Fobia, perversão e metáfora paterna
Phobia, perversion and paternal metaphor


Ana Carolina Duarte Lopes
Mestre em Teoria Psicanalítica pelo Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Membro Associado da Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle
caroldlopes@hotmail.com

Resumo

Esse artigo vem diferenciar a fobia da perversão, na qualidade de posições subjetivas decorrentes da percepção da castração materna, através da construção lacaniana sobre o significante falo, em suas vertentes positiva e negativa. De um lado, a fobia surgiria como um apelo ao Pai (ou seja, a busca de um ordenador simbólico, a metaforização da falta). Por outro, na perversão haveria a negação da lei que limita o gozo, reduzindo o objeto sexual à categoria de fetiche.

Palavras-chaves: Pai; falo; fobia; perversão.

 

Phobia, perversion and paternal metaphor

Abstract

In this article, the author establishes a difference between phobia and perversion, as positions arising from the subjective perception of maternal castration, based on Lacan’s definition of phallus, in its positive and negative lines of interpretation. On one side, a phobia would arise from a call to the Father (i.e. the search for a symbolic authority of the void, a metaphoric figure). On the other side, on perversion, there would be a denial of the law that limits joy, diminishing the sexual object to the category of fetish.

Keywords: Father; phallus; phobia; perversion.

 

 

Em seus estudos iniciais, Freud apontou na histeria a particularidade do sintoma fóbico, constituído a partir do deslocamento significante. Dessa maneira, a fobia é tida por ele como histeria de angústia, marcando uma diferença no campo da histeria pela resposta que o sujeito dá à angústia que lhe invade. Diante disso, a fobia surge para inserir no mundo da criança um limite.
O caso do pequeno Hans (Freud, 1909) - paradigmático caso de fobia da história da psicanálise - ocupa um lugar de destaque na literatura psicanalítica, pois, pela primeira vez, o paciente de Freud era uma criança. O que torna precisa a investigação no que diz respeito à entrada do sexual no campo subjetivo.

O sintoma fóbico ilustra o tempo do confronto do sujeito com o enigma da sexualidade, revelando a lógica da estruturação deste enquanto sujeito do inconsciente. A fobia é tida na explanação freudiana como a neurose da infância por excelência, justamente por se fazer aparecer no momento onde o Eu se vê em dificuldades quanto à castração.
Freud, em seu desenvolvimento teórico, utiliza-se do mito do Édipo na tentativa de explicar a constituição e a estruturação do sujeito, ou seja, sua posição frente ao desejo e à lei paterna. O pai funcionaria como modelo identificatório e transmissor dos valores morais, constitutivo do Ideal do Ego.

Lacan (1956-57) articula diferentemente os conceitos de objeto e de castração. Ele redimensionou o conceito freudiano de castração, conceituando-o como uma das formas da falta de objeto. Para Lacan, a operação da castração não diz respeito apenas à ameaça de castração ditada por um adulto, mas principalmente a uma ameaça cujo efeito deve ser compreendido como uma cisão do vínculo imaginário e narcísico estabelecido entre a criança e a mãe.
Até Hans começar a prática masturbatória e sua irmã nascer podemos acreditar que havia certo equilíbrio na vida do menino, já que, de uma forma ou de outra, ele de fato podia acomodar-se na posição de falo imaginário da mãe. Ao emprestar ao seu corpo a função de falo, ele seria o que iria suprir a castração materna. No decorrer de seu relato, Freud valoriza o pedido de amor que Hans faz à sua mãe. Já Lacan, não desvalorizando o que Freud havia verificado, aponta algo fundamental: a demanda materna.

Com o nascimento de sua irmãzinha, Hans sente-se ameaçado com a possibilidade de ser substituído enquanto objeto de amor, o que lhe traz muita decepção com relação à mãe. O que o menino não sabia é que a falta que ele havia sido chamado a suprir é da ordem da impossibilidade e que, assim, sua posição de falo da mãe só poderia ser insustentável. A angústia frente à introdução do terceiro, o que desvia o olhar materno, é relevante no surgimento da fobia de Hans, pois diz respeito a uma mudança de posição dele como objeto materno. E, assim, como solução da angústia causada por essa mudança de lugar, temos o sintoma fóbico, que se apresenta como uma maneira de relativizar a demanda imperiosa do Outro. Hans não sabe o que o Outro quer, mas isso não o dispensa de tentar responder.

No decorrer de seu ensino sobre as psicoses, Lacan elabora a construção do conceito do Nome-do-Pai, trazido para o campo do significante. A partir do Seminário 3: as psicoses (Lacan, 1954-55), o significante do Nome-do-Pai passa a ser o eixo das articulações lacanianas a respeito da função paterna. E enquanto ordenador do campo do desejo e do gozo é o representante da lei.
A instauração do Nome-do-Pai se faz estruturante para a criança, na medida em que permite a ela se situar enquanto sujeito submetido à lei, à castração e, por isso, desejante, e não mais como objeto do desejo do Outro.

Quando Lacan teorizou o Nome-do-Pai, o lugar da mãe estava em uma posição de certeza; ele não fala de função materna, e sim da mãe. Nesse momento o peso do simbólico recai sobre o pai, enquanto a mãe é dada como natural. A questão do significante, da linguagem, da lei, da ordem simbólica, vem com o pai. E é justamente aí que podemos entender em quê o pai do pequeno Hans hesitou. Ao apresentar-se como uma voz fraca, não operou como agente da castração, deixando, assim, que o menino tivesse um irrestrito acesso à mãe.

Se a mãe não se instala de forma a permitir ao filho fazer uma produção organizadora, a fobia surge como saída. O pai se apresenta claudicante na sustentação do desejo da mãe e este é reafirmado e não dialetizado pela lei da castração. A saída encontrada pelo sujeito é, então, utilizar-se das insígnias paternas que lhe restam para improvisar uma metáfora do Nome-do-Pai, dando origem ao significante fóbico. Essa metáfora porta uma referência ao falo.

Pelo fato da metáfora paterna se mostrar claudicante, não sendo capaz de limitar o gozo e articular o desejo à lei, o sujeito se vale, como saída estruturante, da construção de um significante fóbico como uma solução, na medida em que ela aparece para convocar a função do pai. Em um momento bastante preciso de seu ensino, Lacan diz que “é preciso ter o Nome-do-Pai, mas é também preciso que saibamos servir-nos dele.” (Lacan, 1957-58, p. 163)1. Podemos ver que a inscrição do Nome-do-Pai na neurose não é uma solução para todos os impasses. A fobia surge frente à fragilidade da função paterna.

Lacan aponta que, no caso analisado por Freud, a função paterna atua de forma escassa na divulgação do Nome-do-Pai, que deveria entrar em cena a fim de decantar o desejo da mãe. Há algo pior do que o medo, que é a angústia sem nome. Por isso o pequeno investigador diz ao pai: “tenho que olhar para os cavalos, e aí fico com medo” (Freud, 1909, p. 39). Hans tenta evitar os cavalos, mas ao mesmo tempo só pensa e fala neles. Esse animal funciona como uma forma de metáfora e condição de acesso ao desejo. Ao circunscrever a cena, o objeto fóbico aparece em sua função organizadora, limitando a angústia do gozo desmedido sobre ele.

Assim, o significante fóbico recobre algo que não tem como se resolver no nível da angústia intolerável para o sujeito, e a única alternativa deste é fazer uso de um esforço imaginário, de um “tigre de papel” (Lacan, 1968-69), que, com toda sua força, delimita o espaço, mas, ainda assim, não consegue dar conta de toda a angústia.

Hans tem medo de que o cavalo o morda e também de que o cavalo caia. Na leitura de Lacan, o cavalo é trazido ao campo do significante, ele funciona nomeando o medo e aplacando, em parte, a angústia. Lacan aponta que é a própria criança que dá o estatuto de significante ao cavalo. O objeto fóbico deve ser destacado da sua realidade imaginária e visto como um significante entre outros, suscetível, assim, de obedecer às leis da combinação e de substituição que fazem funcionar a cadeia significante.

Mesmo o objeto cavalo tendo estado presente desde cedo na relação entre pai e filho, é no encontro com o professor Freud que esse estatuto de significante fica afirmado, pois é Freud quem designa para o medo de Hans um outro objeto, que, contudo, está sempre ausente: o seu próprio pai como rival. Assim, o significante fóbico veicula todas as transferências e transformações necessárias do que é problemático na relação entre mãe, falo e filho.
Hans faz de sua fobia um apelo ao significante Nome-do-Pai, que, ao delimitar a castração através da eleição de um objeto fóbico, funciona de forma a organizar a sua subjetividade no campo do desejo e do gozo. É, contudo, um apelo, uma busca de significante que faça as vezes do agente da castração. Portanto, essa suplência estabelece o limite.

O sonho de Hans, no qual a palavra “mimar” aparece como significante fundamental escutado por Freud, evidencia uma passagem do sonho de angústia ao sintoma marcado pelo medo2. Freud nos ensinou que, na via de estruturação do sujeito perverso polimorfo, são esperados medos infantis. Só que Hans transformou esse medo em sintoma ao apelar para um deslocamento e substituir o medo do pai por medo de cavalo.

Em uma única sessão que Hans teve com Freud, este, passando a ocupar o lugar de pai simbólico, fez o que foi essencial para o menino: introduziu-o ao mito edipiano. Narrando o mito de Édipo, Freud inseriu uma estrutura simbólica em uma relação que até então era por essência imaginária. Trouxe, forçosamente, o pai para a relação familiar, incluindo-o não só no romance familiar, como também no sintoma do filho, determinando, assim, a direção do tratamento.

O sujeito, através do significante fóbico, deixa de ser tomado de angústia, invadido pelo real. Freud aponta que o cavalo era um objeto, fazendo parte do mito individual do pequeno Hans3. Lacan esclarece que o cavalo não era nem o pai nem a mãe do menino e sim o brasão da sua fobia, algo que favorece a triangulação edipiana. Nesse momento o autor está positivando a fobia. O cavalo é um elemento variável em sua apresentação, que se desloca, com ou sem carroça, e pode ostentar qualquer cor. Por isso, em alguns momentos, ele representa a mãe; em outros, o pai, o próprio Hans e até o seu pênis.

Podemos entender que, no caso de fobia, a saída sintomática acaba por apontar que nem tudo da angústia pode ser aplacado. O próprio significante fóbico carrega em si um resto de angústia. Foi a partir daí que, em “Inibição, sintoma e angústia”, Freud (1926) diz que a operação feita por Hans vai além de um recalque normal e faz com que se possa entender o processo do recalque a partir de seu fracasso. Aponta que, caso tivesse ocorrido o processo normal de recalque, esse teria transformado o ódio ao pai em uma vontade de que o cavalo caísse e morresse.

Na fobia desenvolve-se a possibilidade de o sujeito recorrer ao significante fóbico e, assim operando, possibilita à criança se organizar frente ao desejo materno. Dessa forma, a fobia aparece para Hans como uma “poesia viva” (Lacan, 1956-57, p. 411), onde a criança, através do cavalo, e utiliza o mesmo recurso dos poetas: a metáfora, como uma tentativa de norteamento.

 

Fobia: placa giratória

Desde o Seminário 4: a relação de objeto, Lacan (1956-57) aproxima a fobia da perversão. Ele passa pela perversão para chegar ao que está em jogo na fobia. Essa aproximação é feita já na introdução do seminário, onde podemos notar que o objeto da fobia é constituído para “manter à distância a angústia de castração. Quanto ao fetiche é ele também certa proteção contra a angústia, e coisa curiosa, a mesma angústia, ou seja, a angústia de castração.” (Lacan, 1956-57, p. 22). Fobia e fetiche são tratados como formas distintas de o sujeito lidar com a castração materna, com a falta feminina.

Lacan comenta que, enquanto o fetichista é um simples amante da natureza, o fóbico é um metafísico, porque conduz a questão ao ponto em que há algo que falta. Já o perverso:

[...] ama pois a natureza que lhe dá tudo o que poderia dar; não se queixará de seu fetiche. A natureza em sua perfeição pede que a vejam e que gozem. O fóbico ao contrário, tal como metafísico, pergunta. Ele questiona a natureza perguntando-se por que há o ser, ao invés do nada […]. fóbico, porque neurótico, pergunta; o apelo do pai simbólico é nele inaugural. (Ferreti, 1995, p. 164)

Logo, vemos que o perverso desmente a castração quase ao mesmo tempo em que a comprova, e que o fóbico chama atenção para o fato de que ela ali não existe realmente. O perverso tem o falo positivado. Ele sabe o que é o falo, sabe o que é o ser: como ele poderia ser um metafísico?

Ao final do caso Hans, depois de muito o menino apelar ao pai por respostas, esse escreve a Freud para tratar de um elemento não solucionado na fobia do filho, que se apresentava nas muitas perguntas formuladas pela criança. Um dia, cansado de respondê-las, o pai disse: “Você acha que eu posso responder a toda pergunta que você faz?” e Hans retrucou: “Bom, eu pensei que, como você sabia aquilo sobre o cavalo, você saberia isso também.” (Freud, 1909, p. 105). Freud diz que o pequeno investigador muito cedo chegou à descoberta de que todo saber é fragmentado, “e que cada passo a frente deixa atrás um resíduo não resolvido.” (Freud, 1909, p. 105).

Logo no início de sua teorização, Freud apontou a fobia como sendo a neurose da infância por excelência. Lacan (1966) explicita isso em “A ciência e a verdade”:

O sujeito divide-se ali, diz-nos Freud com respeito à realidade, ao mesmo tempo vendo abrir-se o abismo contra o qual se protegerá com uma fobia, cobrindo-o com a superfície em que erigirá o fetiche, isto é, a existência do pênis mantida ainda que deslocada. (Lacan, 1966, p. 892).

No Seminário 16: de um Outro ao outro, Lacan (1968-69), voltando a falar sobre a fobia, dá uma ênfase ainda maior à problemática fálica. Ele promove o falo ao campo do irrepresentável estando do lado do que causa o desejo. Nesse Seminário Lacan recoloca a questão da diferença sexual na dimensão do impossível. Essa nova perspectiva o permitiu estreitar a ligação entre fobia e perversão, já que tanto uma quanto a outra revelam impasses do sujeito com relação à castração. Lacan, ao tratar da inserção da fobia dentro da estrutura clínica das neuroses, introduz o conceito da “placa giratória”, a partir da qual o sujeito toma posição na estrutura, seja do lado da neurose histérica ou da obsessiva.

A fobia não deve ser vista, de modo algum, como uma entidade clínica, mas sim como uma placa giratória. [...] Ela gira mais do que comumente para duas grandes ordens de neurose, a histeria e neurose obsessiva, e também realiza a junção com a estrutura da perversão [...] (Lacan, 1968-69, p. 298).

O que vai determinar a escolha pela neurose, a inserção do sujeito na estrutura, é a forma como o desejo da mãe é articulado ao Nome-do-Pai. Ao considerarmos o sintoma fóbico em seu caráter de solução do que falhou na função paterna, torna-se mais difícil pensarmos em uma neurose já estabelecida. Por isso, cabe determo-nos na placa giratória para entendermos a fobia não somente como um quadro clínico isolado, mas também se manifestando pontualmente em quadros diversos. Na placa giratória, entre a histeria e a neurose obsessiva, o sujeito faz uso de seu significante trunfo contra a angústia, que o protege ao delimitar o espaço. O significante fóbico como “sentinela avançada” – avant-poste – (Lacan, 1956-57, p. 412) frente à angustia, pode velar a escolha da neurose ou, no caso da fobia infantil, deixá-la em suspenso.

O desejo fóbico se especifica como um desejo prevenido (Lacan, lição de 21.06.1967, inédito) em relação ao desejo insatisfeito da histeria e o desejo impossível da neurose obsessiva. Momentos onde o sujeito se vê frente à emergência do desejo do Outro: “o que o Outro quer de mim?”. Tanto a histeria quanto a neurose obsessiva são manobras em relação ao campo do impossível. O obsessivo vai evitar ser o falo, se confundir com ele. Já a histérica deixa o lugar para outra mulher.

O que Lacan tinha em mente ao falar de uma junção da fobia com a perversão? Seria possível ao sujeito que apresenta sintomas fóbicos se estruturar de forma perversa?

Cabe ressaltar que a distinção entre o objeto fóbico e o objeto fetiche decorre da forma como eles se relacionam com a significação do falo. O primeiro, referido à neurose, tem relação com a vertente negativa do falo, tem a ver com a falta a ser, circunscreve a falta. O segundo, relacionado com a vertente positiva do falo, é uma tentativa de elidir a castração dando estatuto de gozo ao objeto.

Lacan (1968-69) comenta um caso de fobia de galinhas atendido pela psicanalista Helene Deutsch (1951) no qual o paciente, então com vinte anos, procura análise por imposição familiar, para livrar-se de sua homossexualidade, tida como um traço perverso. Nesse momento o rapaz já estava praticamente curado da fobia, e a perversão em nada o incomodava. Sua fobia apresentou-se intermitente ao longo da infância e início da idade adulta. Tudo começou com seu irmão mais velho forçando-o a brincar de ser a galinha enquanto o irmão era o galo que subia na galinha. O paciente, na época com sete anos, gritava: “Não vou ser uma galinha”, enquanto o irmão mais velho, zombando, bravateava que era o galo, e o irmãozinho, a galinha! Assim, ele adquiriu fobia a essa ave frente à angústia de servir de objeto de gozo para o Outro.

Fica claro que o significante fóbico fazia parte da vida desse menino; ele vivia em uma fazenda, onde havia galinhas soltas no quintal. Mesmo antes da brincadeira com o irmão, essa criança sentia enorme prazer em acompanhar as idas de sua mãe ao galinheiro, pois esta apalpava as aves para ver se havia ovos. Quando o menino tomava banho pedia para que sua mãe o apalpasse assim como fazia com as galinhas. Por um período ele também passou a “colocar ovos” de fezes no chão de seu quarto, para alegrar a mãe. Mas isso era recebido por ela com repugnância, e ele era repreendido. No entanto, a expressão da mãe ao encontrar os ovos no galinheiro era de entusiasmo.

Nesse jogo de fazer ovos o menino tinha duas condutas; ele era a mãe ao manipulá-los e era a galinha, sendo tocado e pondo ovo. A criança dispunha-se a ocupar a função imaginária de galinha para sua mãe. Agradava coincidir com a galinha e assim preencher a mãe. O que passou a lhe causar medo foi a entrada do irmão em cena, quando a galinha passa de função imaginária a significante. No momento da brincadeira com o irmão, o menino encontrava-se em um tempo lógico da perversão polimorfa descrita por Freud, tendo lugar aí a fantasia de completude com o Outro. A verdade de sua posição feminina se revela na cena com o irmão, e ele passa a não mais poder ser o objeto de desejo do Outro; a galinha enquanto identificação com o feminino, “mulher” do irmão. E a fobia de galinhas surge, no ponto traumático, como defesa contra a angústia do desejo do Outro sobre ele.

Quando o menino foi estudar na cidade, apresentou grande melhora. Mas, bastava regressar para casa, de férias, que seu sintoma voltava. O retorno para casa representava a volta para um gozo que o ameaçava.

E a perversão da qual a família queria que ele se livrasse, mandando-o procurar a analista? Quando criança, suas fantasias eram ligadas à mãe, que em sua imaginação era o Outro não barrado. Deutsch (1951) descreve as atitudes de seu paciente, nessa fase da infância, como “passivamente anal”, porém a escolha de objeto era heterossexual. O que levou à mudança na escolha de objeto foi a brincadeira de galinha-galo imposta pelo irmão. Nessa experiência, sua atitude passiva anal já estava voltada para a homossexualidade, tendo o irmão no lugar da mãe, já que a brincadeira com o irmão havia ativado sua predisposição passiva. Ao longo da análise surgiu a lembrança de que, mesmo antes do episódio com o irmão, o menino já se identificava com as galinhas. Em decorrência, ele precisou, no jogo, manifestar repúdio ao desejo inconsciente de ser a mulher de seu irmão. A cena com o irmão representava o coito entre o galo e a galinha, e ele, recusando-se a ser a galinha, estava repudiando seu desejo homossexual passivo.

Como se vê, o jogo com o irmão ganhou significação de sedução, o que, de acordo com a analista, foi uma experiência para a qual ele fora longamente preparado por suas fantasias inconscientes. Então, o horror à sua homossexualidade passiva se manifestou na fobia de galinhas. Deutsch (1951), de forma bastante freudiana, expõe que o menino usou a mesma estratégia de Hans para dar contorno à angústia; deslocou o perigo interno para o mundo externo, tendo a galinha o papel de espelho das pulsões que o menino rejeita.

E o pequeno Hans? Poderíamos pensá-lo como um pequeno perverso? Lacan (1956-57) por diversas vezes se pergunta o que fez com que Hans finalmente fosse neurótico, e não perverso. Ele brinca respondendo que o destino quis de outra maneira para em seguida utilizar-se de algumas passagens de Freud para afirmar o lugar da neurose de Hans e, assim, sustentar que ele não era um perverso. Tal é o jogo com a mãe: as calcinhas desta só eram de interesse para o filho se elas estivessem vestidas, exercendo sua função de véu. Fora do corpo, elas lhe provocavam nojo e ele cuspia em cima. Logo, não constituíam um objeto fetiche que denegaria a castração materna.

Todo o jogo perverso em torno da função do véu concerne à função do falo. Enquanto a mãe está vestida com a calcinha, Hans tem a possibilidade de continuar no logro imaginário do falo que falta à mãe.

Freud escreve que Hans, com sua atitude, marca que as calças da mãe têm para ele funções diversas quando estão sendo usadas e quando não. Precisando fazer uma difícil passagem para a simbolização, Hans utiliza-se do véu. Através de seu jogo de exibicionismo e voyeurismo com a mãe, ele a observa por debaixo da camisola, supondo o falo enquanto velado. Para ele, sua mãe está nua e está de camisola ao mesmo tempo. Para seu pai, todavia, é realmente muito difícil entender o menino, uma vez que a mãe deve ou estar nua ou de camisola, numa alternativa excludente.

Por outro lado, Lacan se vale do nojo que Hans demonstra ao ver a calcinha da mãe fora do corpo para marcar a diferença entre o objeto fóbico e o objeto fetiche. Ele marca que o objeto fóbico, rigorosamente falando, não é um objeto, mas um significante.

É a questão do falo simbólico que está em jogo na fobia e no fetiche. Na eficácia da fobia podemos verificar a passagem da criança do engodo imaginário com a mãe ao falo simbólico. Fobia e fetiche tentam, de algum modo, suprir a marca da castração que se impõe ao imaginário. O fetiche toma valor de símbolo ao se fixar como aquilo que lhe traz satisfação francamente sexual, enquanto na fobia o objeto que limita a angústia também causa medo. Fobia e fetichismo compartilham certa utilização do objeto, já que em ambas há a eleição de um objeto que tem uma função simbólica: no caso da fobia, o de “sentinela avançada” e, na perversão, de “condição absoluta do desejo”.

Freud indica que o fetiche deve ser decifrado como um sintoma, ainda que ele esteja situado no campo das perversões e que sua questão diz respeito à denegação, e não ao recalque. Ele aponta para a denegação da castração materna, pois o fetiche se faz presente enquanto substituto do falo, que a criança acreditou existir. Ela não quer renunciar a essa idéia, já que isso poderia levar à perda de seu órgão, em que está narcisicamente investido.

Nesse momento, ao pensarmos a junção da fobia com a perversão, devemos lembrar que, para Lacan, a perversão é essencialmente masculina, e que às mulheres caberiam apenas os traços perversos. A partir dessa leitura de Lacan, Ferreti (1995) diz que “se o objeto fetiche é ponto estrutural da perversão, a fobia nas mulheres, placa giratória, ficaria entre histeria e obsessão. Nos homens o destino do objeto fóbico poderia ser outro: o fetiche.” (Ferreti, 1995, p. 162).

Para Chemama (1994) os pacientes histéricos que chegam aos consultórios de psicanálise se queixando de medos fóbicos se distinguem dos histéricos que não se queixam de tais medos. Ele diz que as mulheres de forma geral, mas principalmente as histéricas, raramente apresentam seus fantasmas sob a forma de cenários erotizados contados na primeira pessoa, relatos de situações mais ou menos perversas que poderiam lhe acontecer. O autor nos fala que a especificação da fobia, com relação à histeria, pode precisar da referência a uma terceira estrutura – a perversão.

O que o autor afirma é que o sujeito fóbico não o é sem saber, já que para tais sujeitos o significante fálico, que corresponde ao significante do desejo, não pode valer concomitantemente como significante do desejo e da castração, já que a castração “se encontra contornada” (Chemama, 1994, p. 76). O que acontece é que ao dar-se conta da atribuição fálica em todos, e assim passar a menosprezar isso, o fóbico não se prende à idéia de uma possibilidade de acesso direto ao gozo como faz o perverso.

A função do fetiche não tem o mesmo valor significante que o significante fóbico possui, ele representa o falo enquanto aquilo que falta à mãe, é um símbolo. Por ser um símbolo, o fetiche está representando o que falta no real e o nega. O perverso sabe da falta-a-ser em si e no outro, mas a nega repousando o falo imaginário sobre o pênis. Lacan nos mostra que, no fetichismo, o próprio sujeito relata que encontrou seu exclusivo objeto da satisfação, o que lhe traz tranqüilidade. “No que diz respeito à realização da falta como tal, a solução fetichista é, incontestavelmente, uma das mais concebíveis, e vamos encontrá-la efetivamente realizada.” (Lacan, 1956-57, p. 85).

É no momento preciso em que a castração materna, a falta do Outro, evidencia-se para o sujeito como uma exigência de tamponamento, que o perverso, fetichista, coloca um objeto no lugar. Assim, o perverso além de recusar a castração materna, faz manobras com a função paterna, autorizando-se como agente da própria lei.

Rêgo Barros (1998) aponta que a saída perversa pode se alternar com a fobia. Ele vai ainda mais longe, estatuindo que a saída perversa pode até mesmo se apresentar como resolução da fobia, já que ela permite que a questão do desejo possa ser considerada pelo sujeito, mesmo se esse desejo está submetido à “condição absoluta” do fetiche. Deixa claro ainda que a junção com a perversão implica uma mudança tanto na função do objeto quanto na posição do sujeito frente ao desejo do Outro.

Agora, não podemos nos esquivar de salientar que a fobia não foi tida por Freud como um processo patológico independente, e sim como uma síndrome (Freud, 1909) que ele denomina histeria de angústia; logo, aponta pelo próprio nome, para uma semelhança entre a histeria e a fobia, mantendo como diferença o fato de, na segunda, não haver conversão, mas sim forte presença da angústia. Por ser tida como uma síndrome, podem ser encontradas manifestações fóbicas tanto na histeria quanto na neurose obsessiva. Isso nos leva a pensar que Lacan (1968-69), em De um Outro ao outro, retomou a posição freudiana de 1909 ao não localizar a fobia como uma terceira neurose. Assim sendo, ele elevou o objeto fóbico à função de um significante “pau-para-toda-obra” e mostrou como o sintoma na fobia é menos estável que nas outras neuroses, estando sempre aberto a transformações. Em contrapartida, na fobia a angústia não procede de uma lembrança recalcada, ela é por excelência angústia de castração e, nesse sentido, guarda uma distância em relação às duas grandes ordens de neurose.

Assim, diante de um impasse com relação à castração, a fobia se apresenta como conseqüência sintomática bastante freqüente que impede o sujeito de ser arrastado ao gozo, evidenciando-se como um ponto de estagnação para a angústia. O que a faz tão comum na infância, enquanto sintoma constituinte, como um apelo feito pela criança a um termo que sustente a relação insustentável. Mas não é só nesse período que ela se manifesta. Ao longo da vida, em momentos de passagem, a cada vez que se aproxima a prova do desejo do Outro, no qual o sujeito precisa de um recurso simbólico, ou de uma suplência, pode surgir tendo então características de um sintoma singular, de um tempo a ser percorrido.


Notas

  1. Na lição de 13 de Abril de 1976, Seminário 23: o sinthoma (2007), Lacan diz que “Por isso a psicanálise, ao ser bem sucedida, prova que podemos prescindir do Nome-do-Pai. Podemos sobretudo prescindir com a condição de nos servirmos dele.” (Lacan, 1975-76, p. 132). Essa formulação sobre o sintoma ao final de análise –sinthome - surge tardiamente e não foi suficientemente desenvolvida por Lacan. Ele sustenta que o sinthome pode operar como um estabilizador da subjetividade, pode funcionar como significante Nome-do-Pai.

  2. Em uma manhã Hans acorda chorando. Ao ser indagado sobre o motivo do choro, conta que sonhou que a mãe tinha ido embora e não poderia mais mimar com ele (Freud, 1909).

  3. Curiosamente, foi justamente Freud, que havia sido analista da mãe de Hans, que deu o primeiro cavalinho de brinquedo para o menino em seu terceiro aniversário. Assim, Hans recorreu a este significante para agenciar a castração e este passou a organizar a sua constelação subjetiva.

 

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________. (1968-69) O Seminário. Livro 16: de um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

________. (1975-76) O Seminário. Livro 23: o sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

RÊGO BARROS, R. (1998) Alguns comentários sobre a solução fóbica, in Birman, J. e Nicéas, C.A. (coord.) A ordem do sexual – Teoria da prática psicanalítica 6. Rio de janeiro: Editora Campus, p. 33-42.

RÊGO BARROS, R. (1998) Alguns comentários sobre a solução fóbica, in Birman, J. e Nicéas, C.A. (coord.) A ordem do sexual – Teoria da prática psicanalítica 6. Rio de janeiro: Editora Campus, p. 33-42.

 

Texto recebido em: 20/05/2008
Aprovado em: 17/09/2008