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Metamorfoses: família, escola e violência
Metamorphosis: family, school and violence
Métamorphoses: famille, école et violence


Ednei Soares
Psicanalista
Mestre em Psicologia / PUC-Minas
edeoliveirajr@yahoo.com.br


Resenha do livro:
LAIA, Sérgio. (2007) Metamorfosis de la família. Córdoba: CIEC. 75p.

Nos tempos em que as vacilações da ordem simbólica se tornam cada vez mais evidentes, enfrentamos novos modos de (des)organização da subjetividade e da cultura. No entanto, a psicanálise lacaniana se posiciona de forma a acolher as manifestações produzidas por essa desordem, o que lhe permite tecer considerações sobre as transformações nos arranjos familiares, nas formas de manifestação da violência e no papel de instituições como a escola. Tal é o desafio que Metamorfosis de la familia, de Sérgio Laia, se empenha.

Apesar do desafio, o texto de Sérgio Laia prova que Jacques Lacan é um interlocutor favorável em se tratando de discussões contemporâneas e das questões vinculadas ao modo como o século XX se configurou. A “mãe-lacaniana” (Laia, 2007, p.32) e a pére-version exemplificam o potencial lacaniano de reflexão além da clínica, pois o ensino de Lacan entra em diálogo com a diversidade dos laços familiares atuais e com as reorganizações das funções e responsabilidades nos grupos familiares, assim como o lugar das crianças nessas novas configurações. Metamorfosis de la familia demonstra também que o pensamento de Lacan revigora a reflexão sobre os fenômenos sociais do século XXI e suas formas de apresentação, sendo a escola espaço privilegiado de presentificação dos efeitos das metamorfoses na violência e na família. Neste sentido, a noção de semblante e seu funcionamento são capazes de demonstrar como a organização do espaço tem efeitos sobre a violência, assim como nas famílias.

A publicação argentina, constitui um dos títulos da Colección Grulla, uma publicação do CIEC – Centro de Investigación y Estudios Clínicos, fundação associada, por sua vez, ao Instituto do Campo Freudiano em Córdoba.

O título, Metamorfoses da família, se refere ao seminário internacional proferido por Sérgio Laia durante a VII Jornada do CIEC em 9 e 10 de Novembro de 2007. A publicação, composta por 75 páginas, inclui também a conferência do psicanalista na Universidade de Córdoba, “Violência escolar e familiar”, em 9 de novembro de 2007 e o texto anexo, “A lo largo e más allá del padre”, apresentado primeiramente na XII Jornada da Escola Brasileira de Psicanálise em 2005 e publicado na Revista Opção Lacaniana, número 47, de 2006.

Sérgio Laia é professor titular da Universidade FUMEC (Fundação Mineira de Educação e Cultura), doutor em letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, psicanalista membro da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) e membro da Associação Mundial de Psicanálise (AMP). Já foi, também, presidente da EBP e membro do Comitê de Ação da AMP.

Quanto à família, sabemos que o tema atraiu atenção de Lacan ao final da década de 1930, como é evidenciado especialmente nos “Complexos Familiares”, de 1938. A família configuraria, de forma longitudinal em Lacan, uma matriz sob a qual seriam efetivadas funções referentes à tarefa de moderação do gozo (via Nome-do-Pai) e aquela de desempenhar a própria transmissão da lei e da cultura. Entretanto, ao discutir sobre a família frente às intensas transformações dessa célula da sociedade, o autor não se limita a uma mera revisão sobre a família na obra de Lacan. Tampouco se trata de um Lacan nostálgico do pai e da Lei, mas de guiar-se pelo real da vida que aborda o que escapa. Mesmo trabalhando com conceitos como Nome-do-Pai e objeto a, a tônica das elaborações de Laia ganha maiores consequências no período do ensino de Lacan chamado de segunda clínica.

Ciente da precariedade que é derivada do declínio da função paterna, o autor dá visibilidade a fenômenos que expõem as casualidades do “Real sem lei”, seja nas novas organizações familiares, como também nas segregações sociais, nas atuações violentas, nos sintomas contemporâneos ou no apagamento da infância. Ou seja, diferente de um excessivo recenseamento sobre a presença da noção de família nos textos lacanianos, Sérgio Laia mostra as respostas da psicanálise lacaniana aos impasses contemporâneos.

Para isso, o autor trata dos temas em questão abordando dados da própria realidade brasileira. Por exemplo, ao elaborar sobre a presença da violência urbana, da violência escolar e da criminalidade, Laia o faz lançando mão de dados do CRISPI-UFMG (Centro de Estudos sobre Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais). Do mesmo modo, as incidências do “domínio materno” na constituição das famílias brasileiras atuais e suas consequências, são conjugadas e discutidas com os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em coexistência ao “domínio materno”, a “demissão paterna” nas famílias ganha visibilidade através do trabalho do PPCAAM (Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte).

As discussões feitas pelo autor, atreladas a essas fontes de dados, têm ganhado, aliás, interesse crescente pela ação lacaniana na cidade, uma vez que esta ação faz interface com programas de Controle de Homicídios, como o Fica-Vivo em Minas Gerais e o Projeto Digaí-Maré, no Rio de Janeiro. A atuação destes últimos é também fonte de interesse para o autor em Metamorfosis de la familia.

Se por um lado, Laia trabalha o termo metamorfose e sua relação com a família a partir da investigação antropológica de Maurice Goldelier, quem reintroduziu a pesquisa sobre a família neste campo (temática quase esquecida após 1949 com as Estruturas Elementares do Parentesco, de Claude Lévi-Strauss), por outro lado, o autor evoca o poema de Ovídio, Metamorfose, onde esta se articula com a dimensão do corpo. Segundo Sérgio Laia, “falar da metamorfose da família em uma perspectiva lacaniana nos leva a introduzir o corpo na família” (Laia, 2007, p.29), isto é, “na direção do que Lacan nos autoriza a chamar de sexuação das funções do pai, da mãe e do filho” (p.29). Num momento em que o simbólico não produz eficácia como antes, inserir o corpo nas metamorfoses familiares não se dá sem motivo, pois essa perspectiva nos permite pensar a dificuldade tão atual em definir as características do que é “ser homem” ou “ser mulher” (p.27-28) e suas incidências sobre a família.

Embora considere que a família nuclear “é instável, se modifica e se transforma como em uma metamorfose” (p.30), o autor recorda a faceta lacaniana da família como resíduo, resto inassimilável que corporifica o irredutível da transmissão que é a da constituição do sujeito. A partir desse irredutível, Lacan fez a articulação entre o “não-anonimato com a particularização das funções da mãe e do pai” (p.31). Em contrapartida, fenômenos como a violência urbana evidenciam o preço pago quando crianças são subjetivamente constituídas em um “anonimato do mundo” (p.32), transpondo então a angústia do domínio materno para angústia do Outro social.
Face ao anonimato desorientador, a ação do analista revitaliza o que foi mortificado pela dimensão paterna fazendo valer nomeações como “ser mãe”, “ser filho” ou “ser pai” não como obrigações, mas possibilitando emergir daí algo do vivo, do subjetivo, do particular e permitindo intervenções criadoras de novos laços.