal, último homem da família Buendía, é narrado assim por Gabriel Garcia Márquez:

“Num domingo, às seis da tarde, Amaranta Úrsula sentiu a premência do parto. A sorridente parteira [...] fez com que ela subisse na mesa da sala de jantar, montou a cavalo no seu ventre e a maltratou com galopes selvagens até que seus gritos foram silenciados pelo choro de um varão formidável. Através das lágrimas, Amaranta Úrsula viu que era um Buendía dos grandes, socado e voluntarioso como os Josés Arcadios, com os olhos abertos e clarividentes dos Aurelianos e predisposto a começar a estirpe outra vez do princípio e purificá-la dos seus vícios perniciosos e da sua vocação solitária, porque era o único em um século que tinha sido engendrado com amor.

— É um antropófago perfeito — disse. — Vai se chamar Rodrigo.

— Não — contradisse o marido. — Vai se chamar Aureliano e ganhar trinta e duas guerras” (Márquez, 1967, p. 216)
















No entanto, o pequeno Aureliano não resiste, morre levando consigo toda a história de sua família. Leva essa história em seu corpo, pois nasceu com o rabo de porco que sua tataravó tanto temia ver, denunciando a relação incestuosa que fundou a estirpe. Morre também sua mãe, minutos depois do parto, em meio a “um manancial inesgotável” de sangue. O pai termina de realizar o desejo de Úrsula, grande matriarca da família, morrendo em um “furacão bíblico” que destrói Macondo sem deixar vestígios.

Em seu seminário A relação de objeto, nos diz Lacan: “desde a origem a criança se alimenta tanto de palavras quanto de pão, e perece por palavras” (Lacan, 1956-57, p. 192). No encontro com o Outro a criança é inserida na ordem simbólica, ordem de troca de significantes. Pela criança essa troca é realizada primeiramente através do grito, que se torna significante a partir do momento em que o outro o acolhe como mensagem, como demanda de satisfação (Lacan, 1956-57).

Nas palavras de Garcia Márquez, o pequeno Aureliano não demanda nada, não chora ou grita em momento algum de sua curta vida, ou, se grita, não há ninguém que possa escutá-lo. O que em primeiro momento parece ser a suposição de um sujeito por parte do pai, quando esse o nomeia, se revela como desejo de morte. Após a morte da mãe da criança, não há nada que possa salvá-la desse desejo. O autor narra a forma como Aureliano vê o filho momentos antes deste morrer: “E então viu a criança. Era uma pelasca inchada e ressecada que todas as formigas do mundo iam arrastando trabalhosamente para os seus canais pelo caminho de pedras do jardim” (Garcia Márquez, 1967, p. 217).

O que chama atenção nessa passagem do livro de Garcia Márquez é a condição de alienação em que se encontra o bebê ao nascer, ou seja, sem alguém que invista afeto, que o aliene em seu desejo, o pequeno Aureliano não pode sobreviver, se torna “uma pelasca inchada e ressecada”.


IV. 1) Alienação, separação e fantasia.


Podemos ler em Freud a defesa de uma capacidade inata de simbolização nos seres humanos, desde “Os estudos sobre histeria” (Freud, 1893-95) até “Moisés e o monoteísmo” (Freud, 1939).6 No entanto, se a capacidade de simbolização é considerada por Freud como ‘inata’, o símbolo não o é. No processo de emergência do sujeito, é necessário outro sujeito que o mergulhe na linguagem, que responda à sua demanda. Ou seja, é necessário um Outro para introduzir o indivíduo na ordem simbólica.

É do não-sentido, portanto, que se chega à significação, sendo essa relação intermediada por um terceiro. Esse terceiro é um Outro, não aquele que se distingue do eu na relação imaginária do estádio do espelho, mas o grande Outro, denominado por Lacan pela letra “A”.

O processo de alienação se dá a partir do encontro do indivíduo com a linguagem, com a lei que preexiste a sua formação, lei com a qual ele tem que se conformar para receber o reconhecimento do Outro falante, que o ensinará a utilizar a linguagem e fornecerá os significantes necessários para isso.

Tal como colocamos anteriormente, a primeira intervenção da criança em termos de troca simbólica se dá em forma de grito (Lacan, 1978). Esse grito se torna significante a partir do momento em que o Outro o toma como mensagem. Nesse sentido, é o significante produzido com a resposta do Outro – na linguagem lacaniana chamada de S2 – que transforma o grito em significante – S1. Podemos dizer que S2 transforma o grito em significante a posteriori, oferecendo-lhe um sentido. Assim, a dimensão do sentido está na articulação entre S1-S2 e pode-se considerar que o que produz sentido, produz também a alienação.

Mesmo o significante que Lacan chama de significante mestre (S1), aquele que o sujeito usa para se representar junto a outros significantes (que sempre serão S2) é tomado do Outro. Assim, considera-se que o sujeito é criado a partir da nomeação do vazio, da materialização da ausência (Nascimento, 2010). Por isso, Lacan identifica o campo do ser com o campo do discurso.

“Do ser ao sentido há o vel da alienação; do sentido ao ser o da separação”, nos afirma Sonia Alberti (2009, p. 111). Ora, se Lacan afirma que o campo do ser é o campo do discurso, do significante oferecido pelo Outro, podemos afirmar que o campo oposto, o do sujeito, está condenado ao silêncio. S1, ao mesmo tempo em que cria o sujeito, o apaga, pois o aliena. A única forma do sujeito não se apagar é não escolher a via da alienação, mas aí ele estará condenado ao não-sentido. Aí está, portanto a condição de sujeito dividido: “não pode se manifestar se não no intervalo entre S1-S2, antes do sentido se constituir, mas depois de um significante ter sido capturado” (Alberti, 2009, p. 4). Assim, a operação de separação implica um corte entre S1 e S2.
Na alienação há, portanto, a imersão do sujeito no campo do Outro, respeitando suas leis e desejando seu reconhecimento, desejando completá-lo. No entanto, não há completude no Outro, algo sempre falta. Para falar do processo de separação, traremos um conceito que Lacan considera a sua contribuição original em psicanálise (Miller, 2011), o objeto “a”, objeto causa do desejo.

Freud, em “Pulsões e seus destinos”, de 1915, afirma que um dos quatro elementos que compõem a pulsão é o objeto7, e que esse é indiferente, ou seja, que qualquer objeto pode ocupar o lugar de objeto da pulsão, logo, podemos dizer que nenhum objeto a satisfaz totalmente. Retomando essa passagem da obra freudiana, Lacan chamará essa falta de um objeto que satisfaça completamente a pulsão de objeto a, colocando que esse objeto é “[...] a presença de um cavo, de um vazio, ocupável, nos diz Freud, por não importa que objeto, e cuja instância só reconhecemos na forma de objeto perdido, a minúsculo” (Lacan, 1964, p. 170).

O objeto a é, portanto, um objeto faltoso, ou melhor, objeto perdido desde sempre, que o sujeito procura reencontrar. Esse objeto tem diversas aparências imaginárias, construídas por cada sujeito a partir dos significantes que o Outro lhe oferece. No entanto, embora participe simultaneamente dos três registros – real, simbólico e imaginário – a dimensão mais importante do objeto a é o seu estatuto real, que designa que esse objeto está fora do registro do simbólico, esse objeto ex-siste, ou seja, está fora da cadeia significante.

O nome que Lacan encontra na obra freudiana, especificamente no “Projeto” que designaria essa dimensão real do objeto a é das Ding (a Coisa), elemento que ocupa para o sujeito lugar de primeiro exterior, estranho, pois nada no campo das percepções pode corresponder a ele. Das Ding é condição de possibilidade para que o objeto a seja apresentado ao sujeito pela via da falta, ou seja: “a Coisa prepara o terreno para que [...] possamos perseguir um conceito de objeto que desta falta faça substância” (Darriba, 2005, p.70).

É o encontro do sujeito com a falta, com o objeto a, que lhe permite realizar a operação de separação, ou seja, o corte entre S1-S2 e fazer de S1 o significante de sua diferença, de sua verdade mais particular. Assim, o objeto a está ligado ao mais íntimo desejo inconsciente do sujeito, aquele que surge por trás de S1.

A operação de separação revela, portanto, uma demanda desconectada do Outro, revelando a oposição profunda entre o que Lacan chama de sujeito do inconsciente (je) e o eu (moi) que se relaciona à cadeia articulada, ligada ao Outro. Esse movimento de desenraizamento do Outro na operação da separação coincide com a travessia da fantasia.

A fantasia é o que dissimula o encontro com o real e o torna suportável para o sujeito. Ela surge a partir da operação da castração, que produz o recalque originário, agenciada pelo significante o Nome-do-Pai, fazendo com que aquilo que antes era empuxo-ao-gozo (pulsão de morte) seja contido e passe para uma região onde possa ser sexualizado. Ali, a fantasia pode dominar pelo menos uma parte dessa pulsão de morte (Coutinho Jorge, 2010). Há, nesse sentido, uma perda que a operação da castração produz e a fantasia fundamental se coloca como aspiração à reconquista do que foi perdido.

No primeiro momento de encontro com a castração, a fantasia constitui-se como representação imaginária do objeto perdido, ou seja, o objeto da fantasia é o objeto a, tal como afirma Coutinho Jorge: “O desejo não possui objeto, mas a fantasia é o suporte do desejo na medida em que ela o fixa numa certa relação estável com determinado objeto” (Coutinho Jorge, 2010, p. 78). No entanto, a fantasia não é só a matriz do objeto perdido, mas também é organizadora da realidade, é atravessada pelo desejo, pois “enquadra e emoldura a realidade” (Nascimento, 1997, p. 8), logo, além da função imaginária, ela também opera no simbólico.

A fantasia é uma espécie de roupagem, de “véu” da pulsão, pois, se ordena a relação do sujeito com a realidade, é apenas na condição de ordenar também a relação do sujeito com o gozo. Nesse sentido, podemos entender a fantasia como resultado da articulação entre pura vontade de gozo (pulsional) e a demanda de amor (em relação ao Outro).

“Só o amor permite ao gozo condescender ao desejo” nos diz Lacan (1963-64, p. 197) em seu Seminário 10: a angústia. Amor e gozo são representantes dos dois pólos da fantasia, o pólo inconsciente e o pólo pulsional, seguindo o matema $àa. A diferença entre amor e gozo é exatamente na produção de sentido inerente ao amor que se opõe à falta de sentido inerente ao gozo. Assim, “pode-se postular que a fantasia é, em essência, uma fantasia de desejo de completude, construída em torno de dois pólos diversos: o amor e o gozo” (Coutinho Jorge, 2010, p. 82).

O eu (moi) se encontra, assim, no meio de uma luta entre a satisfação pulsional e as exigências do Outro, recusando à pulsão um meio de se satisfazer por medo da perda de amor, pois crê no argumento falacioso de que, para obter satisfação, é necessário de início se recusar a ela. Nesse sentido, o eu (moi) não deseja nada, já que sua demanda de amor não é o verdadeiro desejo, pois tem raiz na pulsão e sua exigência de gozo, melhor dizendo, é por querer garantir a satisfação pulsional que o eu se torna escravo das leis do Outro.

O percurso teórico que fizemos até aqui insere a problemática da emergência do sujeito no campo do social, ou seja, no campo do Outro. As três operações de que tratamos especificamente nesse capítulo – alienação, separação e constituição fantasmática – deixam claro que o humano se constitui a partir das trocas simbólicas que permitem a tessitura de sua vida psíquica. Essa tessitura, ao mesmo tempo em que permite compreender o mundo, aprisiona o ser.

No caso do adolescente Marcos, assim como dos homens da família Buendía no livro de Garcia Márquez, a palavra materna é o grande veículo do discurso que fecha o destino dos sujeitos, os prende em um gozo que, como todo gozo, leva à repetição impossível de dialetizar. Mas, por que a mãe? Talvez a resposta a essa questão nos aproxime de uma conclusão possível sobre o problema da transmissão.

Desde o princípio deste texto, propusemos que na construção mitológica freudiana a continuidade psíquica entre as gerações é marcada por um conteúdo fundamental: a interdição do incesto. É nesse sentido que no texto “Os complexos familiares, em 1938, Lacan afirma que a família é, entre os grupos humanos, a grande responsável pela transmissão cultural, pois cabe a essa instituição refrear o gozo.

Esse refreamento é dado pela função paterna, responsável por transformar o desejo da mãe em algo diferente, em outras palavras: o desejo da mãe é substituído pelo Nome-do-Pai. A metáfora paterna produz uma significação que não existia antes e a partir disso leva a uma moderação de gozo, que em Lacan, recebe o nome de castração.

Se, por um lado, Lacan afirma que é necessário que o desejo da mãe seja substituído pelo Nome-do-Pai, por outro, ele coloca que é exatamente o desejo da mãe que torna possível a inscrição do Nome-do-Pai. Isso porque o gozo mítico é sustentado no mito da mãe fálica, ou seja, na crença de que é possível encontrar um objeto que corresponda ao desejo do Outro materno: o pai seria o significante do desejo da mãe, estando à altura de responder pela falta desta.

Um bom exemplo dessa articulação é a forma como Gabriel Garcia Márquez narra a forma como Aureliano Buendía nota pela primeira vez seus filhos:

“— Em vez de andar por aí com essas novidades malucas, você devia era se ocupar dos seus filhos — replicou. — Olhe como estão, abandonados ao deus-dará, como os burros.

José Arcadio Buendía tomou ao pé da letra as palavras da mulher. Olhou pela janela e viu os dois meninos descalços na horta ensolarada, e teve a impressão de que só naquele instante tinham começado a existir, concebidos pelos rogos de Úrsula” (Márquez, 1967, p. 12, grifo nosso).










Ora, se foram “concebidos pelo rogo de Úrsula”, é apenas no momento em que são vistos pelo pai (que responde a esse rogo) que os filhos começam a existir. Até aí, como afirma Úrsula: são como burros, nem mesmo humanos.

Qual seria, assim, a função do pai? Segundo Lacan, em sua leitura do Édipo freudiano, ao pai caberia transmitir a lei do desejo que permite que seus filhos façam laço social na sua própria geração: ele outorga o direito à sexualidade a partir da interdição do incesto. Ele opera no desejo da mãe, pois mostra que seu desejo se dirige a uma mulher, logo, ele transmite a virilidade, que é uma das formas de colocar que ele transmite “o falo” a seu filho. No entanto, como dissemos, o Nome-do-Pai é exterior, causado pelo desejo da mãe.

A função simbólica do pai é estruturante, castradora, barra o acesso do filho ao gozo da mãe. Nesse sentido, o Nome-do-Pai é estruturalmente necessário, ou seja, o sujeito precisa recorrer a ele durante toda a vida. No entanto em algum momento, - que Freud localiza na puberdade - a imagem idealizada do pai é, aos poucos, deixada de lado. De um lado, isso lhe permite uma capacidade crítica e a busca de novas identificações, mas de outro, ele passa a buscar a representação do Nome-do-Pai de outras formas.

Esse é o momento no qual Marcos se encontra, na entrada da adolescência. É interessante notarmos como ele busca a identificação com o pai a partir de um traço deste, que podemos reconhecer a partir de um significante: coca.

Em uma sessão Marcos conta como havia descoberto que todos os homens da família de seu pai tinham sido alcoólatras, colocando que só poderia fugir desse destino recorrendo ao “lado” de sua mãe, ou seja, à família de sua mãe na qual existiram homens que venceram o alcoolismo, como seu avô materno que foi alcoólatra e conseguiu parar de beber após desenvolver uma doença. Afirma que nunca irá beber, que quer um destino diferente dos homens da família de seu pai. Assim, quando seus primos lhe oferecem cachaça, ele sempre responde: “Não, eu só quero coca”. O significante “Coca” é ressaltado pela analista: se todos os homens da família do pai de Marcos foram viciados em álcool, o vício em cocaína é uma particularidade de seu pai na história familiar.

Para responder ao desejo da mãe que lê nas entrelinhas da ameaça “você será como o seu pai”, Marcos traz o significante que diferencia seu pai dos outros homens da família. Teria de haver um, já que o pai ainda está vivo, diferente do avô e dos tios. Estando em análise, esse significante aparece como um desejo, que pode ser escutado em uma relação transferencial.

O campo da transferência é onde opera a psicanálise, a cena do sujeito “na qual ele próprio reconstrói sua história e desvela seu desejo, o que equivale dizer que a psicanálise não comporta significações preestabelecidas” (Alberti, 2009, p. 201).

Sabemos que hoje o adolescente não pode mais recorrer a um campo de significações claramente mapeado, que existiu em outras épocas e conferia sentido a transformações próprias à passagem da infância para a vida adulta. Os ritos, a religião, pilares do estabelecimento de regras, tal como nos coloca Foucault (1976) foram desestabilizados nos últimos duzentos anos, sobretudo pelo discurso tecnológico-científico. Isso faz com que o adolescente tenha que se responsabilizar por uma solução para as suas questões, o que é extremamente difícil, principalmente por que há, no imaginário coletivo contemporâneo, pouco lugar para a singularidade do desejo.

Talvez aí encontremos a possibilidade, a “boa nova” que a psicanálise pode nos trazer em relação ao tema da transmissão e repetição: embora sejamos constituídos no campo do Outro, e recorramos a ele para buscar sentido para nossa existência, há algo de singular que podemos buscar para que o gozo possa ser transformado em desejo.

Tal como ressalta Nascimento:

“A cura psicanalítica não visa restituir ao sujeito o poder total de seu destino e de seu desejo, mas apenas dar-lhe a possibilidade de trabalhar, de agir sobre um terreno de contingência, sobre uma pequena brecha que se abre no real pulsional. A cura psicanalítica não visa, assim, nada senão dar ao sujeito a chance de fazer sua a sua própria verdade, fazer seu o seu próprio estilo. Um estilo que vem sobretudo do objeto pequeno a, e não um estilo importado do Outro” (Nascimento, 2010, p. 13).








Para a família Buendía isso não foi possível, o resultado da profecia destruidora que marcou a família foi o furacão descrito por Garcia Márquez como “bíblico”, ou seja: puro gozo mortífero do grande Outro. Marcos, no entanto, consegue aos poucos se apropriar de seu desejo e tenta construir um destino próprio, que vá além da maldição dos homens de sua família e da ameaça das mulheres.

Assim, trazemos novamente a bela frase de Lacan: “Só o amor permite ao gozo condescender ao desejo” (Lacan, 1962-63, p. 197). É o amor de transferência que permite que a repetição se efetue na análise, podendo ser dialetizada, falada, significada. Apostamos que o trabalho analítico abra a possibilidade de que a história familiar seja não uma prisão para o sujeito fechando suas possibilidades em um destino traçado, mas uma referência, um lugar que situa, mas não determina.


Notas

1 - Lacan posteriormente considera que o supereu cultural não está em continuidade, mas em ruptura ao supereu edípico, pois enquanto o segundo produz um ideal do eu, o primeiro não promete nenhum ideal, “apenas ideais de nada” (Rassial, 2004).

2 - A partir dessa obra, Freud considera as duas características de toda pulsão exatamente seu caráter conservador (restitutivo de um estado anterior) e o seu aspecto repetitivo (Freud, 1920).

3 - Devemos sublinhar que, em 1915, Freud ainda não havia elaborado a distinção entre pulsões de vida e pulsões de morte, seu dualismo pulsional ainda pertencia ao par pulsões sexuais e pulsões de auto-conservação.

4 - A expressão “supereu arcaico” é encontrada na obra de Klein e retomada por Lacan. No entanto, como colocamos aqui, Freud já em 1923 considerava o supereu como sendo formado em dois momentos, sendo o primeiro relativo ao momento de identificação anterior ao Édipo.

5 - Aureliano e Úrsula fundam Macondo após fugirem de sua cidade natal, fuga narrada pelo autor como forma de esquecerem dos fantasmas gerados por sua relação incestuosa.

6 - Em “Moisés e o monoteísmo”, Freud defende que há “um simbolismo ‘inato’ que deriva do período do desenvolvimento da linguagem, familiar a todas as crianças sem que elas sejam instruídas, e que é o mesmo entre todos os povos, apesar de suas diferentes línguas” (Freud, 1923, p. 112).

7 - Os outros elementos são: pressão, meta e fonte (Freud, 1915).


Referências bibliográficas


ABEL, M. C. Verdade e fantasia em Freud, in Ágora, Rio de Janeiro: Contracapa, n. 1, vol. 14, 2011. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982011000100004&lng=en&nrm=iso
Acesso em 03/05/2012.

Abraham, K. (1912) Contribution psychanalytique à l’étude de sa personnalité et du culte monothéiste d’Athon, in Abraham, K. Oeuvres completes. Paris: Éditions Payot, vol. 1, 1965, p.232-256.

ALBERTI, S. (2009) Esse sujeito adolescente. Rio de Janeiro: Contracapa, 2009.

COUTINHO JORGE, M.A. (2008) Fundamentos da psicanálise: de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, vol. 1.

COUTINHO JORGE, M.A. (2010) Fundamentos da psicanálise: de Freud a Lacan a clinica da fantasia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. vol. 2.

DARRIBA, Vinicius. (2005) A falta conceituada por Lacan: da coisa ao objeto a, in Ágora. Rio de Janeiro: Contracapa, n. 1, v. 8, jan. 2005, p. 63-76.

FERNANDES, A.H. (2004) Trauma e estrutura familiar, in Revista Mal-Estar Subjetivo. Fortaleza: Pepsic, n. 2, v. 4, set. 2004. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482004000200007&lng=pt&nrm=iso
Acesso em 06/10/2011.

FOULCAULT, M. (1993) História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal.

FREUD. S. (1905) Três ensaios sobre a sexualidade, in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. vol. 7, p.117-217.

FREUD, S. (1913 [1912-1913]) Totem e Tabu, in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. vol. 13, p. 11-164.

FREUD, S. (1914) A guisa de introdução ao narcisismo, in Escritos sobre a psicologia do inconsciente. Rio de Janeiro: Imago, 2006, vol. 1, p.97-131.

FREUD, S. (1915) Pulsão e os destinos da pulsão, in Escritos sobre a psicologia do inconsciente. Rio de Janeiro: Imago, 2006, vol. 1, p. 145-174.

FREUD, S. (1918 [1914]) História de uma neurose infantil, in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006, vol. 17, p.13-127.

FREUD, S. (1919) O estranho. in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. 17, p. 233-269.

FREUD, S. (1920) Além do princípio do prazer. in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago editora, 2006, vol. 2, p. 11-75.

FREUD, S. (1921) Psicologia de grupo e análise do eu, in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006, vol. 18, p. 77-153.

FREUD, S. (1923) O Eu e o id, in Escritos sobre a psicologia do inconsciente. Rio de Janeiro: Imago, 2004, vol. 2, p. 27-92.

FREUD, S. (1924) O Problema econômico do masoquismo, in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006, vol. 19, p. 173-187.

FREUD, S. (1930 [1929]) Mal estar na civilização, in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago editora, 2006. Volume XXI ,p: 65-148.

FREUD, S. (1939 [1934-38]) Moisés e o monoteísmo, in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago editora, 2006. Volume XXIII, p. 13- 149.

KUPFERBERG, M.; RUDGE, A.M.deT.P. (2004) Filhos da guerra: um estudo psicanalítico sobre o trauma e a transmissão. Tese de doutorado. Curso de Pós-Graduação em Psicologia Clínica, Departamento de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. RJ.

LACAN, J. (1938) Os complexos familiares. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

LACAN, J. (1953) Função do campo da fala e da linguagem, in Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 238-324.

LACAN, J. (1956-57) O seminário livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.

LACAN, J. (1960-61) O seminário livro 7: a ética em psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.

LACAN, J. (1962-63) O seminário livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

LACAN, J. (1963-64) O seminário livro 11: Os quatro conceitos fundamentais em psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

LACAN, J. (1969-70) O seminário livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.

MÁRQUEZ, G.G. (1967). Cem anos de solidão. Rio de Janeiro: Record, 1997.

MILLER, J-A. (1981) Jacques Lacan: 1901-1981, in Ornicar?. 1981, n. 24, p. 35-46.

MILLER, J.-A. (2011) Perspectivas dos escritos e outros escritos de Lacan: Entre desejo e gozo. Rio de Janeiro: Zahar.

NASCIMENTO, M.B. (2010) Alienação, separação e travessia da fantasia, in Revista Opção Lacaniana. São Paulo: Eólia, n. 1, 2010, p. 1-15.

RASSIAL, J. (2004) Questões pós-modernas e psicanálises autistas e crianças maltratadas, in Revista Percurso. São Paulo: Santuário, n. 31-32, 2004. Disponível em:
http://www2.uol.com.br/percurso/main/pcs3132/3132Entrevista.htm
Acesso em: 20/10/2011.

RIFKIN, J. (1999) O século da biotecnologia. São Paulo: Makron books.

RUDGE, A. (1998) Pulsão e Linguagem: esboço de uma concepção psicanalítica do ato. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.

RUDGE, A. (2006) Pulsão de morte como efeito de supereu, in Revista Ágora, Rio de Janeiro, n. 1, v. 9, jun. 2006, p. 79 - 89.

RUDGE, A. (2009) Trauma. Rio de Janeiro: Zahar.

ZORNIG, S.A-J. (2008) A criança e o infantil em psicanálise. Rio de Janeiro: Escuta.



Resumos


“It’s in the blood”: transmission and psychoanalysis.


Motivated by a clinical case and also by the novel by Gabriel Garcia Márquez, One Hundred Years of Solitude, the article approaches the concept of transmission in psychoanalysis and the repetition of trauma among the different generations of a family, considering the genealogy of the subject a being of language, as inserted in the field of the Other. The question is in what conditions the analytic work makes possible the subject´s emergence, once he is inserted in the condition of alienation, implicit in his constitution, and subjected to the categorical imperatives of the superego - that command the mortal repetition.

Keywords:
psychoanalysis, transmission, trauma, fantasy.


“C´est dans le sang”: transmission et psychanalyse.


Motivé pour un cas clinique et aussi pour le roman de Gabriel Garcia Márquez, Cent Années de Solitude, l'article approche le concept de transmission dans la psychanalyse, et la répétition du trauma parmi différentes générations d'une famille, comprennant la généalogie du sujet, être de langage, comme inséré dans le champ de l'Autre. La question du travail est de comprendre comme le travail analytique fait possible l'emergence du sujet dans sa singularité, une fois que la condition de l'aliénation est implicite dans sa constitution et que il est soumis aux imperatives catégoriques du surmoi qui commande la répétition mortelle.

Mots-clés:
psychanalyse, transmission, trauma, fantasme.


Citacão/Citation:
PAES, F.F. RUDGE, A.M.; “Está no sangue”: transmissão e psicanálise. Revista aSEPHallus, Rio de Janeiro, vol. VI, n. 12, mai. a out. 2011. Disponível em www.isepol.com/asephallus
Editor do artigo: Tania Coelho dos Santos.
Recebido/Received: 15/05/2011 / 05/15/2011.
Aceito/Accepted: 30/05/2011 / 05/30/2011.
Copyright: © 2011 Associação Núcleo Sephora de Pesquisa sobre o moderno e o contemporâneo. Este é um artigo de livre acesso, que permite uso irrestrito, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que o autor e a fonte sejam citados/This is an open-access article, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the author and source are credited.